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Relatório Anual

QUE RELATÓRIOS VAMOS FAZER?

A entrega do 16º Prêmio ABRASCA de Melhor Relatório Anual ocorreu no auditório da Bolsa de Valores de São Paulo, no dia 27/11/2014, tendo sido apresentadas três palestras sobre o tema central do evento: “Que Relatório Vamos Fazer?” - por Fabiane Goldstein, Rubens Marçal e Lélio Lauretti - cada um abordando um aspecto do tema, a saber, o Relatório de Sustentabilidade - GRI, o Relato Integrado e o Relatório da Administração, respectivamente. A seguir, apresentamos os resumos das apresentações.

RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE - GRI
por Fabiane Goldstein

A plataforma fundamental para comunicar os impactos positivos e negativos de sustentabilidade de uma empresa, bem como para obter informações que podem influenciar na política, estratégia e nas operações das organizações de uma forma contínua.

A função de elaboração de relatórios é uma atividade intrínseca ao capitalismo. Os participantes do mercado precisam de informação para suas tomadas de decisão.

Os primeiros exercícios de relatórios não financeiros – os chamados Balanços Sociais - se deu nos anos 60, nos EUA e na Europa. A época foi marcada pela guerra do Vietnã, que incitou o repúdio da população e deu início a um movimento de boicote à aquisição de produtos e ações de algumas empresas diretamente ligadas ao conflito. Naquele momento, a sociedade passou a exigir uma nova postura ética das empresas, e como resultado, diversas delas passaram a prestar contas de suas ações e objetivos sociais.

Ao mesmo tempo, a preocupação com o meio-ambiente também entrava na agenda das nações, justamente apos um período de grande crescimento e estabelecimento de grandes corporações. Os Estados Unidos foram o primeiro país a perceber a necessidade e urgência da intervenção do poder público sobre as questões ambientais. Em 1969, formalizaram o instrumento de Avaliação dos Impactos Ambientais (AIA) e lançaram a National Environmental Policy Act (NEPA). Em 1970, estabeleceram a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, encarregada de proteger a saúde humana e o meio ambiente: ar, água e terra.

Outras iniciativas relevantes a serem citadas são o Pacto Global da ONU e o CDP – Carbon Disclosure Project, ambos lançados no ano 2000, voltados ao envolvimento do mundo corporativo nas questões relevantes de responsabilidade corporativa e direitos humanos e da emissão de gases de efeito estufa. Nesse mesmo ano, a primeiro edição oficial das Diretrizes GRI – Global Reporting Initiative, foi lançada, com 31 empresas participando do programa piloto.

Atualmente, já são milhares de empresas ao redor do mundo, sejam elas públicas, privadas, de grande ou de médio porte, que divulgam relatórios de sustentabilidade. Enquanto os relatórios financeiros são moldadas por normas de contabilidade e auditoria, os relatórios de sustentabilidade seguem normas voluntárias, como as criados pela GRI e pelo SASB – Sustainability Accounting Standards Board, e mais recentemente, pelo IIRC - International Integrated Reporting Council, responsável pelo Modelo do Relato Integrado.



A GRI apoia a transição para negócios sustentáveis, direcionando o relato da sustentabilidade, oferecendo um padrão de indicadores para a publicação que levam empresas a olharem para aspectos do negócio importantes para a sustentabilidade e assim, tornar transparente sua gestão e seus impactos positivos e negativos na sociedade.

Mas por que elaborar um relatório de sustentabilidade GRI é bom para as empresas?
Entendemos que com o processo de elaboração de um relatório GRI, as empresas passam a conhecer melhor os seus próprios impactos, dão maior relevância a assuntos abstratos, passam a definir metas objetivas e a acompanhar o desempenho delas. É, definitivamente, um instrumento de gestão.

E por que isso é bom para o mercado e para a sociedade?
Tendo acesso às informações produzidas pelos relatórios, os agentes de mercado podem conhecer melhor os riscos e oportunidades das empresas e dos setores em que elas estão inseridas, perceber a relevância da sustentabilidade e ter uma mesma base de informações para comparar empresas e suas evoluções.

Um dos compromissos da GRI desde a sua fundação foi garantir o aperfeiçoamento, a adaptabilidade e a longevidade das diretrizes. O processo evoluiu ao longo dos anos e, 13 anos após o lançamento da primeira diretriz oficial, a GRI lançou a G4, cujo foco está em relevância: o que é importante e crítico para gerir os impactos na sociedade. O objetivo é trazer informações valiosas para todos os stakeholders, com mais relevância, credibilidade e atratividade. Ou seja, companhias informando melhor o mercado e a sociedade sobre questões não financeiras.

A partir da diretriz GRI G4, as empresas devem realizar uma consulta aos stakeholders e produzir a matriz de relevância, e podem aderir a apenas 2 modelos distintos: o Core, ou Essencial, e o Comprehensive, ou Abrangente. No modelo Essencial são 34 indicadores de perfil e pelo menos um indicador de desempenho de cada aspecto significativo, enquanto no Abrangente são 58 indicadores de perfil e todos os indicadores de desempenho de cada aspecto significativo.

A GRI dá liberdade quanto ao formato da consulta aos stakeholders, que pode ser ligada ao relatório ou partir da gestão (avaliações rotineiras); usar metodologias específicas, como a AA1000; e pode ainda ser quantitativa ou qualitativa, presencial, online ou à distância. Ao final da consulta, a empresa reportará 7 indicadores de perfil sobre Relevância, identificando aspectos materiais e limites (indicadores G4-17 a G4-23).

A partir da Consulta aos principais públicos de relacionamento da Companhia, sobre seu interesse com relação aos aspectos importantes para a gestão da sustentabilidade, é gerada a Matriz de Relevância. A Matriz é o gráfico que mostra, numericamente, os assuntos em que os públicos com os quais sua empresa se relaciona tem maior interesse. Ela serve para orientar a sua gestão e comunicação com esses públicos e assim, desenvolver iniciativas com maior poder de impacto positivo e menor grau de risco, se posicionando sobre o que importa, para aqueles que importam para o negócio e que vêem importância na sua empresa.

Apesar de ser um processo complexo, as empresas que optam por produzir relatórios de sustentabilidade estão um passo a frente na questão de transparência e no entendimento dos desafios futuros. Cada vez mais os investidores entenderão que as informações não financeiras trazem riscos e impactos, e cobrarão o posicionamento das empresas. A questão de assurance (auditoria) dos relatos integrados já está em consulta pública e é apenas um questão de tempo para estarem em pleno funcionamento. Governos já avaliam tornar obrigatória a publicação de relatórios de sustentabilidade. Essa é uma tendência sem volta no mundo dos relatos corporativos.


RELATO INTEGRADO (IIRC): O que você deve saber para adotá-lo?
por Rubens Marçal

Grande parte do que se segue baseia-se no “framework” do Relato Integrado do IIRC, vide direitos autorais, no final deste artigo*.
  • O que é um Relato Integrado
Segundo a própria definição do International Integrated Reporting Council (IIRC), Relato Integrado é um “documento conciso sobre como a estratégia, a governança, o desempenho e as perspectivas da organização, no contexto de seu ambiente externo, levam à Geração de Valor no curto, médio e longo prazo.”
  • Quem o promove e porquê?
O IIRC é uma coalizão global de investidores, empresas, reguladores, definidores de padrão, profissionais contábeis e ONGs, que compartilham a visão de que “geração de valor” é questão essencial na elaboração de relatos corporativos. Preocupado com frequentes inconsistências e falta de integração das informações que as empresas tornam disponíveis em seus vários relatórios, o IIRC, analisando incontáveis publicações a nível global, selecionou uma amostra representativa das que mais se aproximavam ao ideal de disclosure dos fornecedores de capital financeiro (bancos, acionistas, debenturistas, investidores).

Ao mesmo tempo, por compreender que, no mundo atual, criação de valor envolve muito mais do que retorno econômico-financeiro imediato, para abranger também atuação no plano socioambiental − onde valores tangíveis e intangíveis são continuamente criados, preservados ou destruídos −, o IIRC preocupou-se em integrar, à demanda dos fornecedores de capital, a dos principais stakeholders, cujo papel exerce importante influência na continuidade do retorno.

O Relato Integrado, ao promover uma abordagem mais coesa e eficiente no processo de elaboração de relatos corporativos, permite uma alocação de capital mais eficiente e produtiva. A visão de longo prazo do IIRC é a de que, com a adoção dos princípios do Relato Integrado, o pensamento integrado enraizar-se-á no mundo corporativo e nas principais práticas comerciais do setor público ou privado.
  • Benefícios na adoção
O Relato Integrado ajuda a organização a manter uma visão integrada na gestão do negócio, a colocar foco na geração de valor e obter maior clareza dos riscos e oportunidades. Contribui, também, para uma melhor avaliação por parte de investidores, bancos e provedores de capital em geral, aumentando as possibilidades de acesso ao funding.

Não há custo adicional para a obtenção das informações exigidas pelo Relato Integrado já que, por sua natureza, são informações que tratam dos mesmos temas críticos abordados pela gestão para administrar o negócio.
  • Integração com outros modelos de relatório
O Relato Integrado interage bem com outros modelos de relatórios financeiros e de sustentabilidade, como, por exemplo, os elaborados de acordo com as diretrizes G4 da Global Reporting Initiative (GRI). Desde que sua estrutura (princípios e elementos de conteúdo) seja utilizada corretamente, pode integrar qualquer tipo de relatório do gênero.
  • O básico para utilizar sua Estrutura
Há três conceitos importantes, amplamente descritos no “framework” do IIRC (www.theiirc.org), que devem ser tomados com particular cuidado: o de geração de valor, o dos capitais empregados e o de integração.

O conceito de capacidade de gerar valor não está associado exclusivamente ao valor econômico-financeiro criado pela organização para si, mas ampliado para incluir o valor gerado para todos os principais stakeholders que influenciam esta capacidade.

Ao realizar suas atividades, a organização emprega capitais (aqui entendidos como recursos) categorizados em seis tipos diferentes (tabela seguinte) que independem de quem detenha sua propriedade.

Só para dar uma ideia, o capital “manufaturado” inclui não apenas os ativos próprios da empresa, mas também todos os demais por ela utilizados que de algum modo contribuam para a geração de valor no seu conceito amplo. São os objetos físicos manufaturados (não naturais) que estão à sua disposição, como prédios, equipamentos e toda a infraestrutura que utiliza (estradas, portos, pontes e plantas para tratamento de água e esgoto). Veja item “2-C” do “framework” do IIRC).
3 CONCEITOS IMPORTANTES
Geração de valor Conceito amplo (tangíveis e intangíveis)
Visão de curto, médio e longo prazo
(de acordo com o ciclo de negócio)
   
  Capitais empregados
  • Financeiro
  • Manufaturado
  • Intelectual
  • Humano
  • Social e de relacionamento
  • Natural
 
Com base na capacidade de gerar valor no tempo, independentemente de quem possua a sua propriedade.
Fatores que afetam sua disponibilidade, qualidade e acessibilidade, e a capacidade de produzir fluxos que atendam à demanda futura.
Variações que possam impactar a viabilidade do negócio no longo prazo.
     
 Integração Conectividade das informações
  • A empresa no seu ambiente interno
  • A empresa e o ambiente externo


Abordagem holística da combinação, do interrelacionamento e das dependências entre os fatores que afetam a capacidade de gerar valor no tempo


O Relato Integrado não exige que a organização adote a categorização de “capitais” sugerida em sua estrutura, mas é obrigatória a utilização dos conceitos ali contidos.

A Estrutura do Relato Integrado abrange sete princípios básicos e oito elementos de conteúdo que devem ser seguidos, a saber:
 
7 PRINCÍPIOS BÁSICOS

  • Foco estratégico e orientação para o futuro - Estratégia relacionada à capacidade de gerar valor e ao uso dos capitais (impactos).
  • Conectividade da informação - Imagem holística - combinação, inter-relacionamentos e dependência dos fatores que afetam geração de valor.
  • Relações com partes interessadas - Natureza e qualidade das relações com principais partes interessadas. Até que ponto a organização entende e leva em conta seus legítimos interesses e necessidades.
  • Materialidade - Relevância dos assuntos ligados à geração de valor
  • Concisão - Sem perda de informação relevante.
  • Confiabilidade e completude - Abrangência de tudo o que é relevante, equilíbrio entre pontos positivos e negativos, sem erros.
  • Coerência e comparabilidade - Informações coerentes no tempo, que possibilitem comparação com outras organizações, na medida em que seja relevante para a capacidade de gerar valor.

 
8 ELEMENTOS DE CONTEÚDO

  • Visão geral organizacional e ambiente externo - O que faz e sob que circunstâncias atua.
  • Governança - Como a estrutura de governança apoia a capacidade de gerar valor
  • Modelo de negócio - Descrição clara do(s) modelo(s) de negócio(s).
  • Riscos e oportunidades - Riscos específicos que afetam a capacidade de gerar valor e como se lida com eles.
  • Estratégia e alocação de recursos - Para onde a organização deseja ir e como pretende chegar lá.
  • Desempenho - Até que ponto os objetivos estratégicos já foram alcançados no período e quais os impactos e efeitos sobre os capitais.
  • Perspectiva - Desafios e incertezas prováveis a ser enfrentados ao perseguir a estratégia e potenciais implicações para o modelo de negócio e seu desempenho futuro.
  • Base para apresentação - Como se determina os temas a serem incluídos no relatório e como estes temas são quantificados ou avaliados.


  • Detalhes sobre a utilização da Estrutura

  • A Estrutura baseia-se nos Princípios.
  • Não impõe indicadores de desempenho específicos.
  • Requer bom senso e comprometimento na determinação dos assuntos relevantes (materialidade).
  • A capacidade de gerar valor é mais bem relatada com a combinação de informações qualitativas e quantitativas. O Relato Integrado não tem por objetivo quantificar o valor da empresa ou o valor gerado no período, assim como a utilização de capitais ou os efeitos sobre estes.
  • Um relatório integrado deve ser uma comunicação designada e identificável. Qualquer comunicação que afirme ser um relatório integrado e faça referência à Estrutura deve atender a todas as exigências identificadas em negrito e itálico no “framework” do IIRC.
  • Um relatório integrado deve incluir uma declaração dos responsáveis pela governança assegurando sua integridade.
  • Aplicação - O Relato Integrado não está associado exclusivamente ao Relatório Anual da organização, mas pode ser aplicado ao Relatório da Administração e Releases trimestrais.
  • Relatório referenciado - Dentro de certas regras, é possível produzir um relatório referenciado ao Relato Integrado.

(*) Direitos Autorais © Dezembro de 2013 do Conselho Internacional para Relato Integrado ('IIRC'). Todos os direitos reservados. Uso autorizado pelo IIRC. Entre em contato com o IIRC (info@theiirc.org) para obter permissão para reproduzir, armazenar, enviar ou usar este documento de outra forma.”


RELATÓRIO DA ADMINISTRAÇÃO ou RELATÓRIO DAS NOTAS EXPLICATIVAS?
por Lélio Lauretti

Pesquisa que fiz com Relatórios da Administração referentes ao exercício de 2013, publicados por 91 sociedades por ações (inclusive Grupos), mostrou o seguinte quadro:
  • Número de páginas pesquisadas: 2038
  • Textos, Demonstrações Financeiras, Pareceres: 526 páginas (25,8%)
  • Notas Explicativas: 1.512 páginas (74,2%)

Idêntica pesquisa, ainda que em menor escala, feita por mim com base nos Relatórios de Administração do exercício de 2012, mostrara uma participação de 73,5% do espaço ocupado pelas Notas Explicativas: visível a tendência de crescimento. Alguns destaques dentre os relatórios publicados em 2014:
EMPRESAS A) Total de
págs.
B) Notas
Explicativas
c) relação
B/A
1) CIA. BRAS. ENERGIA 52 43 83%
2) EMBRAER 139 110 79%
3) BNDES 170 133 78%
4) STATE GRID HOLDING 58 44 76%
5) NEOENERGIA 124 85 69%
6) CEMIG 193 117 61%


É clara a tendência de crescimento da extensão das Notas Explicativas que, nos casos acima, chegaram a representar 83% do espaço total do Relatório divulgado. Sobre esse tema, apresentei palestra no 15º Prêmio Abrasca sob o título de “Relatório Anual – Uma Espécie Ameaçada?”, que foi publicada por esta mesma revista, em dezembro de 2013.

COMENTÁRIOS
1. O Relatório da Administração é o único exigido por Lei, o único de publicação obrigatória em jornais e também o único que é objeto de discussão e aprovação pela assembleia geral dos acionistas. Seu elevado custo, para o qual as empresas têm poucas alternativas, tem tido influência na decisão de algumas empresas de fechar – ou de não abrir – o capital.

2. Os elevados custos decorrentes da publicação obrigatória acabam por desestimular a produção de outros tipos de relatórios, ao mesmo tempo em que provocam um enxugamento por vezes exagerado das demais informações (as não-financeiras) que, a rigor, seriam as de maior interesse para os investidores.

3. O “resumo da ópera” é que a destinação de quase 75% do espaço das publicações para as Notas Explicativas representa um mau investimento, pois a parte geradora do maior percentual de custo é exatamente aquela que menos leitores atrai. Não perder de vista que, no caso das cias. abertas, a publicação deve ser feita no Diário Oficial (você conhece algum leitor do Diário Oficial?) e em outro jornal de grande circulação, o que representa um custo duplicado.

SUGESTÕES
a) As empresas respondem pelos custos e, naquilo que não se afastar das exigências legais ou regulamentares, têm o direito de exigir que as Notas Explicativas contenham apenas o indispensável para correta análise e avaliação das DF, ou seja, não é aceitável que publicações obrigatórias se convertam em CCAD, isto é, Cursos de Contabilidade à Distância. Burocracia tem um alto preço!

b) Consequentemente, as empresas devem usar todos os recursos de que disponham para pressionar os legisladores a dispensar a publicação dos relatórios de administração no Diário Oficial e torná-la facultativa com relação aos outros jornais, desde que todas as informações previstas em lei sejam disponibilizadas em sites.

c) Devemos evitar a padronização dos relatórios, qualquer que seja o modelo escolhido, pois eles devem ser vistos como um retrato de corpo inteiro de uma determinada empresa, em um dado momento.

d) Em linha com a observação anterior, deve a empresa cuidar de que seu relatório anual contenha todas as informações relativas à sua identidade corporativa e que correspondem, na prática, aos elementos contidos na declaração de Missão, Visão e Valores.

e) Evitar o uso de “chavões”, tipo “criar valor”, “competitividade”, “partes interessadas” etc. sem deixar muito bem claro o sentido que essas expressões têm para a empresa. Muito do que se apresenta como “criação de valor” não passa de “transferência de valor” entre os agentes econômicos e é em função desse processo contínuo e crescente de “transferência” que chegamos ao nível de concentração de renda que temos hoje no mundo e, com especial gravidade, no Brasil.

f) Não mostrar reduções de custos operacionais (economia de recursos) como medidas de defesa do meio ambiente, já que o propósito básico dessas medidas de natureza gerencial á ampliar margens de lucro.

g) Privilegiar sempre as visões de longo-prazo, sem as quais a Sustentabilidade não tem sentido. Nosso mercado está completamente entregue ao curto-prazismo e, por causa disso mesmo, sob séria ameaça de encolhimento.

h) Rejeitar a importação ou adaptação de palavras de outras línguas, nos casos em que a nossa língua tenha equivalentes: “reporte”, “asseguração”, “materialidade” são bons exemplos. Não é o caso de “hedge”, “swap”, “stakeholders”, “accountability”, para as quais não temos traduções fiéis e que só poderiam ser substituídas por frases, em prejuízo da concisão.

i) Os termos “material” (relevante, significativo, importante, pertinente) e “materialidade” (relevância, pertinência) merecem um comentário mais amplo: na verdade, ao usar “materialidade” em vez de “relevância”, estamos recorrendo a uma palavra cujo sentido, em português, é exatamente o oposto do que queremos dizer. Vamos pedir socorro a dois dicionários:

Materialidade: “Qualidade do que é material; sentimentos vis, baixos, vulgares; bruteza, estupidez; ausência de sensibilidade, de finura, de compreensão; o conjunto de elementos objetivos que materializam ou caracterizam um crime ou contravenção, um ilícito penal” (Aurélio)

Materialidade:Tendência para valorizar apenas aquilo que é de ordem material; incapacidade para compreender coisas cuja compreensão exige sensibilidade, finura de espírito; baixeza moral, brutalidade, estupidez; conjunto de elementos e circunstâncias que evidenciam a criminalidade de um ato” (Houaiss)

Compare essas definições com o conceito de RELEVÂNCIA, do mesmo Houaiss: Relevância: “Que tem relevo, que tem importância, que se salienta, que sobressai, de grande valor ou interesse; o essencial; o indispensável.”

Não vamos trocar “inadimplente” por “delinquente” porque “delinquent”, em inglês, quer dizer também “inadimplente”! Correríamos o risco de ser considerados “delinquentes” por esquecer de pagar uma conta de luz ...

Não vamos passar a falar em “fato material” em lugar de “fato relevante”, porque deixaríamos o mercado totalmente confuso. Ou em “temas materiais”, se não estamos falando em cimento, cal, telhas, tijolos etc.

Moral da história: ao redigir nossos relatórios anuais, qualquer que seja o modelo escolhido, é imperioso que tenhamos o cuidado de respeitar a palavra para preservar a autenticidade e pureza de nossa língua (a “flor do Lácio, inculta e bela”, a que se referia Olavo Bilac). Como vocês verão pelos exemplos abaixo, estaremos em ótima companhia!
  • Eu vivia cercado de dicionários, tal o fascínio que tenho pela “palavra”. (João Ubaldo Ribeiro)
  • Duas vezes foi criado o mundo: quando passou do nada para o existente; e quando, alçado a um plano mais sutil, fez-se “palavra”. (Osman Lins)
  • Tudo o que os homens fizeram de grande nasce das “palavras” ou seria impossível sem elas. Porque não há nada de grande a não ser pelo pensamento e o homem só pensa em “palavras”. Como poderíamos amar não fosse a possibilidade de dizer “eu te amo” milhares e milhares de vezes? (André Comte Sponville). 


Em vez de uma Matriz de Materialidade, devemos - isto sim - criar uma Matriz de Espiritualidade: nossos relatórios só terão a ganhar com isso!



FABIANE GOLDSTEIN
é sócia-diretora da Ricca RI - Relações com Investidores.
fabiane.gold@riccari.com.br

Rubens Marçal
é consultor de empresas e de Relações com Investidores.
marcal.corp@gmail.com

Lélio Lauretti
é consultor e expert em Relatórios Anuais - foi o criador e o 1º presidente da Comissão Julgadora
do Prêmio Abrasca de Melhor Relatório Anual.
lauretti@osite.com.br
Continua...