Ponto de Vista

A BOLSA E OS INVESTIDORES ESTRANGEIROS

Se olharmos o passado, principalmente a partir do ano 2000, as inversões estrangeiras vêm tendo papel dinâmico na nossa economia, constatado pela intensidade do fluxo de capitais.

Independentemente dos chamados investimentos diretos, canalizados para diferentes setores da economia, quer para indústria, serviços financeiros e agronegócio, os estrangeiros tem participado ativamente no mercado de capitais, não só no chamado mercado secundário, isto é aplicações através da B3 (Bolsa de Valores) como também, no mercado primário, ou seja, em novas emissões, conhecidas no mercado como IPOs (Initial Public Offerings), ou nos chamados block trades, que são colocações de blocos de ações já emitidas, cujos seus detentores, por diferentes razões, vendem em bloco no mercado. Também tiveram destaque nos mercados financeiros como fortes aplicadores atraídos pelas altas taxas de juros aqui então praticadas no passado.

Nos anos em que tivemos grande volume de emissões primárias (entre 2005 e 2008), antes da crise com a quebra da Lehman Brothers, os investidores estrangeiros abocanharam em média cerca de 60% das novas emissões. Nas transações em Bolsa tiveram atuação importante e foram vistos como definidores de tendência.

Havia expectativa que em 2019/2020, com o novo governo e uma equipe econômica reformista, claramente definida “pro mercado”, que os estrangeiros viessem a ter novamente presença importante no mercado de ações. A reforma da previdência, de longa data demandada, a queda da inflação e consequente diminuição dos juros, a economia dando sinais de recuperação (mesmo que em ritmo ainda lento), novas medidas econômico-financeiras já em fase de ingressar no Congresso, e a dívida interna estabilizada em função da queda de juros, compunham um cenário de mudanças positivas.

No entanto, o investidor estrangeiro em Bolsa ainda nos olha com certa suspeição e desconfiança. Diferentemente, o investidor estrangeiro direto (FDI) não vem refletindo esse comportamento, conforme estatística de 2019 (BACEN), que indica fomos o quarto maior beneficiário de investimentos estrangeiros:

  • EUA - US$ 251 bi
  • China - US$ 140 bi
  • Cingapura - US$ 110 bi
  • Brasil - US$ 75 bi
  • Reino Unido - US$ 61 bi
  • Hong Kong - US$ 55 bi
  • França - US$ 52 bi

Quanto as aplicações em títulos de dívida, seja pública ou privada, ou mesmo naqueles fundos que ofereciam taxas indexadas ao CDI, era previsível que houvesse uma queda de ingressos, pois nosso país deixou de ser o ‘nirvana’ em que os investidores se beneficiaram durante muitos anos de taxas de juros altamente positivas. Essa fase estando superada, seria admissível que eles deixassem de aplicar no país.

O mesmo aconteceu com investidores locais, que como expliquei em artigo publicado pela Revista RI, vem buscando alternativas no mercado de ações ou em outros instrumentos financeiros que possam garantir um rendimento positivo.

No entanto, esse comportamento não está sendo seguido pelos estrangeiros, que repatriaram R$ 44,5 bi da bolsa brasileira em 2019. Em 2020, até 29 de janeiro, saíram R$ 16,1 bi.

Que razões explicariam esse tipo de comportamento?
Buscando entender o motivo desse cenário, alinhei algumas das possíveis razões para esse comportamento dos ‘gringos’.

1) As ações brasileiras não estariam baratas. Muito embora, em termos referenciais aos mercados desenvolvidos, o “preço/lucro” das ações brasileiras que compõem o Ibovespa seja inferior ao dos países desenvolvidos, se compararmos a quocientes do passado estaria elevado. No entanto, para todos os que investem com visão de médio e longo prazos, admitindo que a economia brasileira continuará lenta e gradualmente melhorando, os preços não parecem absurdos numa análise criteriosa, e não superiores aos do México, por exemplo. Analistas internacionais vêm alertando há algum tempo que podemos estar no fim de um processo de alta nas bolsas mundiais, o que afetaria o fluxo de capitais para países em desenvolvimento. Há controvérsias a esse respeito, pois os mercados têm demonstrado maior resiliência às crises vividas e alguns falam no que chamam o “novo normal”.

2) A venda em bloco de ações, seja de empresas públicas ou privadas, estaria indicando desconfiança na manutenção dos atuais preços em bolsa. Lembro que muitas dessas ações estiveram em suas carteiras por vários anos e não foram ao mercado por falta de qualquer possibilidade; surgindo a oportunidade de dar liquidez, não as deixaram passar. Assim, a colocação não é indicativa de uma desconfiança no mercado, e sim de uma oportunidade de reequilibrar carteiras e dar liquidez a parte de seu portfólio.

3) Dúvidas sobre o crescimento do nosso PIB e uma imagem negativa do Brasil não ajudam. Há que reconhecer essa realidade, mas a ênfase está em que alguns desses problemas não são novos e fatos recentes indicam que alguns segmentos do governo estão conscientes da necessidade de alterar essa imagem. Como exemplo, em 21/1 o presidente Jair Bolsonaro propôs a criação do Conselho da Amazônia e indicou o vice-presidente Hamilton Mourão para sua coordenação, bem como a criação da Força Nacional Ambiental, que preencherá importante espaço para equacionar a questão climática. Os dois aspectos transmitem iniciativa positiva com a indicação sobre mudança de sensibilidade em relação à Amazônia, que é uma questão crucial para nossa imagem.É certo que cada vez mais os investidores externos não olharão exclusivamente para o desempenho da economia brasileira, mas também para temas gerais, como a questão climática, nossa política de segurança interna e melhor educação. Isso ficou muito claro na 20.ª reunião anual do Fórum Econômico Mundial, realizada em Davos em janeiro. Quanto ao crescimento do PIB, se 2,2% projetados para 2020 pelo FMI não são o número dos nossos sonhos, confirmam uma tendência positiva e mostram que estamos progredindo e nos diferenciando dos diversos países da América Latina.

4) Paixão asiática – os olhares dos investidores estariam direcionados principalmente para os países asiáticos, que na opinião de muitos investidores continuarão, em média, mantendo o crescimento com maior velocidade que países em desenvolvimento, como em nossa região. O surto do corona vírus deve ter efeito negativo no desempenho dos países asiáticos e suas consequências, particularmente sobre a China, ainda não são mensuradas. Portanto, essa paixão está sub judice.

5) Tensão social – alguns investidores de mercado pesam, em sua decisão de aplicar em bolsa, o temor de que se reproduzam no País manifestações sociais como as vistas no Chile, na Colômbia e no Equador. Isso sem falar nos resultados da eleição presidencial na Argentina. Considerando a situação diferenciada do nosso país, ainda assim líderes políticos do passado vêm estimulando reações populares contra o governo, quer por questões ideológicas ou por demora nos resultados de política econômica, que causam insegurança aos investidores de curto prazo.

Temos plena consciência desse risco potencial, mas devemos reconhecer que o Congresso, no seu ritmo, vem trabalhando para mitigar as distorções que nos acompanham há muitos anos.

A questão do emprego é complexa, dadas as sensíveis mudanças no mercado de trabalho, pela necessidade de reciclar nossa mão de obra para atender à demandas de emprego impostas pelas novas tecnologias.

Não quero, aqui, deixar um quadro róseo, como se tudo estivesse sob controle, mas não consigo olhar o Brasil com pessimismo nos anos vindouros, considerando os obstáculos que temos pela frente. Na minha visão, o quadro externo é certamente uma variável adicional, que não nos ajuda.

Assim, os investidores nacionais ou estrangeiros não devem deixar de lado a prudência, diversificando suas aplicações e avaliando claramente os riscos, considerando sempre não abrir mão de eventuais necessidades futuras de liquidez ao definirem sua política de investimento. Porém continuo vendo o Brasil como uma boa alternativa.

Roberto Teixeira da Costa
é economista, e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do Conselho Empresarial da América Latina. Recentemente publicou o livro “Valeu a pena: passado, presente e futuro do Mercado de Capitais.
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...