Orquestra Societária

VISÃO DA EMPRESA POR DENTRO E POR FORA: PAUSA PARA REFLEXÃO

É com orgulho que fazemos parte da história de sucesso da Revista RI, considerada a mais longeva publicação do mercado de capitais que, este ano, comemorou 23 anos de edições mensais ininterruptas. A seção “Orquestra Societária” foi lançada há sete anos e meio (março de 2014) nesta prestigiada revista, como resultado da parceria com o publisher e diretor editorial Ronnie Nogueira, amigo de longa data.

Neste momento em que elaboramos estas reflexões, foram publicados 73 artigos e torna-se preciosa uma pausa para refletir sobre as contribuições desta seção aos leitores, considerando temas como ética, propósito, governança corporativa e sustentabilidade, bem como um olhar sobre o futuro, que já se faz presente.

Desde a publicação do primeiro artigo desta seção, foram 448 páginas de contribuições, sendo 67% destinadas a temas relevantes para profissionais de ambientes diversificados: empresas públicas e privadas, organizações não governamentais, os mercados financeiros e de capitais e o ambiente acadêmico. E temos procurado focalizar dois ângulos fundamentais: a visão de quem está dentro de uma organização empresarial e a visão de quem a vê de fora, com base em informações prestadas aos stakeholders e à sociedade, de forma mais ampla.

Destacamos que 24 matérias (33%) tiveram entrevistas com profissionais de alto nível corporativo e acadêmico, como presidentes e diretores de empresas e organizações não governamentais, professores, consultores e outros profissionais relevantes. Dessas entrevistas, duas foram realizadas com regentes, os ilustres maestros João Carlos Martins, da Orquestra Bachiana Filarmônica SESI-SP, e Fabio Mechetti, da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Foram oportunidades ímpares de discutir aspectos das orquestras musicais reais, à luz da Orquestra Societária, nelas inspirada. Uma entrevista também foi realizada com a profissional de mídia Sônia Araripe, editora chefe da Revista Plurale. Participamos, ainda, de uma Mesa Redonda com toda a Diretoria Executiva do Instituto Cultural Filarmônica, entidade responsável pela administração da Orquestra liderada por Fabio Mechetti.

Nossas publicações têm densidade de conteúdo – esta tem sido grande preocupação de nossa parte – e acreditamos ter agradado a muitos leitores, a julgar pelos retornos recebidos. Destacamos ainda que neste ano de 2021, publicamos, além de entrevistas com personalidades relevantes, artigos sobre ESG, desempenho do mercado de capitais, tecnologia, perspectivas do setor de TI, caso Petrobrás e muito mais. E destacamos nossa grande atenção sempre conferida às boas práticas de governança corporativa e de sustentabilidade, tópicos que integram a Orquestra Societária.

Os objetivos estratégicos da seção: Orquestra Societária
Para definirmos a estratégia e os conteúdos dos artigos, foram realizadas diversas reuniões virtuais e algumas presenciais em nossas cidades, Belo Horizonte e São Paulo. Resumimos a seguir os três objetivos estratégicos da seção, que descrevem sua estratégia:

1) Desenvolver temas relacionados à visão das empresas pelo lado de dentro, isto é, sob o prisma de quem governa e gere essas organizações.

2) Desenvolver temas relacionados à visão das empresas pelo lado de fora, especialmente sob o prisma de investidores, analistas, profissionais de investimentos do mercado de capitais e demais stakeholders.

3) Compartilhar nossos insights e opiniões de públicos de alto nível corporativo e acadêmico sobre os temas supracitados, de modo que os leitores desfrutar do conhecimento e da experiência dos entrevistados.

Os 73 artigos antes publicados tiveram, via de regra, um – ou mais de um – dos objetivos acima citados. O foco foi empresas, mas por vezes, contemplamos outros tipos de organizações.

Tentando resumir os objetivos estratégicos da seção em uma expressão singela, diríamos: compartilhar as formas de compreender as empresas através das visões por dentro e por fora, corporativas e acadêmicas. Acreditamos que esta é uma expressão que reflete bem o que temos procurado desenvolver com a Orquestra Societária.

A visão de dentro das organizações empresariais
Foram muitos textos, muitas reflexões e, inclusive, algumas inflexões de ideias, mas destacamos aqui os conceitos de Orquestra Societária – ou Orquestra Corporativa, como por vezes também designamos a primeira – e de Modelo de Gestão Sustentável (MGS). E nos textos produzidos, as duas perspectivas, conceitual e prática, estão interligadas.

O conceito de Orquestra Societária foi proposto já na primeira edição desta seção e evoluiu com o passar do tempo, incorporando práticas corporativas e conceitos da academia. A figura da Orquestra apresentada nesta edição é a versão mais recente e decorre do ambiente criado pela pandemia COVID-19, infelizmente, ainda não controlada, que tem forçado as organizações a atuarem com novos modelos de negócios e práticas de trabalho, aprofundando a transformação digital.

A Orquestra Societária é, fundamentalmente, uma metáfora: a da organização liderada por maestros, em vários níveis, do Conselho de Administração (maestro-mor nas organizações onde tal instância existir) até as supervisões operacionais. Ou seja, de uma rede de maestros. A metáfora da Orquestra agrega, em sua construção, seis elementos fundamentais: 1) modelo de negócio e estratégia; 2) estrutura; 3) processos e tecnologia; 4) projetos; 5) pessoas, reconhecimento e cultura; e, 6) Modelo de Gestão Sustentável (MGS), cujas conexões resultam em uma Sinfonia Corporativa.

A Orquestra Societária é a organização comprometida verdadeiramente, em sua essência, com a ética, seu propósito e as boas práticas de governança corporativa e de sustentabilidade, em completa harmonia com sua estratégia, instrumentalizada pelo Modelo de Gestão Sustentável, gerando a Sinfonia Corporativa.

O Modelo de Gestão Sustentável - MGS é o conjunto de princípios, valores e crenças, que se transpõem em práticas de gestão respeitadas, comunicadas e amplamente aplicadas pelos líderes e gestores na organização, suportadas por diversas ferramentas de apoio à administração, visando a performance sustentável e a satisfação de todos os stakeholders.

Essas práticas têm as funções de direcionar, planejar, conectar, executar, controlar, corrigir, energizar e tornar consistentes com a sustentabilidade as principais dimensões da Arquitetura Organizacional – seu desenho ou projeto –, materializando a estratégia, por fim, em resultados sustentáveis.

As oito funções citadas não são exaustivas, por se tratarem de elementos-chave ao sucesso da Organização, organismo vivo em constante evolução.

O que é a Sinfonia Corporativa? De modo objetivo, são resultados que extrapolam a dimensão econômico-financeira e agregam o valor da sustentabilidade, tão em evidência através das práticas de ESG, exigidas pelos investidores e consumidores, cada vez mais conscientes das responsabilidades das organizações com a sociedade e o meio ambiente.

Se a ideia de uma organização-orquestra é substancialmente intuitiva, os elementos citados – modelo de negócio e estratégia, estrutura e demais – são técnicos e egressos das teorias da administração e das práticas corporativas, estando associados ao conceito de arquitetura organizacional, o desenho ou projeto da organização.

Um exemplo clássico da arquitetura organizacional, na literatura acadêmica, é a Estrela de Galbraith, proposta pelo professor estadunidense Jay R. Galbraith (1939-2014), que identifica, em sua obra integrada por livros e artigos, os elementos estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas. Estes seriam, a seu ver, os cinco descritores da arquitetura de uma organização.

Tomando como referência a contribuição do professor Galbraith, incorporamos o elemento cultura na arquitetura organizacional, que é mais do que uma resultante, podendo também ser diagnosticada e buscada pelos administradores (muitas práticas importantes podem resultar da pergunta: qual cultura queremos criar?). Por essa razão, agregamos a cultura na Orquestra Societária, associada às pessoas e ao seu reconhecimento. E incluímos outros elementos, sempre de modo fundamentado: modelo de negócio (é preciso clareza sobre seus pressupostos, alinhados com a estratégia), tecnologia (reforçando que estamos vivendo uma transformação digital) e projetos (desenham o futuro e, com sua consolidação, tornam-se processos. Os projetos constituem a renovação celular da organização – e a pandemia COVID-19 tem demonstrado como tal renovação é fundamental à sobrevivência).

Ao mesmo tempo, destacamos o elemento mais importante incorporado à Orquestra Societária, o qual temos denominado o sexto elemento: o Modelo de Gestão Sustentável (MGS). Ele conecta os vértices da estrela representada na figura em questão, vitalizando-a. É o fundamento, o coração da arquitetura da Orquestra Societária. A inserção do MGS resultou da pesquisa de dissertação de mestrado desenvolvida por Cida Hess (Um estudo sobre a relevância do Modelo de Gestão à materialização da estratégia em resultados sustentáveis), na qual foi demonstrado que o sexto elemento é fundamental para a orquestração dos demais. Ele é uma espécie de chave de ignição para os demais e está, inclusive, representado ao centro da Orquestra Societária.

E sobre o ponto de vista prático? Brevemente, destacamos a estruturação por nós proposta de um Modelo de Gestão Sustentável (MGS), considerando oito dimensões. As quatro primeiras correspondem às quatro dimensões clássicas do conhecido PDCA: plan (planejar), do (executar), control (controlar) e act (corrigir). Quanto às demais, estas correspondem ao que temos denominado bloco DESC: direcionar (toda a Orquestra Societária), energizar (pessoas), ser sustentável (tornar consistentes com a sustentabilidade os vértices da Orquestra) e conectar (os vértices em questão). As dimensões DESC são uma espécie de envoltória das dimensões PDCA.

Na edição 243 desta Revista RI, apresentamos 20 fundamentos de um MGS de referência, baseados nas dimensões DESC e perpassados pelas dimensões PDCA. Naturalmente, tratam-se de fundamentos de referência, pois cada organização terá o seu MGS adequado. Quantos e quais serão os fundamentos de um MGS no caso de uma organização que se considera? Cada caso concreto é um caso.

Conexão do Modelo de Gestão Sustentável (MGS) com a ética, os propósitos, a governança e a sustentabilidade
Esta é uma conexão forte. A ética, os propósitos, a governança corporativa e a sustentabilidade são regras e preceitos que permeiam todos os vértices da Orquestra Societária. E também estarão presentes nas oito dimensões do Modelo de Gestão Sustentável (MGS). Na apresentação dos 20 fundamentos de um MGS, citados anteriormente, percebe-se como o modelo de gestão pode fundamentar uma Orquestra Societária, de modo que esta fique impregnada com práticas éticas, bons propósitos, suportados por uma boa governança corporativa, com foco na sustentabilidade, que se materializa através da preservação do meio ambiente e da responsabilidade social.

Poderíamos ter tratado o MGS simplesmente como Modelo de Gestão (MG), pois são os modelos de gestão variados que fazem a integração entre o modelo de negócio, a estratégia, a estrutura e todos os demais vértices da Orquestra Societária, mas demos um passo à frente e acrescentamos o termo sustentável. Por quê? Ora, por estarmos perseguindo a sustentabilidade, a longevidade das organizações. O Planeta e a Sociedade têm urgência.

Aproveitamos este ponto para sugerir que outros pesquisadores também investiguem, como o fez Cida Hess, junto a executivos organizacionais: em sua visão, o desenho da organização deve contemplar diretrizes para construir e operar o modelo de negócio, a estratégia, a estrutura e outros elementos congêneres? Se a resposta for positiva, restará identificada a presença de uma espécie de ente especial na arquitetura organizacional: o seu modelo de gestão! Para nós, Modelo de Gestão Sustentável (MGS), se a sustentabilidade for levada em consideração e de forma profissional.

Por fim, lembramos que é importante haver flexibilidade para que os administradores construam suas próprias Orquestras Societárias. Temos reforçado: a quem administra, cabe modelar a organização, representando-a consoante o formato que julgar mais adequado, enfatizando as dimensões e as variáveis mais importantes para cada caso concreto. O caso concreto é fundamental. Inclusive quando consideramos as pequenas organizações da economia, as pequenas firmas.

A Orquestra Societária e as corporações
A estruturação de uma verdadeira Orquestra Societária é fundamental para as corporações, conglomerados de empresas de grande porte, com conselhos de administração, diretorias e vários negócios abrigados sob uma holding.

Quando se faz planejamento e gestão da estratégia, trabalha-se comumente com os vários negócios organizacionais. Ora, tais negócios estarão abrigados em empresas. Cada empresa pode ser tratada como uma Orquestra Societária per se. Assim, as corporações serão redes de Orquestras Societárias, cuja Orquestra principal é a holding.

O contexto parece ser complexo nas grandes empresas, mas lembremo-nos de que cada empresa de um grupo empresarial terá seus elementos representados em sua própria Orquestra Societária, proposta neste artigo. Para cada empresa, independentemente dos negócios nela abrigados, será possível descrever seu modelo de negócio e estratégia, estrutura, processos e os demais vértices da citada figura, conectados e potencializados pelo modelo de gestão.

Trata-se de mais trabalho para as organizações, já assoberbadas com tantas demandas e responsabilidades? A nosso ver, não muito mais além do que elas já fazem, pois várias já elaboram de forma estruturada descrições e mapeamentos de seus modelos de negócios, estratégias, estruturas, processos e muito mais.

Adicionalmente, acreditamos que não faltarão profissionais de alto nível, capazes de descrever os fundamentos dos vários modelos de gestão existentes dentro de um grupo empresarial de grande porte. E se tal redação for competente, considerável será a chance de que estes MG´s sejam efetivos Modelos de Gestão Sustentáveis (MGS´s).

A Orquestra Societária e as pequenas firmas
Para as pequenas e médias empresas, as Orquestras Societárias podem ser simplificadas. Conforme afirmamos anteriormente, cada caso é um caso. Se para grandes empresas pode-se ter uma rede de Orquestras Societárias, para as empresas de menor porte, pode-se simplificar a metáfora, de modo a representar apenas as dimensões mais relevantes para quem administra.

Concordemos: para uma pequena firma, pode ser relevante representar apenas a estratégia, os processos e as pessoas. Nestes casos, estaremos tratando de uma pequena Orquestra Societária ou Orquestra Corporativa (e mesmo a designação pode ser ajustada; por exemplo: para Orquestra Empresarial).

Adicionalmente, se quem administra uma pequena empresa redigir de modo satisfatório os fundamentos do modelo de gestão vigente, melhorando-o, muito provavelmente obterá um Modelo de Gestão Sustentável (MGS), aplicado a um contexto menos complexo.

A visão de fora das organizações empresariais
Inicialmente, consideramos a hipótese de criar uma versão da Orquestra Societária como ferramenta à disposição de investidores, analistas e profissionais de investimento do mercado de capitais. Entretanto, optamos pela representação a seguir, onde estão lançados os principais descritores do que temos chamado de ativo empresa:

Em nosso artigo da edição 244 – Do Modelo de Gestão Sustentável à qualidade do ativo empresa (set/2020), discorremos sobre os oito descritores representados na figura anterior, relacionando seus links com os cinco primeiros elementos da Orquestra Societária, exceto o Modelo de Gestão Sustentável – MGS.

A figura anterior sintetiza a visão dos públicos externos supracitados e para representá-la, conversamos como diversos investidores e profissionais do mercado de capitais, recorrendo, ainda, à literatura sobre valuation ou avaliação econômica de empresas.
No artigo supracitado, consideramos que o MGS é algo interno, sob responsabilidade de quem administra a organização. E consideramos que, mesmo assim, ele está fortemente refletido nas análises da qualidade do ativo empresa pelos agentes do mercado.

Ressaltamos, como fizemos no artigo em questão, a importância de que investidores, analistas e profissionais de investimentos façam boas perguntas sobre os descritores em questão. A qualidade das perguntas é fundamental para que se possam avaliar a qualidade do ativo empresa.

ESG: o futuro das organizações já é hoje!
Em nossa opinião, a tendência é sempre de evolução, mesmo que de forma desigual para as várias organizações que integram a economia.

Para uma parte das organizações, ESG deixou de ser apenas uma questão de exposição externa, para ser efetivamente praticado, em várias frentes. Para outras, houve avanços, mas ainda há um caminho a trilhar. E para as demais, o esforço ainda será substancial. E não se pode deixar de levar em conta os diferentes modos de pensar dos líderes organizacionais, o tamanho e os recursos disponíveis nas organizações. A assimetria de evolução é inevitável.

Lembramos, porém, que existem alguns vetores que impulsionam as organizações empresariais no sentido da evolução favorável ao Planeta e à Sociedade, com destaque para as exigências de investidores e consumidores, cada vez mais conscientes da importância das práticas de ESG pelas empresas. Lembrando que as demais organizações da economia são impactadas por tal movimento – no fundo, em prol da humanidade.

Finalizamos agradecendo aos nossos leitores pelas valiosas contribuições recebidas ao longo deste percurso de 74 edições, alcançadas com a publicação deste artigo, que muito nos ajudaram a clarificar ideias, elaborar e rever pontos de vista. E para não perdermos o costume, convidamos todos a continuar contribuindo com suas opiniões, com a certeza de que estas serão consideradas com elevada atenção.


Cida Hess
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP, doutoranda pela UNIP/SP em Engenharia de Produção - e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com

Mônica Brandão
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com


Continua...