Opinião

NAS ENTRELINHAS DAS CONTINGÊNCIAS JURÍDICAS

Apesar da grave crise econômica e social que assola o mundo, o mercado de capitais brasileiro vive um excelente momento com diversas transações em andamento. Destarte, os analistas financeiros têm se debruçado para avaliar diversos aspectos financeiros que impactam a precificação dos papéis ofertados como forma de trazer segurança e transparência aos investidores.

Dentro dos itens avaliados no “book de investimentos” pelas companhias, o tema “Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes” tem trazido grandes desafios para uma maior segurança jurídica ao mercado, conforme objetivo do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 25 descrito a seguir:

“Objetivo desse Pronunciamento Técnico é estabelecer que sejam aplicados critérios de reconhecimento e bases de mensuração apropriada a provisões e a passivos e ativos contingentes e que seja divulgada informação suficiente nas notas explicativas para permitir que os usuários entendam a sua natureza, oportunidade e valor”.

Como se vê do trecho acima, a empresa que anseia por novos recursos financeiros deve disponibilizar informações que, em tese, permitam uma fácil compreensão desses tópicos e viabilizem maior previsibilidade em relação a sua lucratividade.

Todavia, esse tema tem trazido enormes sustos ao mercado, vez que a área responsável pelas relações com o mercado é costumeiramente surpreendida com mudanças abruptas sobre os apontamentos de provisões e contingências, prejudicando, assim, o desempenho do “papel” em face de ruídos não previstos.

Esse mal estar decorre de constantes reclassificações/reversões de provisões e contingentes por falta de profundidade nas análises das demandas administrativas e judiciais contabilizadas nos balanços das corporações. Nem se alegue a instabilidade dos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário como justificativa para tal questão.

Em muitas situações, as empresas são induzidas a erros por conta de má condução de processos tidos como vencedores, sem deixar de mencionar aqueles casos em que, propositalmente, escondem informações relevantes. Inviável tomar decisões de investimentos com base em informações superficiais que mencionam a tese e o valor envolvido.

De tal modo, em algumas situações, as informações relevantes contidas em suas demonstrações financeiras perdem credibilidade e destroem valor da companhia perante mercado. Além disso, as contingências também servem como parâmetros de aderências às boas práticas corporativas.

Com efeito, as análises mais profundas acerca dos litígios administrativos e judiciais resumem, de maneira precisa, o comportamento das empresas perante os “atores sociais”, como por exemplo, a existência de inúmeras demandas ambientais. O mesmo raciocínio é valido para os diversos litígios existentes com acionistas, colaboradores, clientes, fornecedores e governo.

Como forma de ilustrar o pensamento acima, a empresa, com alto índice de condenações por assédio moral na esfera trabalhista, transmite uma reputação negativa de cuidados com os seus colaboradores e, consequentemente, gera um baixo nível de engajamento de seu time com o sucesso corporativo.

Da mesma maneira, o alto grau de litígio com fornecedores e clientes coloca em dúvida a postura ética e transparente da companhia comprometendo relações comerciais saudáveis e perenes.

Dentro desse contexto, a empresa, que alega ser aderente aos princípios ASG, acaba afastando potenciais investidores em virtude do descrédito de suas ações “de dentro para fora”.

Dessa forma, investir tempo numa análise mais profunda sobre o comportamento litigante das investidas mitigará riscos importantes de itens poucos explorados com alto potencial de danos ao capital investido, enxergando, assim, nas entrelinhas das atitudes empresariais.


Roberto Goldstajn
é advogado atuante no segmento jurídico empresarial, com mais de vinte anos de carreira em empresas multinacionais e nacionais de renome. Ampla vivência em projetos de “Compliance”, Governança Corporativa e “Legal” com foco em identificação de oportunidades e mitigação riscos corporativos. Experiência como integrante independente de Conselhos Consultivos de Startups de Tecnologia, Negócios Sociais e Organizações da Sociedade Civil. Atualmente Venture Partner de Riscos e Compliance da X8 Investimentos.
roberto@x8invest.ventures


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