Impactos causados por mudanças climáticas estão se tornando cada vez mais uma preocupação nos negócios, afetando diretamente o processo de investimento de gestores e analistas. A comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos (SEC) estudou implementar recentemente a exigência para que empresas listadas nos EUA divulguem os riscos climáticos que possam impactar as suas operações. Ainda que não tenha sido formalmente instituída, essa nova exigência reflete a crescente compreensão de que, para promover maior resiliência e valor econômico de longo prazo para os negócios, é imprescindível que os gestores de ativos e investidores institucionais identifiquem e quantifiquem, no que for possível, os diversos riscos que possam afetar o valor dos investimentos, inclusive aqueles relacionados às mudanças climáticas.
Embora muitas vezes negligenciados, os fatores climáticos representam uma ameaça significativa aos negócios de diferentes setores da economia, especialmente considerando o seu grande potencial de desencadear eventos que se tornarão cada vez mais intensos e recorrentes. O agronegócio, sabidamente um dos principais motores do crescimento econômico do Brasil nos últimos anos, está particularmente exposto ao clima. Durante a safra 23/24, observou-se um impacto adverso nas lavouras de soja (primeira safra) e milho (segunda safra) em várias regiões do Mato Grosso, atribuído tanto ao fenômeno El Niño, como às mudanças climáticas estruturais. Propriedades menos resilientes enfrentaram uma queda acentuada na produtividade, com algumas registrando quebras de safra superiores a 50%.
Em contrapartida, produtores mais sofisticados, que utilizam práticas de agricultura regenerativa, como a SLC Agrícola, conseguiram reduzir a queda de produtividade substancialmente. Diante desse cenário, é fundamental que, ao formularem suas recomendações de investimento, analistas e gestores aprofundem sua compreensão e considerem atentamente os riscos climáticos. É preocupante constatar que, durante a divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2023 para o mercado, os executivos da SLC receberam poucas ou nenhuma pergunta dos analistas de sell-side sobre as mudanças climáticas e seu potencial impacto de longo prazo nas operações da empresa.
O impacto das mudanças climáticas se estende por diversos outros setores de forma direta e indireta. Por exemplo, a redução súbita e potencialmente recorrente na produtividade de certos produtores agrícolas pode desencadear um aumento nas taxas de inadimplência dos empréstimos concedidos por instituições financeiras. Em uma perspectiva global, o Banco Mundial conduziu um estudo abrangente em 2023, analisando dados de 184 países ao longo de 40 anos para investigar o impacto dos riscos climáticos nos balanços das instituições financeiras. Os resultados destacam que desastres climáticos podem levar a um aumento de até 5,8% nas taxas de inadimplência em países de baixa renda no ano seguinte aos eventos adversos. O estudo também enfatiza a importância de os reguladores financeiros adotarem políticas que levem em conta avaliações de riscos climáticos.
No Brasil, o Banco Central publicou um Relatório de Estabilidade Financeira em 10 de maio de 2023, que inclui uma análise dos riscos climáticos e seus impactos na estabilidade do sistema financeiro nacional. O relatório revela que entre 15% e 33% de todas as operações de crédito no país enfrentam altos riscos climáticos até 2030 e 2050, respectivamente. Embora o Banco Central esteja revisando as regras de divulgação do Relatório de Riscos e Oportunidades Sociais, Ambientais e Climáticos (GRSAC) em uma consulta pública, é crucial estabelecer incentivos adequados para que os bancos considerem essas informações ao tomar decisões estratégicas de investimento. Nesse contexto, analistas e gestores de investimentos desempenham um papel crucial ao integrar fatores climáticos em suas análises e ao incentivar as instituições financeiras a fazerem o mesmo.
Investidores institucionais, como os fundos de pensão, também podem ser seriamente impactados pelas mudanças climáticas, especialmente devido ao seu mandato de realizar investimentos de longo prazo. Um estudo realizado pela EIOPA, uma das principais associações de fundos de pensão europeus, submeteu 187 instituições em 18 países membros - que gerenciam um total de 1,98 trilhões de euros - a um teste de estresse considerando um significativo aumento no preço do carbono. Os resultados indicam que os fundos de pensão estão consideravelmente expostos a riscos de transição, com possíveis perdas de até 12,9% no valor de mercado de seus ativos. Estima-se que setores como mineração e óleo & gás poderiam enfrentar perdas superiores a 30%. No Reino Unido, o Comitê Jurídico dos Mercados Financeiros (FMLC) publicou um relatório em fevereiro de 2024 oferecendo insights sobre o dever fiduciário dos fundos de pensão. O relatório sugere que questões relacionadas à sustentabilidade, especialmente as mudanças climáticas, devem ser tratadas como fatores financeiros. Propõe-se uma nova abordagem na avaliação de riscos, destacando a necessidade de considerar se a priorização de estratégias de curto prazo pode comprometer a sustentabilidade dos retornos financeiros no longo prazo. Além disso, os alocadores são encorajados a reavaliar se eventos climáticos anteriormente considerados "remotos" podem agora representar riscos físicos, de transição e de litigância significativos.
À medida que os eventos climáticos se intensificam e se tornam mais frequentes, acarretando consequências cada vez mais graves, é fundamental que os gestores e analistas de investimentos incorporem a avaliação dos riscos físicos e de transição, que inclui os riscos regulatórios, em seus processos decisórios. Para cumprir adequadamente seu dever fiduciário de maximizar o valor ponderado pelo risco no longo prazo, é essencial que considerem as recomendações científicas e análises regulatórias sobre o clima como elementos financeiros de alta relevância.
Tiago Gomes
é sócio da fama re.capital e co-portfolio manager do LatAm Climate Turnaround Fund. É bacharel em administração de empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e MBA pela Universidade de Chicago, Booth School of Business, além de ser conselheiro certificado pelo Instituto de Governança Corporativa (IBGC).
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