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CLASS ACTIONS NO MERCADO DE CAPITAIS: MAIS PROBLEMA QUE SOLUÇÃO?

A class action é uma espécie de ação coletiva prevista no Direito dos Estados Unidos que permite a um grupo de pessoas prejudicadas pelo mesmo fato – e que, portanto, possuem um interesse em comum – pleitear uma indenização pelos prejuízos sofridos. São processos milionários geralmente patrocinados por grandes escritórios de advocacia especializados nesse tipo de ação.

Nos EUA, ao menos sete companhias brasileiras já foram alvo de class actions que buscaram reparações por alegadas falhas de informações. No Brasil, cinco grandes empresas, que representam 20% do índice Bovespa, estão com procedimentos abertos por investidores na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) da B3. Eles buscam responsabilizar diretamente as companhias por atos ilícitos supostamente praticados por seus administradores. E já existem pressões para adoção das class actions no país.O problema é que trata-se de um mecanismo imperfeito e injusto de reparação. Em princípio, é um sistema que não estabelece limites para ressarcimento, o que significa que a companhia demandada corre o risco de simplesmente falir por força desses procedimentos bilionários.

De um lado, há os beneficiados: eles costumam pertencer a um pequeno grupo de acionistas que, geralmente, alegam ter ou adquirido as ações sobrevalorizadas ou as alienado a valores depreciados em razão de falhas informacionais da companhia. Do outro lado, os prejudicados são todos os outros acionistas que vão pagar a indenização a esses reclamantes pela consequente redução do patrimônio da empresa e depreciação do valor de seus investimentos. Além disso, a maior fatia do pagamento ficará com os advogados dos demandantes, como decorrência dos vultosos honorários cobrados para representá-los nos litígios.

Toda cautela é pouca ao avaliar a aplicação deste mecanismo ao mercado de capitais criado a partir de uma decisão da Suprema Corte nos Estados Unidos, em 1966. Ao longo desses 54 anos, já é possível ponderar os pontos positivos e negativos das class actions, assim como questionar por que o sistema não foi adotado em outra jurisdição tão importante e madura, como a União Europeia.

Existe ainda uma peculiaridade no histórico americano de litígios de investidores contra as companhias, a Fraud-On-The-Market Theory, que sustenta a presunção de que uma informação mal divulgada gera disfunção na formação do preço das ações negociadas no mercado de capitais, de forma que, necessariamente, os acionistas que adquiriram ações da companhia no período em que as informações foram publicadas seriam prejudicados. Seu principal contraponto está relacionado ao efeito de pocket-shifting, pelo qual os acionistas que remanescerem na composição societária da companhia, ao assumirem os custos da demanda de reparação, irão transferir parte de seu patrimônio para compensar a perda dos investidores que a propuseram, além de experimentarem a deterioração de valor da companhia decorrente dos custos elevados das class actions e da repercussão negativa associada ao litígio.

As discussões sobre as class actions ganharam força no início dessa década com os desdobramentos da Operação Lava Jato. O que veio ao conhecimento público provocou reflexões sobre as responsabilidades societárias não apenas por parte dos administradores e controladores, mas também pela própria companhia, principalmente sobre divulgação de informações relevantes, que pautam as decisões de investimento.

A experiência mostra que poucas empresas deixam o caso chegar ao juízo final, preferindo celebrar acordos para encerrar as ações, como ocorreram com empresas brasileiras alvo desses questionamentos nos EUA.

Atualmente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) desempenha um papel importante nas disputas entre acionistas. A autarquia possui competência para analisar questões de direito societário e autoridade para iniciar processos administrativos e impor sanções contra infratores da lei societária (Lei 6.404/1976), da lei de mercado de capitais (Lei 6.385/1976) e de suas regulamentações. Contudo, ela não tem competência para determinar o pagamento de indenização aos investidores que foram supostamente lesados. Apenas quando o participante do mercado que está sendo demandado decide propor termo de compromisso com fins de encerrar a investigação, a CVM tem a discricionariedade para, caso sejam identificados investidores prejudicados, destinar valores aos lesados como forma de indenização frente ao termo, apesar dos investidores não terem qualquer interferência na sua negociação.

Ainda assim, existem, na legislação brasileira, diferentes mecanismos judiciais de resolução de conflitos que permitem ao investidor buscar reparação por danos sofridos. A regra geral estabelece que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo (artigo 927 do Código Civil Brasileiro). A Lei das S.A. também permite que companhias ajuízem ações contra seus administradores e que investidores ajuízem ações individuais e derivadas contra administradores e acionistas controladores. Além disso, a Lei 7.913/1989 e a Lei 7.347/1985 disciplinam as ações civis públicas.

No entanto, a maior parte dos problemas entre empresas e acionistas é solucionada no mercado brasileiro por arbitragem. É um método extrajudicial de resolução de conflitos que ocorre mediante a outorga de competência, pela vontade das partes, a um terceiro que resolverá, definitivamente, o litígio que lhe foi submetido, quando este envolver direito patrimonial disponível.

Desde 2001, a Lei 6.404/1976 autoriza o estatuto social das companhias a estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, sejam solucionadas mediante arbitragem (artigo 109, § 3º). Em 27 de maio de 2015, foi publicada a Lei 13.129/2015, alterando e complementando a Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), bem como aspectos pontuais da Lei 6.404/1976. Essa lei reforçou o caráter obrigatório das cláusulas arbitrais no estatuto social de companhias abertas.

Na verdade, a arbitragem foi bem recebida no Brasil, onde o Judiciário é usualmente criticado por sua morosidade e falta de conhecimento especializado em direito societário e mercado de valores mobiliários. Hoje, a arbitragem é considerada uma solução eficaz para os conflitos societários, sendo amplamente reconhecida pela literatura especializada como um caso de sucesso.

A arbitragem ocorre em sigilo, sem que as partes possam comentar seu andamento. Mas existe uma recomendação da CVM para que as companhias abertas que enfrentam esses processos informem ao mercado ao menos a existência deles, principalmente se for um litígio que envolva valores relevantes. A autarquia inclusive estuda a criação de uma norma para tornar mandatória essa divulgação.

Em março de 2018, o Ministério da Economia e a CVM formaram um grupo de trabalho (GT) e lançaram um projeto com o intuito de aprimorar a proteção de investidores no mercado de capitais. O objetivo é desenvolver mecanismos sobre tutela privada dos direitos dos acionistas e efetividade da reparação de danos. Em outubro do ano passado, o GT publicou um relatório com sugestões de aperfeiçoamento da tutela privada no Brasil, abordando desde as ações judiciais disponíveis para demandas societárias no Brasil, enfrentando questões sobre legitimidade das partes e incentivos econômicos no caso das ações civis públicas, a até mesmo o uso da arbitragem no mercado de capitais brasileiro e os desafios dela decorrentes, como os custos relacionados e as críticas decorrentes do sigilo dos procedimentos.

O direito norte-americano prevê as class actions como forma de agregar vários interesses de um grupo específico de pessoas e a possibilidade do poder judiciário decidir, de uma só vez, sobre o conflito comum, de forma mais rápida. Ou seja, elas podem reivindicar diversos tipos de direitos que alegam terem sido prejudicados, não se restringindo ao mercado de capitais. Sob a ótica do poder público, essa forma evita que o sistema judiciário do país acumule várias ações semelhantes e de valores pouco significativos.

Outro grande motivo que facilitou a desenvolvimento das class actions nos EUA é o caráter privado de regulação do mercado de capitais que a medida judicial proporciona. Além disso, o mecanismo é coerente com o princípio defendido nos Estados Unidos de utilização de recursos públicos em áreas de extrema necessidade.

O que facilitou também o desenvolvimento deste sistema foi a jurisprudência norte-americana com base na doutrina da “Fraude ao Mercado”. Com base na presunção de dano aos acionistas, uma vez comprovada a deturpação ou omissão de informações pela companhia, a doutrina tem sido um dos principais pilares de argumentação das class actions envolvendo títulos comercializados no mercado financeiro americano e base de muitas ações movidas contra empresas brasileiras.

Ocorre, porém, que as class actions acabaram se tornando um ótimo negócio para parte da advocacia norte-americana. A sistemática permite reunir um grupo de consumidores ou investidores e cobrar os honorários a posteriori sobre o valor obtido num percentual que oscila de 25% a até 40%. Retirada essa parte, o restante é dividido entre os requerentes da ação.

Ou seja, esse tipo de ação propicia o enriquecimento de algumas pessoas, particularmente os advogados. Um exemplo encontrado no noticiário internacional é o caso Bill Lerach, um dos mais influentes advogados americanos, considerado uma espécie de “fábrica” de ações contra grandes empresas dos Estados Unidos. Em 2007, porém, ele foi condenado a dois anos de prisão e ao pagamento de multa de US$ 250 mil. Antes disso, teve de pagar US$ 7,7 milhões ao sistema judicial dos Estados Unidos ao ter sido comprovado que ele pagou para que algumas pessoas figurassem como autores de class actions.

Eduardo Lucano
é presidente Executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
abrasca@abrasca.org.br


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