Conselhos

BOARDWASHING: A FACE OCULTA DA GOVERNANÇA

O "boardwashing" é um fenômeno crescente que ameaça a integridade da governança corporativa. As empresas, sob a aparência de governança robusta, muitas vezes negligenciam a verdadeira supervisão e responsabilidade. A necessidade de um engajamento real e efetivo do Conselho de Administração nunca foi tão crucial.

A governança corporativa tem se tornado cada vez mais um ponto central nas discussões sobre a gestão efetiva e ética das empresas. No entanto, um novo fenômeno, conhecido como "boardwashing", tem perturbado o cenário. Similar ao conceito de "greenwashing", onde as empresas fazem reivindicações enganosas sobre suas práticas ambientais, o boardwashing ocorre quando as empresas apresentam uma aparência de governança corporativa robusta, sem a essência real de supervisão e responsabilidade.

Os conselhos de administração desempenham um papel fundamental na governança corporativa, sendo responsáveis pela supervisão das práticas empresariais e pelo alinhamento dos interesses dos acionistas e gestores. No entanto, o boardwashing envolve a nomeação de conselhos que, embora possam parecer independentes e efetivos em papel, muitas vezes não possuem a influência e o envolvimento necessários para fazer uma supervisão adequada.

A composição do conselho é um aspecto crítico na prevenção do boardwashing. É essencial privilegiar a presença de conselheiros independentes e evitar a participação excessiva de executivos. As reuniões mensais do conselho, muitas vezes, servem apenas como uma exibição controlada e eufemista da situação da empresa, apresentada por executivos em busca de bonificação. É crucial que os conselheiros se relacionem internamente, ouçam pessoas em todos os níveis, visitem instalações e até mesmo conversem com clientes e fornecedores.

Um exemplo ilustrativo do fenômeno do boardwashing é o caso das Americanas. Embora a empresa tivesse um modelo de governança robusto, que permitiu que fosse listada, não resistiu à má-fé e à busca desenfreada por resultados e bonificações pelos executivos. Este caso levanta dúvidas sobre a eficácia do conselho na supervisão adequada da empresa e sublinha a importância de garantir que os conselhos de administração não sejam apenas independentes no papel, mas também na prática. Este exemplo demonstra que, apesar dos padrões estabelecidos, ainda existem fragilidades e é preciso criar ainda mais mecanismos adicionais que garantam a segurança dos stakeholders e do mercado.

A presença de boardwashing é um sinal de uma cultura empresarial que prioriza a imagem sobre a substância. É uma abordagem de curto prazo que pode levar a sérios riscos de longo prazo, incluindo danos à reputação, perda de confiança dos investidores e possíveis ações legais.

Para combater o boardwashing, é necessário um compromisso genuíno com a governança corporativa. Isso envolve garantir que os conselhos de administração sejam não apenas independentes, mas também ativamente envolvidos na supervisão da empresa. Além disso, os reguladores e os investidores precisam desempenhar um papel mais ativo na supervisão dos conselhos de administração, garantindo que eles sejam verdadeiramente eficazes e não apenas pareçam ser.

Em suma, o boardwashing é uma ameaça séria à integridade da governança corporativa. Para assegurar que as empresas sejam verdadeiramente responsáveis e efetivamente geridas, é essencial garantir que a governança corporativa seja mais do que apenas uma fachada. As empresas, os reguladores e os investidores todos têm um papel a desempenhar na luta contra o boardwashing e na promoção de uma governança corporativa genuína e eficaz.

Além disso, é importante lembrar que a governança corporativa não se limita à supervisão financeira. Ela também envolve a governança social, que se refere à forma como a empresa lida com seus funcionários, clientes, fornecedores e a sociedade em geral. A governança social é essencial para garantir que a empresa esteja alinhada com seus valores corporativos declarados e que esteja realmente comprometida com a sustentabilidade e a responsabilidade social.

Portanto, é essencial que as empresas não apenas falem sobre governança corporativa, mas também a implementem de forma eficaz. Isso envolve a criação de mecanismos de controle robustos, a promoção de uma cultura de integridade e a garantia de que todas as partes interessadas estejam envolvidas no processo de governança. Apenas assim podemos combater o boardwashing e promover uma governança corporativa verdadeiramente eficaz.

Para ajudar as empresas a evitarem o boardwashing, aqui estão algumas recomendações:

Composição do Conselho: É crucial ter um conselho de administração diversificado e independente. Isso significa que o conselho deve ser composto por membros que não sejam executivos da empresa e que tenham uma variedade de experiências e perspectivas.

Participação Profunda dos Conselheiros: Os conselheiros não devem se limitar a participar de reuniões mensais. Eles devem estar profundamente envolvidos no dia a dia da empresa, visitando instalações, ouvindo pessoas em todos os níveis e até mesmo conversando com clientes e fornecedores.

Revisão dos Mecanismos de Bonificação: As pessoas tendem a agir de acordo com as métricas pelas quais são avaliadas. Portanto, é crucial que os sistemas de bonificação incentivem a integridade e a responsabilidade, em vez de recompensar a busca desenfreada por resultados a curto prazo.

Gestão da Cultura da Empresa: A cultura da empresa desempenha um papel crucial na prevenção do boardwashing. As empresas devem se esforçar para criar uma cultura de transparência e responsabilidade, onde todas as partes interessadas se sintam ouvidas e valorizadas.

Envolvimento dos Stakeholders: As empresas devem garantir que todas as partes interessadas estejam envolvidas no processo de governança. Isso inclui não apenas os acionistas, mas também os funcionários, clientes, fornecedores e a comunidade em geral.

Supervisão Regulatória: Os reguladores têm um papel crucial a desempenhar na prevenção do boardwashing. Eles devem garantir que as empresas não apenas falem sobre governança corporativa, mas também a implementem de forma eficaz.

Estas são apenas algumas das muitas estratégias que as empresas podem adotar para evitar o boardwashing. No entanto, a chave para uma governança corporativa eficaz é um compromisso genuíno com a integridade e a responsabilidade. Apenas assim podemos garantir que as empresas sejam verdadeiramente responsáveis e efetivamente geridas.

Marcelo Murilo
é co-fundador e VP de Inovação do Grupo Benner, Mentor, Conselheiro, Membro do Board Club e Especialista do Gerson Lehrman Group e da Coleman Research. Fala sobre Inovação, Governança e EESG.
marcelo.murilo@benner.com.br


Continua...