Transparência

CONTAGEM REGRESSIVA PARA O NOVO RELATÓRIO DE AUDITORIA

Mudanças no documento serão positivas para retomada da confiança dos investidores no país
A partir do fechamento das demonstrações financeiras do exercício de 2016, o relatório do auditor independente deverá incorporar uma série de alterações. Já utilizado em diversos países, o Novo Relatório de Auditoria trará informações de forma mais transparente. Até então muito impessoal e genérico, o documento contará com análises diretas dos auditores sobre temas relevantes que impactam as companhias.

O relatório também deverá especificar quais os papéis das empresas e dos auditores ao longo do processo de averiguação contábil. O objetivo é oferecer mais credibilidade aos stakeholders em relação aos dados financeiros das corporações, especialmente, as listadas em bolsa.

Nos últimos anos, principalmente os investidores e os analistas passaram a demandar explicações mais detalhadas dos auditores, destaca Rogério Hernandez Garcia, diretor técnico do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). Por esse motivo, o International Auditing and Assurance Standards Board (IAASB) trabalhou nas modificações no documento. “O relatório de auditoria será mais informativo e útil aos agentes do mercado de capitais”, destaca.

O Ibracon tem debatido a importância do Novo Relatório de Auditoria e os impactos significativos que causará no relacionamento entre Auditores e os Conselhos de Administração, incluindo os comitês relacionados à governança corporativa. A entidade trouxe ao país, nos últimos meses, diversos especialistas e representantes de órgãos internacionais, entre eles, James Gunn, diretor geral de Normas Profissionais da International Federation of Accountants (IFAC), que avalia que a profissão de auditor está em transformação. Segundo ele, a única mensagem que os auditores transmitiam aos stakeholders era se as informações contábeis estavam corretas ao não, porém, o cenário mudou e isso se tornou insuficiente. O novo relatório dá maior relevância ao trabalho desenvolvido pela auditoria. “Os auditores darão uma visão mais crítica sobre os dados. Eles têm que comunicar como interagem com as empresas e descrever as preocupações existentes”, explica. O novo documento, conforme Gunn, contribuirá ainda para o aperfeiçoamento da atuação das principais áreas de gerenciamento de riscos das organizações, com atenção especial ao fluxo de informações que os comitês de auditoria e governança recebem.

O Reino Unido foi o precursor, introduzindo a nova metodologia de comunicação em 2013, antes mesmo de haver uma norma internacional específica. A Holanda seguiu esse caminho em 2014. A Áustria está se preparando para usar o Novo Relatório de Auditoria. Segundo Gunn, houve casos de companhias que aplicaram o formato voluntariamente, antes mesmo de leis específicas, como na Polônia, na Alemanha e na Suíça. Aos poucos, os países europeus migram para o modelo mais direcionado aos acionistas do que aos diretores financeiros, ressalta o diretor da IFAC. E na África também há esse movimento. O Zimbabwe, por exemplo, já exige o novo formato das empresas listadas.

James Gunn ressalta ainda que nos Estados Unidos a necessidade de se assegurar mais visibilidade às atividades dos Auditores Independentes retornou à pauta este ano. No mercado americano o US Gaap é o padrão de contabilidade, não o International Financial Reporting Standards (IFRS), que foi conduzido pelo International Accounting Standards Board (IASB). Mesmo fora do movimento de padronização global de princípios de contabilidade e auditoria, os Estados Unidos seguem a tendência de maior transparência. A Public Company Accounting Oversight Board (PCAOB), entidade que regula as firmas de auditoria instituída pela Lei Sarbanes Oxley (2002), colocou em audiência pública o item Assuntos Críticos de Auditoria - que ainda precisa ser aprovado, com o objetivo de tornar os relatórios mais explicativos. Além disso, a PCAOB havia anunciado, em maio, regras para aprimorar a independência dos auditores e diminuir conflitos de interesse, medidas essas já aprovadas pela Securities and Exchange Commission (SEC), órgão que regula e fiscaliza o mercado de capitais. As empresas de auditoria serão obrigadas a registrarem em formulários, chamados de APs, os nomes de todos os sócios de trabalho envolvidos nas companhias auditadas a partir de 31 de janeiro de 2017. Essas informações deverão ser divulgadas a partir de 30 de junho do ano que vem.

Experiência do Reino Unido e avanços globais
Em visita ao Brasil, convidado pelo Ibracon, Marek Grabowski, diretor de Política de Auditoria do Financial Reporting Council (FRC), órgão regulador independente do Reino Unido que promove a qualidade da governança corporativa, disse que a experiência está sendo positiva. “Foi deixada de lado a linguagem técnica desnecessária. Os investidores passaram a ter acesso a informações mais úteis sob uma perspectiva independente”, afirma. De acordo com Grabowski, a reforma foi impulsionada pela crise na economia mundial de 2008, chamada de crise do subprime porque teve como epicentro severos problemas com empréstimos hipotecários de alto risco nos Estados Unidos. “Os relatórios das empresas relacionadas com a crise eram inadequados, muito genéricos. Isso levantou o questionamento: onde estavam os auditores? Foi uma situação que causou ceticismo”, destaca. Ele avalia que no Reino Unido os relatórios de auditoria continuam em processo de melhorias e que, até o momento, não há evidência de aumento nos honorários. Isso porque a atuação dos auditores continua a mesma, o que mudou é a abordagem no documento, isto é, a ênfase na comunicação envolvida. Contudo, houve salto na qualidade dos documentos, com mais explicações sobre temas como receitas, provisões, fusões e aquisições e, até mesmo, sobre atuação dos fundos de pensão.

Lewis Ferguson, membro do board do International Forum of Independent Audit Regulators (IFIAR) acredita que, nos últimos anos, ocorreram melhorias na qualidade de auditoria em todo o mundo. A cooperação global entre os órgãos reguladores tem avançado em relação às melhores práticas e fiscalização. Há cerca de dez anos, o IFIAR tinha apenas 17 países integrantes e, hoje, são 51. O Brasil é o único país da América Latina que participa do fórum, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Porém, Ferguson avalia que há muito a se fazer em relação ao aperfeiçoamento das atividades de auditoria, tendo como base os resultados da Pesquisa sobre Achados das Inspeções realizadas pelo IFIAR nos relatórios de auditoria de 2015. No levantamento que foi divulgado este ano, estão claras as principais deficiências. (veja tabela)

Pesquisa sobre a qualidade de auditoria realizada nas companhias de interesse público listadas inspecionadas pelos órgãos que fazem parte do International Forum of Independent Audit Regulators (IFIAR):

 

Tema de inspeção

2015
Número
de findings*

2015
Frequência**
de findings

2014
Frequência
de findings

Teste de controle interno

173 entre um total de 710 companhias inspecionadas

 

23%

 

24%

Mensuração do valor justo

158 entre um total de 661 companhias inspecionadas

 

18%

 

20%

Avaliação de riscos

131 entre um total de 832 companhias inspecionadas

 

14%

 

7%

Reconhecimento de receitas

116 achados entre um total de 688 companhias inspecionadas

 

15%

 

14%

* Findings = são achados nas inspeções das auditorias realizadas, isto é, falhas no engajamento das auditorias aos sistemas de qualidade e controle ou deficiências em relação à independência requerida ou nos padrões que deveriam ser seguidos ao longo do trabalho.

** Frequência = divisão entre o número de entidades de interesse público listadas inspecionadas em que ao menos um "finding" de um tema foi identificado e o número total de entidades de interesse público listadas inspecionadas.

“O auditor independente é um aliado da CVM”, enfatiza Roberto Tadeu Antunes Fernandes, diretor da comissão. Segundo ele, no quesito regulatório, a CVM tem se atualizado, com presença nos principais fóruns internacionais, assim como, aprimorado a supervisão das atividades dos auditores. O órgão tem acompanhado, inclusive, inspeções realizadas pela PCAOB em firmas de auditoria no país.

Novo Relatório de Auditoria: uma nova forma de contar a auditoria executada nas empresas

  • O documento deixará de ser impessoal, excessivamente padronizado, e se tornará mais informativo, com linguagem clara e direta.
  • A parte inicial do relatório deverá conter a Opinião do auditor independente, junto com a descrição de tudo o que foi checado no período em questão.
  • No caso específico de companhias listadas em bolsa, no item Principais assuntos da auditoria serão divulgadas as áreas consideradas de maior risco ou as situações que exigiram mudanças no curso das apurações.
  • As notificações de ressalvas (erros encontrados ou limitações do trabalho de auditoria), quando existirem, continuam sendo obrigatórias.
  • O documento deverá trazer explicações aprofundadas sobre as responsabilidades da administração e dos auditores em todo o processo.
  • No item Continuidade operacional também houve mudança. Antes, se não fossem identificadas incertezas significativas, nada era comunicado. Ou seja, só havia divulgação de problemas encontrados. No novo documento, os auditores terão que explicar os procedimentos realizados, isto é, o caminho percorrido para se constatar a existência ou não de graves riscos à continuidade operacional.

Fonte: Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon)

Cenário brasileiro
O Brasil atravessa uma grave crise política e econômica, enfrenta uma situação de perda de credibilidade em função de problemas fiscais na esfera pública e dos casos de corrupção, sobretudo, envolvendo a Petrobras. O Novo Relatório de Auditoria se torna obrigatório em um momento crucial, de acordo com especialistas. “O documento contribuirá para a restauração da confiança dos investidores”, diz Rogério Garcia, diretor técnico do Ibracon. Os profissionais de Relações com Investidores terão que se aproximar dos auditores para responderem aos questionamentos do mercado. “Eles terão explicar como os temas de auditoria são tratados internamente pelas companhias”, comenta Garcia.

Desde o início do ano, visando a preparação técnica de conselheiros e membros de comitês de auditoria das organizações, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) organizou reuniões e se envolveu em diversos debates, incluindo a participação em uma conferência do Ibracon. “O novo documento colocará os conselheiros em um processo mais estreito na discussão sobre assuntos complexos e a projeção que terão vis a vis a relevância ao mercado”, enfatiza Jorge Manoel, membro da Comissão de Finanças e Contabilidade do IBGC. Os relatórios de administração também deverão trazer divulgações de temas relevantes da auditoria e das áreas de risco.

Segundo Manoel, os conselheiros mais ativos e conectados com as tendências globais já vieram se exercitando nesse sentido ao longo do ano. O IBGC avalia que o Novo Relatório de Auditoria trará ganho significativo em termos de governança corporativa. “Quanto mais transparentes e precisas as informações sobre as entidades que operam no mercado, melhores as condições para os investidores tomarem suas decisões”, diz Jorge Manoel. Será um instrumento importante diante da necessidade de retomada de investimentos no país.

Ao adotarem uma metodologia própria de trabalho, os auditores realizam uma série de testes em transações e contratos acima de determinados montantes, por amostragem. O Novo Relatório de Auditoria permitirá que os stakeholders conheçam mais sobre os aspectos examinados, além dos fatores relevantes de risco ou problemas encontrados. “Podemos fazer uma analogia com uma visita ao médico. Antes, na consulta, os pacientes tinham somente a informação se a saúde ia bem ou não. Agora, saberão mais sobre exames realizados e terão detalhes do diagnóstico”, explica Jorge Manoel, membro do IBGC.

Para Antonio Castro, presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o Novo Relatório de Auditoria é assertivo porque será “escrito com o público em mente” - sobretudo, investidores e analistas. Porém, ele ressalta que o prazo para implementação no país é curto. Primeiramente porque as companhias abertas estão implementando o Relato Integrado, modelo no qual a prestação de contas se funde com informações sobre práticas não-financeiras, isto é, aspectos socioambientais e de governança. Além disso, este ano é marcado pelo alto índice de rodízio de auditorias nas empresas, uma exigência da CVM. Segundo Castro, apesar de se ter notícias de que não houve aumento de custos de auditoria no Reino Unido, essa é uma preocupação que ronda algumas empresas no Brasil.

No entanto, Roberto Tadeu Antunes Fernandes, da CVM, enfatiza que a divulgação do Novo Relatório de Auditoria deverá ser iniciada dentro do prazo, nos balanços de 31 de dezembro de 2016.

Reino Unido: centro dos debates sobre padrões Contábeis e de Auditoria
No final de setembro, Londres foi a sede do World Standard-setters Meeting (WSS). Desde 2002, o International Accounting Standards Board (IASB) tem organizado esse evento anual para discutir padrões internacionais e a atuação dos organismos normatizadores, responsáveis por emitirem regras contábeis em suas jurisdições ao redor do mundo. O objetivo do encontro é dividir experiências no processo de convergência ao IFRS (International Financial Reporting Standards).

Na agenda do IASB, entre 2017 e 2021, está a revisão do “The Conceptual Framework” ou IFRS Framework, que é a base de princípios dos demonstrativos financeiros - neste caso não se tratam das normas em si, mas sim, um guia conceitual do objetivo dos demonstrativos financeiros e as definições dos elementos, por exemplo, ativos, passivos, lucro, despesas, entre outros tantos. Outro pilar será o aperfeiçoamento da comunicação ao mercado. “Focaremos nossos esforços para aumentar a efetividade da comunicação dos relatórios financeiros aos investidores. O objetivo aumentar o grau de disclosure”, disse Hans Hoogervorst, chairman do IASB. Nesse sentido, a entidade trabalha na atualização do formato do documento, na maneira com que os dados serão agrupados e apresentados. 

Segundo Hoogervorst, há três novas normas contábeis que deverão entrar em vigor em 2018: IFR 9, IFRS 15 e IFRS 16. Elas haviam sido publicadas em 2014. A IFRS 9 foi discutida ao longo de seis anos até ser aprovada e traz um novo modelo para se fazer as previsões sobre perdas com empréstimos ou outros instrumentos financeiros, alterando os provisionamentos. A IFRS 15 aborda as receitas dos contratos com clientes e a IFRS16 aborda os contratos de leasing. 

A capital britânica também acolheu em setembro o International Forum of Accounting Standard Setters (IFASS), uma rede informal de emissores de normas contábeis de todo o mundo, além de outras organizações que possuem um grande envolvimento com o tema. 

Background
O IFRS foi desenvolvido em meio à intensificação do movimento de globalização de companhias e investidores. Nos anos 2000, os agentes econômicos ainda estavam indecisos entre a adesão ao US Gaap - padrão de contabilidade americano baseado em regras - e aos padrões internacionais IFRS, fundamentado em princípios. Naquele momento, diversos agentes defendiam o modelo US Gaap em função do peso da economia e do mercado de capitais dos Estados Unidos. No entanto, essa supremacia americana foi abalada por uma série de escândalos, entre eles, as fraudes contábeis cometidas pela gigante de energia Enron - que também arrastou ao buraco a firma de auditoria Arthur Andersen, e ainda o caso da provedora de telefonia WorldCom, que havia inflado balanços e após a descoberta das práticas ilegais, teve falência decretada.

International Accounting Standards Committee (IASC), em atividades desde 1973, evoluiu em 2001 para International Accounting Standards Board (IASB). O órgão de padronização contábil internacional do setor privado, ao longo dos anos, ganhou força com apoio crescente das entidades contábeis, órgãos de normalização e reguladores dos principais mercados de capitais, além dos preparadores e usuários de demonstrações contábeis ao redor do mundo. A Europa, a partir do Reino Unido, começou a se mobilizar para adotar um padrão único de contabilidade nessa época e, com os escândalos eclodindo no mercado americano, havia uma percepção de desconfiança em relação ao US Gaap. A Europa acelerou os estudos para facilitar a implementação do IFRS, definindo que as empresas não precisariam alterar seus livros contábeis ou fiscais, sendo os padrões aplicáveis somente nas demonstrações financeiras consolidadas. A adoção dessa padronização internacional ganhou impulso.

No Brasil, a lei 11.638, sancionada pelo governo federal no final de 2007, alterou a Lei das Sociedades por Ações de 1976. Com a medida, todas as empresas brasileiras de capital aberto passaram a apresentar seus demonstrativos financeiros segundo o IFRS. 

Segundo pesquisa realizada pela IFRS Foundation, atualmente, de um total de 48 mil companhias domésticas listadas nas 85 maiores bolsas do mundo, mais de 25 mil empresas usam o IFRS, padrão contábil internacional. Dentre as companhias que não usam IFRS, 80% estão na China, Índia, Japão e Canadá.


Continua...