Governança Corporativa

O NOVO MERCADO FICOU VELHO?

O Novo Mercado foi o responsável pelos principais avanços na governança corporativa brasileira na última década. Sua popularidade evidenciou que existia uma demanda e, consequentemente, um prêmio para empresas brasileiras que oferecessem maior proteção à seus acionistas. Essa popularidade também fez com que a “Governança Corporativa” se tornasse um tema mais comumente mencionado na imprensa brasileira do que talvez em qualquer outro lugar do mundo. Mas apesar disso, e apesar de ter sido um importantíssimo passo na governança corporativa brasileira, os avanços concretos introduzidos pelo Novo Mercado foram modestos.

Os requerimentos do Novo Mercado, que persistem quase inalterados até hoje, eram para ser somente o primeiro passo. O intuito do Novo Mercado era poder dar mais dinamismo ao mercado de ações brasileiro. Para isso era necessário melhorar a confiança dos investidores, especialmente os estrangeiros, que hoje representam mais da metade do volume negociado na bolsa. A estratégia então era emular de certa forma os melhores padrões internacionais de governança. É claro que o Novo Mercado, preocupado em ganhar a adesão de várias companhias, precisava adotar requerimentos de listagem acessíveis. Mas o objetivo seria, com o passar do tempo, alinhar os padrões de governança brasileiros aos padrões que os grandes investidores estrangeiros estavam acostumados em seus países de origem. Mas o avanço das normas de governança do Novo Mercado, se é que está acontecendo, acontece a lentos passos.

O motivo dessa estagnação é o grande sucesso que o Novo Mercado teve ao criar a sua marca. Seus integrantes, já tendo recebido o selo de boa governança quando da adesão, perdem muito do incentivo para continuar evoluindo. Melhorias na governança de uma companhia trazem benefícios concretos, que se colhem ao longo prazo, e trazem benefícios mais imediatos causados pela percepção da companhia pelo mercado como um investimento de baixo risco. A importância desse último aspecto não pode ser subestimada. Como a adesão ao Novo Mercado já diferencia a companhia na visão de investidores, isso estagna a evolução das boas práticas de governança.

A melhor evidência de como as companhias do Novo Mercado se acomodaram aconteceu em 2010. Naquela ocasião o Novo Mercado propunha, entre outras coisas, aumentar a proporção de conselheiros independentes de 20% para 30%. A proposta era sensata. Primeiro porque a independência no conselho de administração melhora sua capacidade de exercer as funções de supervisão e direcionamento estratégico da companhia. Segundo porque a mudança proposta era gradual e não causaria uma grande mudança no comportamento da companhia. Terceiro porque aproximaria os padrões brasileiros aos de países como a Inglaterra e os Estados Unidos onde a maioria dos conselheiros é independente. Para a proposta ser aprovada, porém, era necessário que dois terços das companhias concordassem com a mudança, o que não ocorreu. Enquanto a governança corporativa evolui pelo mundo, o Novo Mercado permanece no mesmo lugar. Depois do importante primeiro passo ele empacou.

Isso é um problema porque o Novo Mercado precisa evoluir para se manter relevante. Como mencionado anteriormente, a governança corporativa no Brasil, quando avaliada por métricas básicas como a independência dos conselheiros, ainda fica a dever quando comparada às boas práticas internacionais. Além disso, nesse tempo em que os requerimentos do Novo Mercado permaneceram essencialmente inalterados, muitos outros países têm promovido importantes mudanças em sua governança corporativa e até mesmo o que é considerado uma boa prática de governança está constantemente evoluindo. Então, na corrida para atrair investidores usando boas práticas de governança, o Brasil não só está atrás dos líderes, mas pode estar também avançando mais lentamente do que muitos outros competidores. Se essa dinâmica não mudar, com o tempo as proteções oferecidas pelo Novo Mercado a investidores se tornarão insignificantes, e o selo de boa governança impresso por ele desaparecerá. O Novo Mercado, portanto, tem um problema de governança: precisa evoluir para se manter relevante mas se encontra incapaz de promover grandes mudanças.

Para evitar que sua marca desvalorize muito, causando grande transtorno para suas companhias e o custo adicional de ter que reconstruir uma marca, o Novo Mercado precisa restaurar o incentivo para que seus integrantes continuem promovendo melhorias em sua governança. A solução, talvez ironicamente, seria uma desvalorização gradual e controlada da marca Novo Mercado. Se os investidores passassem a ver o Novo Mercado não como um monólito indiferenciado de boa governança, mas como um grupo de companhias comprometidas mas adotando práticas diferentes de governança, essas companhias teriam novamente o incentivo para inovar. A melhor forma de lograr isso é pela adoção de um requerimento de pratique ou explique.

O pratique ou explique, conhecido internacionalmente como “comply or explain”, foi criado em 1992 na Inglaterra como uma alternativa menos intervencionista à regulação tradicional que exige a conformidade com os requerimentos. No pratique ou explique cria-se um código recomendando certas práticas mas não se exige que as companhias sigam tais recomendações. O que é necessário é que a companhia justifique seus motivos por não conformar com o código. Portanto, o pratique ou explique preza a transparência mais do que a conformidade, e oferece um marco regulatório mais flexível e menos intervencionista.

No Novo Mercado, o pratique ou explique seria útil para aumentar a transparência e salientar as diferenças entre as companhias. Essa maior visibilidade e diferenciação permitiria que certas companhias fossem vistas por investidores como oferecendo maiores ou menores proteções. Assim, naturalmente surgiria uma competição interna no Mercado para atrair investidores ao oferecer melhores práticas de governança. Portanto, um requerimento de pratique ou explique funcionaria como um dispositivo para que o padrão de governança do Novo Mercado continue evoluindo e para que ele permaneça relevante.

O pratique ou explique também tem a grande vantagem de ser politicamente viável. O grande obstáculo para a evolução do Novo Mercado até agora tem sido a resistência de seus membros em adotar novos requerimentos. Mas um requerimento de pratique ou explique, justamente por ser minimamente intervencionista, tem maiores chances de ser aprovado. E uma vez aprovado, o pratique ou explique automaticamente se tornaria o catalisador de mudanças. Isso aconteceria por dois motivos. Primeiro porque os códigos de melhores práticas adotados normalmente são mais arrojados que as práticas do mercado. O Código de Melhores Práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), por exemplo, recomenda que a maioria dos conselheiros seja independente enquanto o Novo Mercado requer que somente 20% seja independente. Segundo porque a maior visibilidade que o pratique ou explique traz para assuntos de governança criaria o incentivo para que as companhias superassem umas às outras e, talvez, até mesmo o código de melhores práticas. O pratique ou explique, então, é uma forma viável e eficaz do resolver o problema de governança do Novo Mercado.

O pratique ou explique tem precedentes no Brasil, e alguns críticos poderiam apontar para esses exemplos e questionar a eficácia do “comply or explain” mas, se adotado pelo Novo Mercado, o resultado seria diferente. O conceito foi primeiro introduzido no País pela CVM que criou sua cartilha de governança (“Recomendações da CVM Sobre Governança Corporativa”) em 2002. A cartilha prometia em breve incluir um requerimento de pratique ou explique baseado naquelas recomendações, mas por ser um projeto muito ambicioso para a época, e por já haver um código de governança rival, o do IBGC, o plano foi abandonado. Mais recentemente, a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Abertas) criou um pratique ou explique baseado em seu próprio código de boas práticas. A iniciativa é louvável, mas esse código é voluntário e até agora somente 23 companhias declararam adesão. No Novo Mercado o pratique ou explique seria adotado por todas suas 133 companhias, o que geraria uma maior atenção e maior cobrança por parte dos investidores, sem contar que a Bovespa tem um quadro de auto-regulação robusto.

Com uma massa crítica de companhias adotando um pratique ou explique, a divulgação de informações sobre a conformidade com os códigos poderia se tornar o praxe no Brasil e ser adotada até por companhias fora do Novo Mercado. Isso melhoraria muito a transparência e facilitaria a comparação da governança de diferentes companhias. Tal melhoria seria ainda maior se, independentemente de conformar ou não com o código de governança, as companhias sempre explicassem suas posturas.

Mas voltando ao assunto em questão, a adoção de um pratique ou explique restauraria o dinamismo do Novo Mercado. Com a constante evolução do pensamento sobre a governança, e com os avanços das práticas internacionais, o Novo Mercado não pode ficar parado. Para continuar relevante, ele precisa rejuvenescer e um pratique ou explique é uma excelente forma de garantir que seus integrantes continuem sendo inovadores no ramo da governança corporativa.


Lucas W. Medeiros
é economista formado pela Universidade de Chicago e com mestrado da Johns Hopkins School of Advanced International Studies.
lmedeiros@gmail.com


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