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FUNDO DE RENDA FIXA COM RENTABILIDADE NEGATIVA?

A intuição dos investidores brasileiros, de uma maneira geral, está acostumada a lidar com perdas em fundos de ações, fundos cambiais e fundos de derivativos, pois a carteira destes fundos é formada por ativos de maior risco, que possuem seus preços cotados diariamente no mercado, expostos à volatilidade gerada pelas expectativas dos investidores em relação aos resultados esperados por estes ativos. No entanto, quando se trata de compreender e aceitar a volatilidade nos fundos de renda fixa, o raciocínio já não é tão intuitivo assim, com muitos investidores tendo dificuldade de compreender rentabilidades negativas em fundos que se denominam “renda fixa”.

No último mês de setembro, os investidores mais conservadores que mantém suas carteiras longe da volatilidade do mercado de ações e dos fundos multimercados estão sendo surpreendidos com rentabilidades negativas em muitos fundos de renda fixa, incluindo aí os “conservadoríssimos” fundos DI, que possuem grande participação das Letras Financeiras do Tesouro (LFTs), remuneradas pela Selic, em suas carteiras.

Desde maio de 2002, quando a maior parte dos fundos DI estava com cotas precificadas pela curva de juros, acima do preço efetivamente negociado no mercado e o Banco Central impôs que todos os títulos passassem a serem “marcados a mercado”, os investidores não assistiam um movimento de precificação tão forte nos papéis mais tradicionais e conservadores da praça, que são justamente recomendados para compor reservas de liquidez, por possuírem baixa volatilidade e não gerar rentabilidade negativa.

A perplexidade dos investidores é absolutamente compreensível, pois alguns destes fundos sempre justificaram sua baixa rentabilidade em troca de baixa volatilidade, respeitando a teoria de que a rentabilidade é proporcional ao risco envolvido, quanto maior a expectativa de rentabilidade, maiores os riscos envolvidos.

A rentabilidade negativa gerada por estes fundos é explicada tecnicamente pelo movimento de mercado, reprecificando os títulos públicos que compõem a carteira destes fundos, tais como as Letras Financeiras do Tesouro (LFT), indexadas à taxa Selic, as Notas do Tesouro Nacional (NTN-B), indexadas ao IPCA, e as Letras Tesouro Nacional (LTN), com juros pré-fixados. Os investidores vêm exigindo taxas de juros maiores para comprar estes títulos, face às incertezas associadas aos riscos inflacionários e às questões fiscais.

As explicações dos gestores de fundos de renda fixa estão longe de serem de fácil compreensão, chegando ao limite de serem contra-intuitivas: “as taxas de juros subiram e seu fundo de renda fixa teve rentabilidade negativa”.

Tentando dissecar o assunto “marcação a mercado”, mas respeitando sua complexidade, podemos dizer que assim como o mercado de ações, o mercado cambial e o mercado de derivativos, todos os títulos de renda fixa e, em especial, os títulos públicos federais, possuem um forte mercado secundário, com ampla liquidez diária, ou seja, diariamente as tesourarias das instituições financeiras, os fundos de investimentos, os fundos de pensão, os grandes investidores e até os pequenos investidores (Tesouro Direto) atuam comprando e vendendo LFTs, NTN-Bs e LTNs, e também os títulos privados (Debêntures, CRIs, CRAs, etc) pelo preço do dia.

O preço do dia de um título de renda fixa público ou privado flutua de acordo com as expectativas dos investidores em relação a vários fatores, com destaque para as expectativas referente à inflação e ao risco fiscal para os títulos públicos, e ao risco de crédito para os títulos privados, com os investidores exigindo taxa de juros maiores ou menores em função das expectativas relacionadas aos riscos futuros.

Por outro lado, os fundos de investimentos são obrigados a precificar todos os títulos diariamente pelo seu valor de mercado, capturando as variações diárias dos preços destes ativos.

Exemplificando numericamente: supondo que um fundo de investimento possua um único título público em carteira com resgate daqui a 5 anos por R$ 1.000,00 e que está sendo negociado no mercado com juros de 4% ao ano. Com o valor presente do título a taxa de 4% ao ano, ele estará registrado na carteira do fundo por R$ 821,93.

Continuando, supondo que no momento seguinte foi divulgado um relatório elevando às expectativas de inflação, tornando os investidores pessimistas e elevando para 4,5% ao ano a taxa de mercado para este título, o novo preço ficará em R$ 802,45. Assim, o fundo sofreu uma perda de 2,37% no período.

Para concluir o exemplo, o movimento contrário, ou seja, uma queda na taxa de juros de mercado para este título, para 3,5% ao ano, por exemplo, faria o título ficar cotado a R$ 841,97, representando uma valorização de 2,44%.

Em síntese, quando ocorre um movimento de alta nas taxas de juros de mercado, ocorre uma queda no preço dos títulos de renda fixa; quando ocorre uma queda nas taxas de juros de mercado, ocorre uma valorização no preço dos títulos, ou seja, renda fixa possui volatilidade.

No tocante às perdas ocorridas no mês setembro, especificamente em relação aos fundos DI, elas podem ser explicadas por um forte volume de resgate que estes fundos estão sofrendo, com o investidor buscando ativos mais rentáveis. Assim, os gestores são obrigados a vender expressivo volume de LFTs, títulos que possuem uma grande participação nestas carteiras, que combinado com o risco inflacionário e fiscal, forçam os preços para baixo, ou seja, a aversão ao risco está afetando os fundos DI, os mais conservadores do mercado.

Cabe ao investidor observar os movimentos de mercado, evitando resgates precipitados, pois a ação conjunta entre Banco Central (BC) e Tesouro, com uma oferta mais casada com a demanda do mercado em termos de taxas e prazos nos títulos pós-fixados (Letras Financeiras do Tesouro ou Tesouro Selic), bem como um limite para a rolagem para as operações compromissadas deve resultar na melhora deste quadro em relação aos fundos DI. Além disso, o mercado continua monitorando o comportamento da inflação e das questões fiscais.

Marco Antônio dos Santos Martins
é Professor do DCCA da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS, Doutor em Administração, com ênfase em Finanças e Mestre em Economia pela UFRGS.
mmartins@jminvest.com


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