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DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS À UM NOVO MODELO DE COOPERAÇÃO NA DUALIDADE ECONÔMICA

A COP 27, reunião da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC), realizada em novembro de 2022, em Sharm El-Sheikh, no Egito, finalizou com sinalizações sobre as disparidades que se acentuam com os desastres naturais provocados pelas mudanças climáticas. A maior indicação é a criação do Fundo de Perdas e Danos, avanço nos hiatos da mudança de época.

No centro do debate, a transição energética justa e o degrau para ser também inclusiva. A constatação é que as mudanças climáticas ampliaram a pobreza, o que faz ligação direta com o Fórum Econômico Mundial-WEF, em Davos, que traduziu a preocupação com as mudanças climáticas, destacando nos Riscos Globais a crise de custo de vida com os desastres naturais e eventos climáticos extremos, no curto prazo. No longo prazo, os principais aspectos apresentam falhas na mitigação e adaptação climática. A meta do clima repercute em múltiplas dimensões, que podem alterar as escolhas, bem como nas decisões para reduzir os combustíveis fósseis na matriz energética e na economia. Conferência do Clima e Fórum Econômico Mundial de mão dadas em seus objetivos.

A mudança de época exige cooperação, os caminhos estão sendo construídos há décadas, com o exemplo histórico de Estocolmo, em 1972, e agora Estocolmo + 50, em 2022, identificando a transição sistêmica, englobando a transformação/transição energética e a transição/transformação digital. A Aceleração do Futuro no Mundo Digital, durante a pandemia foi preconizada, em 2014, no WEF, com a leitura da indústria 4.0.

Muitos movimentos definem a nova economia, com a bioeconomia e a nova economia digital, incluída nesse estádio de um novo iluminismo, as preocupações institucionalizadas das corporações com a sigla ESG (Ambiental, Social e Governança) na busca de uma cultura de criação de valor baseada em princípios da racionalidade econômica e na ética global. Os índices de ações de sustentabilidade passam a refletir essa real preocupação com ações que visam ao bem comum com os aspectos de mercado.

Mapa de interconexões: Risco Global 2023
Mapa de interconexões: Risco Global 2023

Fonte: Fórum Econômico Mundial - Pesquisa de Percepção dos Riscos Globais 2022-2023

Cabe ressaltar um aspecto presente em todas as conferências, considerado um risco global importante: a denominada polarização social, erodindo a coesão social. Duas partes de um mundo, com lentes muitas vezes embaçadas por sofismas sectários.

A abertura da reflexão é como estabelecer a cooperação no contínuo Estado-Mercado, sem o poder estrutural ou hegemônico de um sobre o outro, mais próximo da visão da internacionalista Susan Strange (1994). Teoricamente a convivência de um sistema dual tem sido objeto de vários ensaios desde o século XIX. A dualidade tenta balancear dois lados aparentemente opostos por crenças e convicções diante da realidade. Na dualidade econômica, Boeke, J. H. (Julius Herman), em 1853, exemplifica com o caso da Indonésia, à época, o olhar para uma sociedade dual em seus aspectos econômicos e de política econômica.

A coexistência dos antagonismos sobrevive e convive. Uma definição datada mais recentemente pelo Prêmio Nobel de 1979, Sir Arthur Lewis nos remete ao conceito de uma economia dual tendo como base a sua teoria de oferta de trabalho. A aplicação do termo segue muitas vertentes: como principal, vejo o contexto em países em desenvolvimento, de setores tradicionais e setores modernos, ou mesmo aqueles voltados ao Mercado Local e o outro lado antenado com o Mercado Global. Novamente, esse pode ser o ponto focal com as mudanças climáticas, os modos de produção e emprego se modificando na Transição Sistêmica.

O Green Deal, no Pacto Ecológico Europeu, em 2019, e o Great Reset, colocado por Klaus Schwuab no Fórum Econômico, em 2020, nos fornecem essa sinergia no mindset global, das mudanças climáticas a um novo modelo de cooperação na dualidade econômica. O conceito em curso pode se referir a Economia de Mercado em cooperação pacífica com a Economia Inclusiva. A Economia de mercado focada na competição Global, no indicador tradicional do Produto Interno Bruto, enquanto a Economia Inclusiva procura aspectos do Desenvolvimento Local ou mesmo um Desenvolvimento Endógeno, que encontra a melhoria da qualidade de vida dos mais vulneráveis socialmente por um modelo de inclusão socioprodutiva, nesse caso o Índice de Desenvolvimento Inclusivo, criado no WEF de 2018, com pilares no crescimento, desenvolvimento e inclusão.

A atenção ao deslocamento da dualidade básica brasileira do capitalismo liberal recente no pensamento econômico da globalização e os contornos do Capitalismo de Estado, com graus de intervencionismos Keynesianos. As desigualdades sociais são alarmantes no Brasil, refletindo um dualismo nada cooperativo, sem acessibilidade às oportunidades, criando conflitos descontextualizados entre liberais e conservadores, capitalistas e socialistas, reforçando a falta de coesão social e polarizações sem reflexões para a busca do bem comum. Relações que tem colocado o mundo em alerta sobre como tratar os pontos principais dos hiatos existentes e suas soluções. O pragmatismo tem se perdido em uma versão prática de curto prazo, principalmente no ocidente, o aprofundamento em conjunto de complexidades em uma visão mais sistêmica.

O horizonte mais largo nos remete à Agenda 2030, com a Sustentabilidade Socioeconômica e Ambiental. O sistema dual pode sim conviver pacificamente corrigindo as bases para possuirmos uma sociedade mais justa e sustentável. Um protagonismo que pode ser do Brasil, utilizando da melhor forma o Estado e construindo a inclusão dos excluídos, em um design da economia tropical, em um degrau institucionalizado do dualismo econômico brasileiro. Recentemente, pude assistir a quebra da molécula do hidrogênio verde no Estado do Ceará, no Porto do Pecém, nas novas fronteiras proporcionadas pela transição energética, nos compromissos Net-Zero de substituição dos combustíveis fósseis até 2050.

Antevejo a possibilidade da quebra da molécula das disparidades socioeconômicas, cujo maior eletrolisador é a educação em nosso País, com a reflexão para um novo modelo que consiga essa convivência cooperada sem polarizações da Economia de Mercado e da Economia Inclusiva. “Educação nunca foi despesaSempre foi investimento com retorno garantido”Sir Arthur Lewis.


Célio Fernando Bezerra Melo
é Economista, Vice-Presidente da APIMEC Brasil, Secretário-Executivo de Regionalização e Modernização da Casa Civil do Governo do Estado do Ceará.
celio.melo@bfa.com.br


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