Orquestra Societária

RISCOS E CUSTOS DO DESALINHAMENTO ENTRE SÓCIOS & ADMINISTRADORES

Antes, porém, apresentaremos aos leitores uma importante melhoria no constructo Orquestra Societária, no qual doravante substituímos a palavra “proprietários” por “sócios”, conforme figura 1 e à luz dos argumentos desenvolvidos adiante:

Figura 1 - Alinhando os interesses dos Sócios e Administradores



Por que o conceito de sócios é melhor do que o de proprietários?
Procurando reproduzir, da melhor forma possível, o pensamento do nosso estimado leitor, professor Lélio Lauretti, cujas reflexões nos levaram a melhorar a Orquestra Societária, observamos:

  • A ideia de que os sócios sejam proprietários ou “donosda organização pode prejudicar em grande medida a aplicação das boas práticas de governança corporativa.
  • Nas empresas familiares, isso se torna particularmente crítico; em um incontável número dessas organizações, os conflitos entre os interesses da família e os interesses da empresa têm sido críticos, ao ponto de ameaçar seriamente a continuidade do negócio e, portanto, sua sustentabilidade.
  • Quando, além dos “sócios familiares”, existem também os “sócios não familiares”, os conflitos supracitados, já críticos, se intensificam. Torna-se difícil convencer os controladores familiares de que “em casa somos parentes, na família somos sócios”. Acrescentamos que esta é uma questão que envolve aspectos não apenas culturais, como também emocionais.
  • O respeito à identidade corporativa e à independência legal e patrimonial da empresa beneficia, inequivocamente, a todos os sócios, sem exceções, reduzindo substancialmente os conflitos de interesse e fortalecendo a necessária distinção entre sócios e administradores/gestores. Afinal, ser sócio não qualifica ninguém para cargos na alta administração, cujos titulares devem ser escolhidos por sua competência, qualificação e experiência. Independentemente do tipo de sócio controlador que a empresa tenha. 
  • Em suma, a postura de proprietário ou “dono” complica a governança corporativa - e como! – por que torna-se “natural” que os proprietários ou “donos” sejam também os administradores. Um exemplo que pode ser citado é o da Varig, organização que projetava no exterior uma imagem muito favorável do Brasil. Quando os curadores da Fundação Ruben Berta, controladora, se deixaram dominar pela postura de que “somos donos e portanto devemos administrar”, todos os administradores profissionais e independentes foram dispensados. O final da história é conhecido pelo mercado: cerca de nove anos após, a empresa faliu e, com ela, foi-se o Aerus, deixando milhares de aposentados em situação crítica de sobrevivência.

Feitas essas reflexões, e agradecendo ao professor Lélio Lauretti pelo precioso insight, retornemos, neste ponto, ao principal objeto deste artigo: assim como fizemos para o relacionamento entre sócios, na edição no 185 da Revista RI, focando o desalinhamento entre sócios, discorreremos sobre a questão dos custos do desalinhamentos entre sócios e administradores, tomando, como exemplos, cinco dos 12 mini-cases relacionados no artigo da edição anterior:

Administração x Sócios Pulverizados
- Contratações questionáveis para cargos executivos importantes
Um Grupo Empresarial não tem um acionista controlador, tendo, entretanto, um conjunto de acionistas não controladores sem que cada um dos mesmos, individualmente, tenha maior peso societário ou influência sobre a administração do Grupo. Os administradores da Companhia têm feito contratações de familiares dos membros do Conselho de Administração em cargos executivos importantes, sem qualificação específica e experiência desejável para os mesmos. Parte dos acionistas não controladores tem questionado fortemente a prática.

Comentário: Os custos potenciais que despontam, no exemplo, estarão associados às consequências de uma má administração decorrente da falta de qualificação e experiência. Todos os sócios poderão ser prejudicados, em uma extensão que nem pode ser prevista. No limite, pode-se ter a quebra da empresa e a redução do seu valor econômico a zero.

Administração x Sócios
- Priorização de recompensas de curto prazo com penalização do futuro
A Diretoria Executiva de uma Companhia, sob a égide do planejamento estratégico aprovado pelo Conselho de Administração e divulgado ao mercado investidor por meio do Guidance, decide alterar a ordem dos investimentos planejados, em função dos retornos imediatos e da garantia dos bônus do ano “1”, em detrimento dos anos “2 a 5”, prejudicando a maturação dos projetos prioritários e o início dos retornos dos investimentos a longo prazo. Poucos acionistas não controladores percebem a manobra.

Comentário: Sob o prisma do Grupo Empresarial sub judice, o custo de desalinhamento corresponderá ao valor presente líquido (VPL) da diferença entre os fluxos de caixa da empresa se tivessem sido feitos investimentos previstos (identificados como sendo de boa qualidade) e aqueles definidos pelos administradores (que os beneficiaram e, não, à empresa). Lembrando que o VPL requer o uso de taxas de desconto apropriadas. As perdas podem ser significativas para os sócios.

Administração x Sócios Pulverizados
- Ocultação de informações aos sócios
A Administração de uma Companhia tem conhecimento de que os resultados do ano em curso e dos próximos dois anos, medidos pelo LAJIDA - Lucro antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização - e pelo Lucro Líquido, podem ser inferiores aos números sinalizados no Guidance divulgado junto ao mercado, além de fugirem da tendência de crescimento dos últimos anos. Mesmo dispondo de informações que possam ser repassadas aos pequenos acionistas, analistas e profissionais de investimento do mercado de capitais, a Administração não as divulga, retendo-as por alguns meses. Durante esse período, diversos investidores do mercado de capitais, animados com as “potencialidades” de distribuição de dividendos nos próximos anos, adquirem ações da Empresa.

Comentário: No exemplo em questão, a ocultação de informações relevantes aos sócios não controladores pulverizados pelo mercado os penaliza, haja visto que esses poderiam ter revisado suas carteiras de investimentos em ações, selecionando oportunidades melhores.

Administração x Sócios Pulverizados
- Trocas de dirigentes e realização de investimentos questionáveis
Acionistas não controladores (minoritários) de uma Companhia questionam diversas intervenções ocorridas recentemente em várias diretorias (trocas de dirigentes), bem como o ritmo lento de atendimento a metas de investimentos estabelecidas pela legislação e regulamentação do setor. As explicações dadas não parecem tranquilizar esses acionistas, o que se reflete na depreciação do preço das ações.

Comentário: Em primeiro lugar, destaca-se que as trocas de dirigentes podem afetar os fluxos de caixa empresariais de distintas maneiras. Quando elas ocorrem para melhorar a gestão, são, evidentemente, positivos; mas podem, também, prejudicar a administração corporativa e os fluxos de caixa empresariais, onerando os sócios. Em segundo lugar, destaca-se o risco de penalização legal ou regulatória, que impõe ônus aos sócios.

Administração x Sócios
- Frustração de expectativas de dividendos e substituição de dirigentes
Os sócios de uma Companhia estão profundamente descontentes com os resultados alcançados pela Administração, acreditando que a Diretoria Executiva não se empenhou devidamente na implantação de diversas iniciativas estratégicas, o que resultou em lucros menores e, portanto, em dividendos muito aquém daqueles esperados. Dois diretores são substituídos por profissionais egressos do mercado de executivos e um superintendente é promovido a diretor.

Comentário:
O custo do desalinhamento corresponde à diferença entre o valor esperado pelos sócios e o valor efetivamente criado? Sim, se os sócios estiverem completamente certos em seu diagnóstico sobre a administração. Se estiverem parcialmente certos, será preciso descontar o efeito de eventos não imputáveis à administração. Em segundo lugar, a troca de executivos pode impor riscos e custos, se não for bem feita.

Embora não explorados neste artigo, os 7 exemplos descritos na edição anterior desta Revista RI também poderiam ser discutidos à luz dos custos potenciais de desalinhamento. Adicionalmente, conforme se verifica nos cinco casos em questão, desalinhamentos entre sócios e administradores podem prejudicar alguns ou todos os sócios, bem como seu entorno, abrangendo clientes, fornecedores e empregados; em situações limítrofes, até as comunidades que dependem de uma dada empresa podem ser seriamente prejudicadas.

É possível mitigar os riscos de desalinhamento entre sócios e administradores, com base nos aspectos que podem impactar o alinhamento de interesses entre eles? Certamente. Sem deixar de reconhecer que os instrumentos de mitigação de riscos de desalinhamento entre sócios citados em edições anteriores da Revista RI também afetam positivamente o relacionamento entre sócios e administradores, cremos que a qualidade desse relacionamento será substancialmente melhorada por meio da implantação de boas práticas de governança corporativa.

Como viabilizar a adoção das práticas supracitadas? Os códigos e instrumentos normativos de boas práticas de governança, a exemplo das regras do Novo Mercado da BM&FBovespa, apresentam diversas orientações para esse fim, as quais impactam a arquitetura organizacional, ou seja, o desenho ou projeto da organização. Sim, as organizações também têm seus respectivos projetos ou arquiteturas organizacionais, que as tornam capazes de responder, adequadamente, aos seus desafios. Nesse ponto, retornamos à figura apresentada no artigo da edição anterior, aqui enriquecida:

Figura 2 - Governança, gestão e arquitetura organizacional



Em relação à figura sub judice, observam-se:

  1. A organização empresarial representada, uma sociedade por ações, constitui-se dos ambientes de governança corporativa e de gestão das operações. No ambiente de governança, transita a Alta Administração, composta pelos conselhos de administração e fiscal, pelos comitês desses conselhos administrativos e pelas diretorias executivas (em várias organizações, comitês de diretorias também são componentes importantes). No ambiente de gestão das operações, transitam os demais públicos organizacionais.
  2. A organização representada também é constituída pelos elementos que definem sua arquitetura organizacional, a saber: estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas. O conceito de arquitetura organizacional é egresso da teoria administrativa e tem sido objeto de atenção de vários estudiosos.
  3. Os cinco elementos supracitados, ou perpassam a organização longitudinalmente, percorrendo os ambientes de governança e gestão, ou então impactam os públicos corporativos internos - administradores, gestores e demais empregados - onde quer que esses estejam, sendo pontos de atenção:
    • A estratégia é construída e sua execução controlada pela Alta Administração, sendo em geral proposta pela diretoria executiva e aprovada pelo conselho de administração.
    • As estruturas de governança, como os conselhos, as diretorias e seus comitês são fundamentais para assegurar bom alinhamento.
    • Processos corporativos perpassam toda a organização, culminando com decisões no ambiente de governança. Conforme a magnitude da decisão,esta é tomada extrapolando o ambiente de governança, ou seja, no âmbito da assembleia geral de acionistas (AG na figura 2).
    • Pessoas e suas escolhas podem determinar ganhos ou perdas. Escolhas baseadas em atributos como mérito, competência, qualificação, especialização tendem a ser as melhores.
    • Sistemas de recompensa adequados induzem alinhamento na direção certa. Exemplificando: as recompensas previstas aos governantes corporativos e aos demais públicos privilegiam o crescimento, criação de valor ou ambos? Qual é a direção desejada?

Não é por acaso que esses elementos estão objetivamente representados no constructo Orquestra Societária, visto na figura 1 do presente artigo. Ademais, os ambientes de governança e gestão devem estar alinhados e permitir, à organização, operar de maneira harmônica e segura em direção ao futuro; como uma orquestra societária afinada e harmoniosa.

Finalizamos observando que se as boas práticas de governança corporativa são fundamentais para o alinhamento entre sócios e administradores e para mitigar os riscos e custos de desalinhamento, elas não criarão paradigmas ou modelos rígidos que assegurarão um mundo perfeito e bem acabado. Sempre é bom lembrar: não existem paradigmas na administração das empresas.


Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão é executiva e profissional de finanças e estratégia, professora e conselheira da Apimec-MG.
mbran@terra.com.br


Continua...