Agenda ESG

AS CONTRADIÇÕES DA INCLUSÃO DO SETOR DE DEFESA NOS INVESTIMENTOS ESG

Passado um mês do conflito militar - guerra, para quem preferir - mais noticiado dos últimos anos, é possível observar uma série de implicações socioambientais, de governança pública e corporativa, além das fortes questões financeiras. Temos a oportunidade de ver a olhos nus, pelas telas, redes e jornais, o funcionamento do mercado financeiro ocidental em uma guerra sob a ótica ESG.

O que parecia um mercado que se movia para certa consolidação de ideias e princípios, hoje se vê discutindo questões que há três semanas atrás seriam inimagináveis. Um dos tópicos é a possível relativização do financiamento de indústria armamentista para um país que esteja se defendendo em um conflito, como é o caso da Ucrânia perante a Rússia. Esse tipo de subvenção usualmente é integrante de listas de exclusão dentro dos critérios ESG.

Ao mesmo tempo que esta discussão beira o absurdo para algumas pessoas, para outras, se trata apenas de um movimento realista e pragmático do mercado financeiro, que busca, como definem os manuais, alocar capital de maneira eficiente para obter retornos satisfatórios. Nos vemos diante de uma grande fronteira de análise sobre aspectos ESG nos dias de hoje: o debate sobre listas de exclusão deve se basear exclusivamente nas intenções , impactos e materialidade setorial, ou deve voltar seus olhos para realidade cotidiana? E aqui estamos falando de armas tem como finalidade única ferir, elevado número de mortes no mundo por armas de fogo e um setor que utiliza muito aço e com forte impacto social negativo.

A pergunta anterior expõe um dilema, que pode ser ilustrado numa outra reflexão cotidiana. Países em desenvolvimento devem ter as mesmas responsabilidades climáticas e financeiras que suas antigas metrópoles? Ao propor este exercício, a ideia é demonstrar que a relativização de investimentos diante de situações de emergência social talvez viesse a abrir “demais” o leque de setores abertos aos investimentos sociais e sustentáveis. Ou seja, seria aceitável que países em desenvolvimento certificassem como investimento social o financiamento de energias baratas mas altamente poluentes, com a justificativa de que toda energia financiada nestes países contribui para o desenvolvimento socioeconômico?

O economista Ha-Joon Chang, em seu livro “Chutando a Escada”, aponta que cada nação vive uma realidade distinta e basicamente nenhum método de desenvolvimento foi totalmente replicado em outro país. Contudo, estas diferentes realidades devem ser levadas em consideração e as cobranças também. Em sua obra, Chang levanta dados sobre o IDH de cada país e sua razão PIB/cidadão. O autor demonstra que ex-colônias por vezes ainda não alcançaram os padrões de desenvolvimento de suas metrópoles quando estas ainda tinham – de forma legalizada – oferta de trabalho escravo.

Vivemos em um mundo com desigualdades acentuadas e declaradas, e com conflitos de interesses evidentes, porém encobertos. A quem interessa a inclusão do setor de defesa nos investimentos ESG? Indo além, quais empresas de defesa estariam sendo beneficiadas por estas novas modalidades de investimento?

Bancos gigantes como o sueco SEB AB e o alemão Commerzbank AG sinalizaram interesse em mudanças de políticas internas para iniciar os investimentos no setor de defesa, que antes constava em listas de exclusão. Lobistas do setor de armas europeu estão confiantes de que ocorrerão mudanças nas taxonomias de investimento social, e que estas passarão a considerar os interesses de defesa europeus.

Feito este diagnóstico, nos vemos diante de uma possível mudança paradigmática no cenário dos investimentos com certificações sociais, ambientais e de governança corporativa. Contudo, ainda temos perguntas a serem respondidas:

Estas seriam apenas as empresas dos mocinhos, ou os vilões também estariam inclusos? Teríamos acesso público e irrestrito a todo rol de clientes do setor armamentista, com rastreamento de material bélico, ou estamos falando de um setor de altíssimo impacto social e estratégico do ponto de vista político, e, portanto, altamente sigiloso em suas operações?

Teremos uma relativização irrestrita, com a rotulagem de produtos mediante interesses geopolíticos, ou as análises de produtos continuarão baseadas em dados científicos?

NOTA: Links recomendados pelo autor:

https://www.ft.com/content/9073a69f-bc90-4944-b9d9-d2a0a2ff1f15
https://www.capitalreset.com/guerra-leva-fundos-e-bancos-a-rever-exclusao-de-armas-de-politicas-esg/
https://www.bloomberg.com/news/articles/2022-03-03/banks-change-tack-on-weapons-finance-as-defense-spending-soars.

Daniel Murray Chaves
é consultor de Pesquisa & Avaliação ESG na NINT, nova marca da prática de Consultoria e Avaliação ESG que operou como SITAWI entre 2013 e 2021.
dchaves@sitawi.net

 
 
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