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Educação Financeira

O CAMINHO PARA A RIQUEZA

É impressionante o sucesso das pessoas que ensinam outros a ficarem ricos; são cursos, perfis nas redes sociais, vídeos, blogs e tudo o que puder engajar público interessado em comprar a fórmula da riqueza. Mas será que esses gurus da autoajuda financeira realmente contribuem para que as pessoas enriqueçam?

Certamente uma parte importante desses gurus já ficou muito rica ensinando outras pessoas a ficarem ricas. E seu sucesso não para de atrair outros candidatos a gurus a tentarem também ficar ricos criando sua própria fórmula mágica de transformar simples mortais em cidadãos abastados.

Mas porque os gurus da autoajuda financeira têm sucesso? Parece simples: porque muitas pessoas querem ficar ricas. Um princípio básico da economia é que sem demanda a oferta some, portanto, existe uma elevada demanda de pessoas querendo ficar ricas.

Se queremos ficar ricos, é preciso saber: o que é ser rico? E por que queremos ficar ricos?

A fórmula mais simples para definir o que é ser rico é utilizar da estatística. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, para estar entre os 10% mais ricos do Brasil, é preciso ganhar mensalmente R$ 5.245, para estar entre os 5% mais ricos, o rendimento necessário é de R$ 9.928 e para chegar ao topo, o 1% mais rico do Brasil, é preciso ganhar R$ 27.744.

Já temos números, mas será que eles dizem muito sobre riqueza? Que tal perguntar a uma pessoa que ganha R$ 5 mil mensais se ela é rica? Mesmo no topo da pirâmide, naquele 1% mais abastado, podemos encontrar pessoas que não se consideram ricas, porque a riqueza costuma ser medida por comparação. É possível que elas olhem para a lista dos bilionários da Forbes e se achem pobres.

Não é assim tão fácil definir o que é ser rico, portanto, podemos continuar ensinando ricos a se tornarem ainda mais ricos.

E a segunda pergunta, por que desejamos ser ricos? Pessoas normais desejam ser ricas porque associam riqueza a felicidade. Queremos ser ricos para sermos mais felizes, pois a felicidade costuma ser o objetivo primordial de pessoas saudáveis.

Então, será que dinheiro traz felicidade? Será que as pessoas têm razão em buscar a riqueza como um caminho seguro para a felicidade?

Inúmeros estudos demonstram que sim, dinheiro ajuda na avaliação de satisfação com a vida. Porém, existe um paradoxo, a elevação da renda e, por conseguinte do PIB, objetivo maior da política econômica, apresenta uma baixa correlação entre renda e satisfação com a vida. Ou seja, a riqueza não é uma autoestrada para a felicidade, é no máximo uma trilha.

Um trabalho recente, intitulado Happiness, income satiation and turning points around the world, de Andrew T. Jebb e Louis Tay, baseou-se em dados de 1,7 milhão de indivíduos de 164 países apurados pelo Gallup World Poll, estimou que US$ 95 mil é o limite para avaliação da vida dos indivíduos e US$ 60 mil é o limite para o bem-estar emocional. Ou seja, depois desses limites nem o bem estar emocional nem a avaliação da vida melhoram.

Estes dois aspectos distintos, bem-estar emocional e avaliação da vida, foram propostos inicialmente por Daniel Kahneman e Angus Deaton. O bem-estar emocional refere-se à qualidade emocional da experiência cotidiana de um indivíduo – a frequência e a intensidade de experiências de alegria, estresse, tristeza, raiva e afeto que tornam a vida agradável ou desagradável. Avaliação da vida refere-se aos pensamentos que as pessoas têm sobre sua vida quando refletem sobre isso. Para Kahneman e Deaton, o dinheiro pode melhorar a avaliação da vida (o limite estimado é de US$ 75 mil), mas não o bem-estar emocional.

Considerando essas duas pesquisas, até chegar ao 1% mais rico, o brasileiro ainda pode aspirar ganhar felicidade com o aumento da renda.

Marcelo Neri, pesquisador da FGV e Ph.D. em Economia pela Universidade de Princeton, publicou recentemente o trabalho “Como Vai a Vida? Entendendo a Economia da Felicidade”, em que demonstra que o brasileiro sofreu uma forte queda da felicidade percebida após a crise de 2014. Somente Malawi e Zimbawe tiveram perda de felicidade pior que a brasileira no período.

Nas pesquisas de 2013-14, o Brasil, segundo dados do Instituto Gallup, ocupava a 17ª posição no ranking global. Em 2017-18 o Brasil caiu para a 37ª posição da lista de 143 países Os campeões em satisfação com a vida são Finlândia, Dinamarca e Noruega, ricos e igualitários, e os menos afortunados são Tanzânia, Yemen e Afeganistão, países pobres e instáveis.

Numa escala de 0 a 10, o brasileiro deu uma nota de 7,2 à sua satisfação com a vida na pesquisa de 2013-14, e esse valor caiu para 6,2 na pesquisa de 2018. Diante dos dados, vemos que os 20% mais pobres atribuíam 6,1 para sua felicidade em 2013 e 5,6 em 2018; a avaliação dos que estão entre os 20 e 40% caiu de 7,1 para 5,9; entre 40 e 60% caiu de 7,3 para 6,3; entre 60 e 80% caiu de 7,4 para 6,3; e a nota dos 20% mais ricos foi de 7,5 para 7. Assim vemos que a crise econômica impactou mais o miolo da pirâmide que as extremidades.

Olhando os dados de 2018, descobrimos que as mulheres são mais felizes com a vida que os homens (6,2 e 6,1, respectivamente). Quem mora em pequenas cidades é mais feliz que aqueles que moram em grandes cidades (6,3 e 6,2). Contrariando o senso comum, os casados são mais felizes que os não casados (6,3 e 6,1). O interessante é ver o impacto de concluir o ensino fundamental: 5,7 para quem não conclui e 6,5 para quem concluiu.

Analisando os dados das pesquisas internacionais e nacionais, fica claro que a busca por riqueza e, por conseguinte, pela felicidade ainda é um ato racional aos brasileiros. Uma das questões nas pesquisas do Galup é a felicidade para daqui a cinco anos, somos campões mundiais invictos nesse quesito. Mesmo com toda a crise que atravessamos, segundo pesquisa recente do YouGov, 76% dos brasileiros se consideram otimistas, percentual bem superior à média global, de 56%.

Portanto, os novos candidatos a gurus financeiros podem continuar otimistas, talvez, muito além da média da população brasileira: o campo para a autoajuda financeira é imenso no Brasil. Mas os clientes dos gurus, qual suas chances de enriquecerem de fato?

O primeiro passo para ficar rico é definir claramente o que é ser rico. É estranho, mas a maior parte das pessoas que diz querer enriquecer não tem clareza do que está almejando, é como uma pessoa que sai para viajar sem um destino claro.

Sugiro, antes de iniciar a viagem rumo à estação riqueza, que cada um saiba claramente onde está a sua estação. Devemos evitar avaliar nossa riqueza pelo efeito comparação – por esse critério, em 2019, somente Jeff Bezos foi rico de fato. Se avaliarmos nossa riqueza apenas pelo efeito comparação, a trilha para a riqueza pode nos levar à constante angústia, e consequente infelicidade, pelas metas não alcançadas.

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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