Em Pauta

GOVERNANÇA CORPORATIVA: PRATIQUE OU EXPLIQUE!

Depois de ter perdido a vanguarda que ocupava na América Latina na formulação e difusão de melhores práticas de Governança Corporativa, devido à crise ética, política e econômica, o Brasil está retomando seu protagonismo. Uma série de iniciativas, como a nova abordagem do Código de Governança do IBGC, a criação de um Código Brasileiro de Governança especifico para as companhias abertas com adesão obrigatória, além do processo de reforma da regulação do Novo Mercado e do Nível 2 de Governança Corporativa da BM&FBovespa, colocaram o país de volta ao circuito de transformações da Governança em curso ao redor do mundo.

No centro da evolução constante, que é própria da natureza da governança corporativa, estão questões envolvendo práticas essenciais de governança como composição e atribuições do Conselho de Administração, além de questões societárias, impactos na regulação e nos custos, e ainda no combate à corrupção.

Com relação ao Conselho de Administração o foco da discussão voltou-se para a qualidade dos conselheiros e não apenas na questão da independência, que dominava os debates em passado recente. De que adianta ter um conselheiro independente se ele não for qualificado, não entender os assuntos relacionados à companhia e ao seu setor de atuação, dizem agora especialistas.

Oliver James Orton, gestor do programa regional de governança corporativa do IFC (International Finance Corporation) para a América Latina e Caribe, ironiza dizendo que a avó de alguém pode ser um conselheiro independente, sem que isso signifique qualquer tipo de contribuição para o desenvolvimento da companhia.

Respondendo à pergunta da Revista RI: Que práticas de governança faltaram, permitindo o “sucesso” do esquema de corrupção na Petrobras, conhecido como “Lava-Jato”? Orton afirmou que como organismo internacional, o IFC não se pronuncia sobre a operação Lava-Jato, nem sobre empresas. Disse apenas que a OCDE (Organização Internacional de Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que reúne 34 países) propõe a separação do papel do governo como acionista e como regulador. Além disso, ressaltou que a necessidade de vontade política para criar um ambiente propício para a redução da corrupção também é muito importante.

Sobre combate à corrupção, Orton afirmou que é provável que a corrupção sempre exista, de uma forma ou de outra, e a governança corporativa não é uma cura para todos os casos de corrupção existentes. Apesar disso, observou que é preciso olhar para formas de minimizar suas chances de ocorrência.

“Uma boa governança corporativa começa com os valores e cultura de uma empresa, bem como o comprometimento da alta administração, que inclui o Conselho de Administração e a gestão sênior, e cada vez mais, os acionistas. Uma boa governança corporativa também exige um sistema de controles internos que possa fornecer garantias razoáveis.”

Para Orton, o Conselho é responsável por assegurar a existência e implementação de um sistema robusto de controles internos e de uma função de auditoria sólida por meio do seu comitê de auditoria e de sua função de auditoria. Além disso, observa que uma mídia responsável com uma boa compreensão das informações financeiras divulgadas pela empresa, em particular sobre governança corporativa, também desempenham papel fundamental.

Falando sobre as transformações nas práticas de governança, Orton conta que após a crise financeira mundial, os mercados da América Latina tornaram-se mais conscientes da importância da governança e de como falhas de governança contribuíram para a crise. Com isso, reguladores, bolsas de valores e gradualmente, investidores institucionais, também estão pressionando por melhoras em práticas de governança corporativa.

Como resultado, diz ele, estamos diante de tendências como: maior atenção à gestão de riscos e ao papel fundamental do Conselho de Administração; maior importância a questões relativas à composição do Conselho (gênero, competências, idade e experiências). E ainda, maior foco na transparência e na disponibilização de informações da empresa, desenvolvendo interesse cada vez maior em relatórios integrados e na divulgação de transações de terceiros.

Na América Latina, além das tendências exemplificadas acima, Orton afirma que deveria haver foco maior na cultura organizacional da empresa, no comprometimento da alta administração. Na avaliação dele, deveria também haver uma compreensão maior das responsabilidades dos diretores, especialmente no que diz respeito à governança de riscos, desenvolvimento de estratégias e um sistema de controle interno sólido.

“Também é necessário fortalecer os Comitês de Auditoria quanto à sua composição e responsabilidades e quanto ao diálogo com auditores externos e dar maior clareza às transações com partes relacionadas por meio da transparência e procedimentos bem definidos. E por fim, e não menos importante, deveria haver um diálogo maior entre o Conselho de Administração e os acionistas.”

Diversidade e custo
Boas práticas de governança estão garantindo maior diversidade na composição dos Conselhos quanto ao gênero, competências, idade e experiências.

Fernando Tendolini, vice-presidente da Amec (Associação de Investidores no Mercado de Capitais) e diretor de renda variável da SulAmérica, chama a atenção para a importância da diversidade na composição do Conselho. Outra questão, segundo ele, é que hoje ainda é incipiente a preocupação do Conselho em pensar o futuro da empresa em decorrência, por exemplo, de questões ambientais ou de mudanças trazidas pelo avanço tecnológico.

Sobre práticas relacionadas aos sócios, o vice-presidente da Amec aponta a importância da participação dos acionistas nas assembleias. Não existe governança se o acionista não vai a assembleia para conferir que conceitos e regras deles decorrentes a empresa está colocando efetivamente em prática.

De acordo com Marta Viegas, conselheira do IBGC e sócia do Tozzini Freire Advogados, outro item relevante na discussão de aperfeiçoamentos em governança é a questão dos custos, principalmente em momentos de crise como o atual, o que leva a companhia a questionar o custo benefício de melhores práticas.

Para ela, no entanto, essa discussão pode perde relevância com a entrada em vigor do Novo Código de Governança para as Companhias Abertas, que deverá estar na praça dentro de 30 a 45 dias. O novo código tem como metodologia o mecanismo “Pratique ou Explique”. Esse mecanismo dá para a companhia a opção de explicar o que não pode praticar. Com isso não aumenta o custo e preserva sua imagem.

O novo código deverá contribuir também para uma avaliação e acompanhamento mais efetivo das práticas e da qualidade de governança praticadas de fato no país. Segundo Marta, no momento o que se tem é uma percepção de que há um aumento na busca por práticas de Governança referente a controles internos, gestão de risco e compliance.

Pratique ou explique
Depois de intensos estudos e debates, o grupo GT Interagentes responsável pela criação do Novo Código de Governança para as Companhias Abertas, optou pela metodologia “pratique ou explique”. Com isso, embora a adesão ao Código venha a ser obrigatória para as todas as companhias abertas, elas não estarão obrigadas a praticar todas as regras previstas, podendo explicar o porquê de não fazê-lo. O GT Interagentes congrega 11 entidades do mercado de capitais com o objetivo de discutir questões para desenvolver o mercado de capitais, como a atratividade para investimentos e ambiente regulatório.

Segundo a CVM, até o final do ano o código deverá ser incorporado à Instrução CVM/480 que trata da divulgação de informações. Com isso deverá ser criado no Formulário de Referência um campo para a empresa dar as explicações que forem necessárias. A reforma da Instrução para acolher o código, porém, ainda deverá passar por uma audiência pública.

A base para a elaboração do Código foi a 5ª edição do Código do IBGC. Mas houve uma redução das cerca de 200 práticas para cerca de 74. Foi tirado tudo que já fazia parte da regulação da CVM, observa Marta Viegas, que fez parte do subgrupo criado pelo GT para avaliar especificamente a metodologia “pratique ou explique”.

O próprio Código do IBGC, também passou por mudanças importantes em sua concepção. Na sua 5ª edição, o código passou a ser dividido em fundamentos e práticas. O objetivo da mudança foi ser menos prescritivo. “A nova concepção buscou o que está por trás do princípio, o capital humano por trás da regra”. Esse enfoque torna mais efetiva a compreensão do que é Governança, acrescenta Marta.

Ao contrário do código para companhias abertas, o Código do IBGC, é um manual de recomendações de adesão voluntária, cujo objetivo é ser referência para as práticas de governança no país.

Segundo Marta, a opção pela metodologia “pratique ou explique” foi adotada a partir de pesquisas de códigos “nacionais” adotados por 56 países, entre eles, Alemanha, Austrália, África do Sul, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, México, Suécia, Espanha, França, Reino Unido, Rússia, Hong Kong, Japão, Malásia, Singapura e Tailândia.

Desse universo, observou-se que o pratique ou explique foi o escolhido por 45 países. Caso a empresa opte por explicar, o código dá orientações de como fazer, se pretende cumprir a regra e dentro de qual período de tempo. Também foram consideradas na formatação do Código, os Princípios de Governança Corporativa do G20/OCDE.

Na avaliação de Marta Viegas, o “pratique ou explique” dá à empresa flexibilidade para cumprir ou não determinadas regras, mas ao mesmo tempo dá transparência para o investidor à medida que a companhia explica os motivos de não adotar determinada prática prevista no Código.

Empresas que tenham ações preferenciais, por exemplo, podem explicar aos acionistas porque adotam essa estrutura de capital. Com isso resolve-se uma questão delicada no mercado brasileiro que é conceito de “Uma Ação um Voto”. “Se a empresa tem ações preferenciais pode justificar essa opção para os investidores, a quem cabe decidir se a vale a pena ou não comprar ações da companhia.”

A metodologia, porém, também trás desafios, sendo o principal deles a qualidade das informações para quem compra as ações da empresa, observa a conselheira do IBCG. “A explicação tem que ser boa e consistente. Os investidores precisam entender as explicações”. Nos países que tem códigos nessa metodologia, as explicações costumam girar em trono de questões referentes a formação do Conselho de Administração, como por exemplo a manutenção de pessoas no Conselho que a companhia acha importante, mas que não atendem à exigências de conselheiros independentes.

De modo geral, conforme mostram estudos independentes de países, onde esse tipo de mecanismo foi adotado, quando o código é lançado as explicações costumam ser ruins e a própria cobrança não é a mais adequada. Mas com o tempo há um amadurecimento fazendo com que as explicações sejam adequadas.

Para Flavia Mouta, diretora de regulação de emissores da BM&F Bovespa, a qualidade da explicação vai ser julgada pelo mercado. Vamos ver nessas explicações qual é a qualidade das empresas e dos investidores. “O importante do código é reconhecer a diversidade das companhias e que a governança não é “tamanho único”, depende da maturidade das companhias e de suas necessidades reais para ser atraente e saudável”.

De acordo com Flavia, a introdução do novo código não é conflitante com a reforma do novo mercado. A adesão aos segmentos especiais de listagem é decisão da própria companhia que faz um contrato com a Bolsa. Nele aceita obedecer ao regulamento dos segmentos, que prevêem sanções para quem não cumprir as regras que vão desde multas e suspensão até o cancelamento da listagem. “As companhias optam pelos segmentos especiais de governança porque isso gera valor para a empresa”, destaca.

Novo Mercado
O processo de reforma dos segmentos especiais de Governança da BM&FBovespa, Novo Mercado e de Nível 2, está entrando em sua etapa final, com a realização de uma audiência restrita no mês de novembro. Depois dessa audiência, onde só as empresas listadas nos dois segmentos especiais poderão participar, ao contrário do que ocorreu em etapas anteriores será redigido documento final que será colocado em votação.

A bolsa está trabalhando sobre como será conduzida a votação, mas já ficou decidido que as medidas não serão votadas de maneira pontual. Para a aprovação, a proposta não pode ter manifestação contrária superior a um terço das companhias participantes da audiência restrita. Atualmente 128 companhias fazem parte do Novo Mercado e 19 do Nível 2.

De acordo com Flávia, a reforma não tem nada a ver com a Lava-Jato. O objetivo da revisão é acompanhar a própria demanda de evolução de governança ao longo do tempo. Desde sua criação no ano 2000, o regulamento do Novo mercado já foi revisado duas vezes, em 2006 e 2011.

Com o trabalho, a bolsa quer avaliar para onde a evolução dos segmentos especiais de listagem deve caminhar. “Queremos refletir num consenso o que o mercado entende sobre qual é a melhor Governança para os segmentos”, acrescenta Mouta.

O processo adotado para realizar a reforma foi elogiado pelos agentes do mercado, mas a aprovação das mudanças propostas pela bolsa não são “favas contadas”. Segundo fontes das companhias, medidas que gerem aumento de custos tendem a ser rejeitadas pelas companhias. Devido à crise e queda nos resultados, as companhias estão preocupadas em não aumentar custos.

O processo, que incluiu consultas e audiências públicas, recebeu inúmeras manifestações de agentes do mercado, inclusive de investidores estrangeiros. Segundo a diretora de regulação de emissores da bolsa, todas as manifestações foram consideradas para a redação da proposta que será enviada à audiência restrita. A proposta de reforma e as manifestações estão no site da bolsa.

A nova regulamentação proposta tem muitas novidades de forma e conteúdo. Entre os temas que foram alvo de modificação destacam-se atribuições e composição do Conselho de Administração, divulgação de informações periódicas, fiscalização e controle, dispersão acionária, aquisição de participação relevante e exigências de saída. O free float foi mantido em 25%.

O Conselho de Administração foi o item mais pesado da reformulação, observa Flávia. Na questão da divulgação da remuneração de executivos, as companhias se manifestaram a favor de que ela ficasse fora da regulamentação, enquanto agentes do mercado manifestaram posição contrária.

Também foi muito discutida a questão das informações periódicas e das regras de saída. Segundo Flavia, houve muita solicitação pedindo que as companhias tenham Relatório Socioambiental.


Continua...