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Opinião

GÊNERO E CORRUPÇÃO

Nos últimos anos tem havido um esforço concentrado, em diversos países e organizações internacionais, para aumentar a participação das mulheres na vida pública. Os defensores dessas reformas sugerem que as mulheres podem fazer escolhas diferentes dos homens e, de fato, há vários estudos (World Bank, 2001; Engendering Development; World Values Survey; Gender Inequality Índex - PNUD) que demonstram essa proposição.

Dentre as várias justificativas para a participação da mulher na política temos uma afirmação provocativa: as mulheres seriam menos corruptoras do que os homens. Logo, o aumento da presença de mulheres na vida pública contribuiria para a redução dos níveis de corrupção.

Para entender a correlação entre participação feminina e os baixos índices de corrupção na vida pública é necessário considerar três fatores: primeiro, refere-se a própria natureza feminina, as mulheres teriam uma maior preocupação com uma melhor qualidade de vida do que os homens, que seriam mais inclinados a competitividade e de ganhos financeiros; segundo, as mulheres teriam menor propensão a aceitar subornos, portanto a participação feminina reduziria a incidência de subornos, por exemplo, no legislativo; terceiro, ministros e secretários, que compõem o gabinete dos governos estariam mais vulneráveis a aceitar subornos do que as mulheres, hipoteticamente falando.

Na primeira proposição, sobre a natureza feminina, destaca-se o papel das mulheres (àquele da área privada do lar) como uma qualificação positiva para a ocupação da vida pública, há uma feminização do espaço público e uma tentativa de colocar as mulheres como reguladoras da probidade e da integridade na política.

Essa abordagem honesta, do caráter feminino, esclarece as segunda e terceira proposições, uma vez que as mulheres trariam para a política um conjunto diferente de valores e experiências que enriqueceriam a vida política.

Desses argumentos apresentados, decorrem algumas inquietações: primeiro: governos com propensão a práticas corruptas tenderiam a afastar as mulheres da arena pública para manter a estrutura de ganhos ilícitos; segundo, considerando que a arena pública é um local corruptor isso pode resultar no afastamento das mulheres com medo de comprometer-se em “negócios sujos”; e terceiro, refere-se ao estigma que recaí sobre as mulheres como “saneadoras” da vida pública enquanto os homens teriam uma tendência natural à improbidade.

Esta ideia de associar a virtude feminina com incorruptibilidade não é nova, baseia-se na natureza moral “superior” das mulheres e sua propensão a trazer sua boa moralidade para influenciar a vida pública e, principalmente, a condução da política.

Se as mulheres exibem preferências por comportamentos probos na política ou se é um mito, pode estar na justificativa de que mulheres são excluídas de oportunidades o que dificulta a avaliação sobre uma menor propensão às práticas corruptas. Para além, a associação a menor corrupção e participação feminina na arena pública depende de outras questões mais complexas como educação, vida familiar, igualdade e qualidade da democracia, que divergem de um país para outro.

Nos países nórdicos, por exemplo, há evidências de que a participação feminina reduz às práticas de corrupção, porém são democracias estáveis e que orientam-se pela boa governança. No Peru, em 1998, o presidente Fujimori, anunciou que a força policial de trânsito de 2.500 homens em Lima teria a participação feminina dado que as mulheres seriam mais honestas e moralmente confiáveis do que os homens (Goetz, Anne Marie. Political Cleaners: Women as the New Anti-Corruption Force?, 2007). Após uma década desta iniciativa de feminização, uma pesquisa de acompanhamento revelou uma redução dos subornos e pagamentos de propina no trânsito local (Karim, Sabrina. Madame officer, 2011).

Nesta mesma linha, El Salvador, Panamá, Equador e Bolívia incorporaram mulheres em suas divisões de trânsito (Karim, 2011). A ideia de “feminizar” os tomadores de decisão também foi posta em prática em Uganda, onde o presidente Yoweri Museveni atribuiu a maioria dos cargos do tesouro às mulheres (Goetz, 2007).

Verifica-se, pois, que há diversas iniciativas nos países para aumentar da presença de mulheres na política e demais setores, comumente justificado com base na igualdade de gênero e redução da pobreza, podendo haver uma recompensa de eficiência que é a redução da corrupção na arena pública.

Rita de Cássia Biason
é Cientista Política e Professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - UNESP/Franca.
rita.biason@unesp.br


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