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Opinião

POR QUE OS RISCOS FINANCEIROS SÃO IGNORADOS?

Quando nos deparamos com casos como Lehman Brothers, Bear Stearns e Sadia nos perguntamos como empresas consolidadas e com lucros constantes podem sumir. As explicações são várias e podem divergir opiniões, porém existe um ponto de consenso: todos ignoraram os riscos financeiros relacionados às suas operações e atividades em pró do incremento dos lucros e aumento no seu fluxo de caixa, perdendo o foco de atividades que gerassem valor e garantissem a perenidade do negócio.

Ao analisamos os casos dos bancos de investimentos, vemos que um dos principais riscos da gestão financeira foi ignorado – o risco de liquidez.

De acordo com Peter Chapman, no livro “Lehman Brothers, porque grandes impérios podem virar pó”, a forte exposição financeira decorrente de operações com CDOs (Collateral Debt Obligations) e CDSs (Collateral Default Swaps), somado à falta de diversificação, a propensão de seu principal executivo em assumir grandes riscos, e uma área de riscos pouco atuante, levaram a sua quebra. Além disso, entendemos que nesse caso, o Conselho de Administração e seus comitês foram pouco diligentes, em vista, provavelmente de resultados positivos apresentados em anos anteriores.

As razões para a quebra do Bear Stearns são muito semelhantes a do Lehman Brothers. Segundo William D. Cohan, no livro House of Cards, este banco era um símbolo dos excessos cometidos em Wall Street, a bolsa de valores de Nova Iorque, e da ganância dos altos executivos financeiros – muitos dos quais receberam bônus milionários enquanto os bancos que dirigiam estavam à beira do colapso.

Já no caso da Sadia, a forte exposição a derivativos cambiais levou à aquisição emergencial, e apoiada pelo governo, por sua principal rival - a Perdigão. Vimos uma grande produtora de proteína animal consolidada no mercado de atuação, mudando o foco e passando a exercer atividades que fugiam de sua missão. Um caso de conflito de funções entre Tesouraria e Controladoria, sem intervenção do Conselho de Administração e seus comitês de riscos, que após sucessivos lucros, gerados por receitas financeiras, permitiram a atuação desmedida dos executivos de suas áreas.

Apesar dessas empresas possuírem mecanismos de governança difundidos, comitês de finanças e de riscos formalmente constituídos, políticas financeiras de riscos e mecanismos de compliance implementados, com transparência na apresentação de seus resultados, houveram negligencias no monitoramento destes riscos, permitindo que os resultados financeiros de curto-prazo se sobrepusessem aos riscos que nele continham.

A propensão em incorrer em riscos aumenta, e ao mesmo tempo são ignorados, quando há um histórico de lucratividade contínua na empresa, e uma expectativa de crescimento da economia que aparentemente justifique tal risco.

Os riscos financeiros, diferentemente dos riscos operacionais (que são mensuráveis apenas quando há histórico de materialização) podem ser monitorados com alta assertividade por modelos conhecidos. Testes de stress, realizados com frequência, podem sinalizar para os investidores quando o risco de perda está em iminência de se materializar.

Sendo assim, é fundamental que o Conselho de Administração por meio de seus Comitês de Risco e Auditoria exerça papel ativo junto aos executivos das empresas. As principais atividades que o conselho deve cumprir para garantir o exercício pleno deste papel são:

  • Clareza na elaboração e disponibilização das políticas de riscos. Isto inclui todos os tipos de riscos que envolvem o negócio. A ausência de clareza leva a um entendimento dúbio das normas, podendo levar a ações que causem prejuízo à organização. Além disso, a falta de disponibilização compromete, não apenas as operações, mas também àqueles responsáveis pela fiscalização na empresa;
  • Independência na execução das atividades de compliance e gestão de riscos. As áreas de fiscalização e gestão de riscos devem estar totalmente livres de conflitos de interesse para atuação sobre as operações da empresa, servindo como um canal direto para o Conselho de Administração. No caso do Bear Stearns e do Lehman Brothers, a área de riscos financeiros reportava diretamente ao presidente, não tendo nenhum canal de comunicação com o Conselho de Administração;
  • Alocação de recursos e orçamento para a realização da plena função de fiscalização. A separação entre as áreas de compliance e riscos, entre as áreas executivas e de operações é fundamental, para que junto ao Conselho de Administração se faça a alocação de recursos em áreas que representam mais criticidade e possam impactar negativamente nos resultados, caso os riscos mapeados sejam materializados, após o assessment de riscos da empresa para um adequado conhecimento, relevância e priorização para estratégias de mitigação;
  • Aplicação de balanço de consequências pelo Conselho de Administração aos executivos. Uma vez identificada violação das normas, regras de compliance e principalmente políticas de riscos formalizados, o Conselho de Administração deve atuar diretamente na punição dos executivos responsáveis por tal violação;
  • Estabelecimento de um canal direto confidencial com o Conselho de Administração para que os funcionários possam reportar denúncias de desvio e violação das políticas de risco da empresa, aumentando assim, o “contingente de fiscalizadores” da má-conduta;
  • Realização mensal de testes de stress de suas posições financeiras, informando os resultados aferidos e metodologias aos órgãos reguladores de mercado e ao Conselho de Administração;
  • Comprometimento e follow-up dos pontos discutidos em reunião de conselho;
  • Remuneração de executivos, baseado não apenas em resultados, mas também na gestão de riscos e perenização da empresa.

Nos casos analisados, a atuação desmedida dos executivos, somada à negligência de seus conselhos de administração e seus comitês inaptos em monitorar os riscos financeiros, levaram à quebra de empresas centenárias.

Portanto, o Conselho de Administração deve exercer papel de fiscalização dos riscos financeiros, defendo os interesses dos acionistas e limitando a ação dos executivos com o objetivo de garantir a perenização do negócio e a geração de valor de acordo com seu core business.

 

Andre Cilurzo
é gerente da ICTS Protiviti.
andre.cilurzo@icts.com.br


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