Entrevista

FELIPE MIRANDA, SÓCIO-FUNDADOR DA EMPIRICUS

2015 exige postura defensiva dos investidores.
Será “O Fim do Brasil”?

O cenário prosseguirá desafiador para os investidores. Há muitas dificuldades e riscos que podem afetar a economia do País e do mundo. “O ano de 2015 exigirá postura defensiva por parte dos investidores, empresários e chefes de família. Sabemos que o ano será muito difícil. Não vamos tentar pegar uma virada dos ativos de risco mas, eventualmente, boas oportunidades podem surgir”, ressalta Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus Research, casa independente de análises de ações e demais investimentos, dissociada de bancos e corretoras. A previsão da Empiricus é de uma queda de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro este ano. Essa projeção poderá ser revisada para baixo, caso se confirme o racionamento de energia elétrica.

A Empiricus iniciou suas atividades em 2009. No ano passado, ganhou forte repercussão com a tese sobre economia e investimentos intitulada “O Fim do Brasil”. O documento foi acessado, pela internet, por mais de 15 milhões de pessoas. Também virou livro e figurou entre os mais vendidos de não-ficção no País.  “O Fim do Brasil” não agradou a todos, houve aqueles que consideraram o conteúdo alarmista, entretanto, o material incitou o debate sobre os rumos da economia brasileira. Divulgado em julho, alertava para uma séria crise, o País estaria à beira de uma recessão.

A Empiricus previa avanço do PIB de 1,3% em 2014, contrariando a maioria das estimativas de consenso bastante otimistas. Pouco tempo depois da divulgação, o Brasil entrou, de fato, em um quadro de recessão técnica e, hoje, a evolução estimada para o PIB do ano passado é de apenas 0,15%, conforme o boletim Focus. A tese abordava ainda a persistência da inflação acima do teto da meta, deterioração das contas públicas, fechamento de postos de trabalho, risco de apagão e a destruição de valor da Petrobras.

Houve um imbróglio no período pré-eleitoral. A coligação “Com a força do povo” da campanha da presidente Dilma Rousseff entrou na Justiça com uma representação contra as propagandas da Empiricus. Em agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgou tal representação improcedente por 5 votos a 2. A coligação de Dilma acusou a Empiricus de “terrorismo eleitoral” pelas propagandas no Google - “Saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma” e “Saiba que ações vão subir se o Aécio Neves ganhar”. Os ministros Gilmar Mendes, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Luciana Lóssio e José Antonio Dias Toffoli consideraram não haver irregularidade nos anúncios usados para divulgar os artigos de opinião. Segundo Felipe Miranda, o apelo era puramente comercial. “No entanto, pedir para retirar os anúncios foi um cerceamento da liberdade”, diz. A Empiricus investiu R$ 7 mil nas propagandas no Google, ao contrário dos rumores de que havia gasto uma fortuna. Dentro da representação da coligação de Dilma que foi rejeitada pelo TSE havia ainda uma crítica à tese “O Fim no Brasil”, porém, nenhuma menção à sua retirada.

“Muitas das nossas previsões se confirmaram antes do que esperávamos”, comenta Felipe Miranda. Em novembro do ano passado, a Empiricus lançou a “O Fim do Brasil - O segundo Mandato”, a tese atualizada.

O Fim do Brasil

De acordo com Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, a economia a grosso modo representa consumo e investimento. Assim sendo, no passado, em um cenário de hiperinflação, com os preços em alta e o poder de compra dos salários caindo ao longo do mês, não havia uma sistemática de consumo e também era impossível pensar em investimentos de forma consistente sem regras claras e perenes.

Conforme ele, nasce um Brasil em 1994 a partir do Plano Real. A estabilização da economia, com a recuperação da confiança na moeda, o controle da inflação e definição de um arcabouço institucional confiável. Contudo, foi usada a âncora cambial para manter a inflação sobre controle e, em 1999, surgiram problemas com as contas externas. Para conter a crise cambial o governo adotou o tripé macroeconômico, regime de metas de inflação, fiscais e câmbio flutuante. “Foi quando atingimos a maturidade desse novo Brasil”, afirma.

Segundo Felipe Miranda, se metaforicamente nasce um novo País em 1994, com a estabilização da economia, é possível dizer que a partir da nova matriz econômica e suas consequências ocorre o falecimento desse Brasil. Tentando mitigar os efeitos da crise mundial a partir de 2008, o governo brasileiro abandona a ortodoxia na política econômica e migra para um conjunto de medidas heterodoxas de orientação desenvolvimentista. Entre as características da nova matriz, ele aponta:

  • Aumento dos gastos públicos;
  • Maior intervenção do Estado na Economia;
  • Leniência no combate à inflação;
  • Incremento da participação do BNDES, com estímulo à criação e ao fortalecimento de gigantes nacionais;
  • Controle de preços;
  • Atuações pesadas e frequentes no mercado de câmbio;
  • Novo marco regulatório do setor petróleo e publicação da MP 579 (setor elétrico);
  • Criatividade na contabilidade nacional; e
  • Concessões mal feitas, fixando-se simultaneamente taxa de retorno e qualidade, uma bivalência inatingível.


Em 2014, a Empiricus cresceu seis vezes e, este ano, deverá triplicar de tamanho, segundo Felipe Miranda. Atualmente, a casa independente de análises atende 35 mil assinantes e mais de 400 mil pessoas acessam o conteúdo gratuito. A equipe da Empiricus é formada por 30 pessoas e está em processo de ampliação.
Nos Estados Unidos, esse segmento é gigantesco. A Securities and Exchange Commission (SEC), comissão de valores mobiliários norte-americana, obriga os bancos a pagarem taxas para o desenvolvimento de research independente. No Brasil, a Empiricus veio para preencher esta lacuna na análise autônoma de investimentos.

Acompanhe a seguir, a entrevista que Felipe Miranda, sócio-fundador da Empiricus, concedeu com exclusividade à Revista RI:

RI: Como surgiu a ideia de estruturar a Empiricus Research? A empresa prossegue no Brasil como a única casa independente de análise de investimentos?

Felipe Miranda: Ainda há uma lacuna muito grande no Brasil e no mundo em relação às recomendações independentes de investimentos. No entanto, o crescimento desse segmento é uma tendência global. Se pegarmos os rankings de analistas de investimentos feitos pelos grandes jornais americanos como o Wall Street Journal, Washington Post e New York Times, vemos que os que ocupam as posições de liderança são os independentes. É natural que seja assim. A SEC, a CVM americana, obrigou os bancos de investimentos a fomentarem esse mercado de research independente depois das atrocidades que foram cometidas sobretudo antes da crise de 2008. Nos bastidores, os analistas de bancos falavam mal dos próprios produtos mas empurravam aos clientes como grandes oportunidades. Decidimos implementar uma casa independente de análises no Brasil. Agora ficou clara essa necessidade. O caso mais emblemático talvez seja o do Santander, que após publicar uma opinião, que na verdade nem era opinião, era uma informação estritamente factual, teve que voltar atrás e a analista responsável foi demitida porque o banco era imbricado com uma série de interesses junto ao governo. (Na época, um informativo do Santander com o título “Você e Seu Dinheiro” relacionou a subida da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais a um cenário de desvalorização do real, alta dos juros e reversão das altas recentes na bolsa). A Empiricus sofreu uma tentativa de represália da mesma espécie. Mantivemos a nossa opinião e até reforçamos a crítica, mesmo diante da pouca simpatia e princípios antidemocráticos do governo. As posturas diferentes adotadas pela Empiricus e pelo Santander demonstram a necessidade de se ter opiniões independentes. Se a Empiricus é única nesse segmento no país, eu não posso afirmar categoricamente.

RI: Como você conheceu seus sócios?

Felipe Miranda: O Rodolfo Amstalden estudou comigo na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) e também fizemos mestrado em Finanças na FGV SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo). Nós trabalhamos juntos na Infomoney onde conhecemos o Caio Mesquita. Nos associamos intelectualmente e, depois, decidimos colocar a ideia em prática.

RI: A parceria da Empiricus com a Agora Inc, uma das líderes globais em análise e informações financeiras, funciona de que forma? Quais os frutos dessa relação?

Felipe Miranda: É um trabalho formidável, temos muito a agradecer à Agora e à sorte também. Quem colocou a Agora no nosso caminho foi a “Deusa Fortuna”, nunca houve uma intenção de vender, a ideia era fazermos negócios por nós mesmos. Começamos muito bem e tivemos um crescimento mais rápido do que imaginávamos, sobretudo, no mercado de corretoras. Mas, depois, devido às dificuldades financeiras das corretoras, elas se viram obrigadas a cortar custos muito fortemente e começaram a cancelar os contratos conosco. Estávamos em uma situação relativamente frágil porque nossos principais clientes enfrentavam dificuldades. Coincidentemente, nesse momento, em 2011, a Agora nos procurou disse que estava presente em 13 países e queria entrar no Brasil, considerado um mercado grande, portanto, gostaria de se associar. A única exigência que fez foi que a gente vertesse o nosso modelo de negócios exatamente ao modelo dela que é a divulgação de análises de investimentos, não só em ações, mas oportunidades de investimento em geral para construção de patrimônio para pessoa física. Então, como já estávamos notando a fragilidade das corretoras, mudamos o foco de investidor institucional para pessoa física. A Agora deu todo o suporte tanto do ponto de vista de estratégia comercial quanto de abordagem, de marketing para pessoas físicas. Seguimos com toda liberdade editorial para prover as recomendações. Contamos com o apoio total da Agora e, eventualmente, financeiro. Em caso de necessidade, podemos acessar linhas de crédito. No momento, felizmente, não precisamos tomar dinheiro emprestado, mas já precisamos no passado. A Agora conta com uma expertise de negócios que funciona no mundo inteiro. É a maior player global de informações financeiras.

RI: Os brasileiros estão mais interessados por análises financeiras? Há uma preocupação maior com os investimentos, com a composição de poupança?

Felipe Miranda: Os brasileiros estão menos preocupados do que deveriam estar mas há um crescente engajamento nesse sentido. Historicamente, os brasileiros compram imóveis e investem em renda fixa. Quando os juros eram 20% ao ano, não tinha muito o que fazer, bastava deixar o dinheiro no CDI e viver de juros, era o paraíso do CDI. Em paralelo, os imóveis observaram até 2012 uma apreciação muito destacada. Então, a pessoa que simplesmente tinha patrimônio imobiliário, sempre teve uma proteção contra inflação, viu o valor do patrimônio explodir e se sentia confortável. Agora, a taxa de juros, embora ainda elevada, não é mais o que fora no passado e os imóveis entraram em arrefecimento da tendência altista ou até mesmo em queda. Desta forma, as pessoas percebem que têm que se mexer. Além de tudo, vêem que a situação do país é delicada e que é preciso “pular” porque a poupança pode estar em risco. Há um crescente engajamento sim. Também destaco que houve uma melhora na educação. Podemos estar muito longe do que deveríamos, mas o Brasil está muito melhor em termos de educação do que há 20 anos.

RI: A divulgação da tese “O Fim do Brasil” em julho do ano passado surpreendeu muita gente pela coragem ao expor a situação da economia e os fatores de risco, porém, outras a consideraram alarmista e o documento também foi alvo de críticas bastante pesadas. A que você atribui toda essa movimentação? Por que chamou tanto a atenção?

Felipe Miranda: Muita gente viu mas ninguém se tornou cliente da Empiricus simplesmente porque simpatizou. O que houve é que as pessoas se identificaram com a tese, viram nela uma utilidade. E, evidentemente, quando a informação é antifrágil, ela se espalha, como o caso do Charlie Hebdo. Depois que o jornal francês tomou o grande golpe, multiplicou por 50 a divulgação dele. O caráter antifrágil da informação é como a Hidra de Lerna (um animal fantástico da mitologia grega com corpo de dragão e cabeças de serpente). Você corta a cabeça da Hidra, aparecem outras duas, você corta as duas, surgem quatro. A cada crítica pesada, a cada “pancada” na informação, ela se divulga mais, mais pessoas se interessam por aquilo. Tomamos uma grande pancada e isso atraiu um público maior. Algumas pessoas criaram resistência, julgaram a tese polêmica ao entenderem “O Fim do Brasil” como algo literal, no entanto, tratamos de forma metafórica, isto é, um país que surge em 1994 começa a ser destruído por uma série de medidas desenvolvimentistas em um ambiente político antidemocrático. É alarmista se as pessoas entenderem como algo material e concreto, mas o país não vai acabar. Essa nunca foi a concepção que a gente quis dar.

RI: Esse trabalho, a tese “O Fim do Brasil”, ao ampliar muito a exposição da Empiricus, trouxe quais resultados positivos? Hoje são quantos assinantes dos serviços? Quantas pessoas acessam o conteúdo gratuito?

Felipe Miranda: Hoje temos 35 mil assinantes de conteúdo pago e cerca de 400 mil pessoas acessam o conteúdo gratuito. Nosso objetivo é o atendimento às pessoas físicas. Não temos nenhum cliente investidor institucional ou corretora, nós deliberadamente quebramos esses contratos, mudamos o foco. Não queremos nenhum intermediário entre nós e a pessoa física. Porém, ao se entender que as pessoas que trabalham em fundos de investimentos são investidores institucionais, então acessamos esse público. Quanto mais falamos com investidores pessoas físicas, atraímos também grandes gestores de fundos de investimentos. Esses gestores assinam nossas recomendações como pessoas físicas, são interessados em boas ideias.

RI: “O Fim do Brasil - O segundo mandato”, nova tese divulgada em novembro, demonstra que diversas previsões feitas pela Empiricus no primeiro documento se confirmaram. Quais as principais?

Felipe Miranda: Muitas das nossas previsões se confirmaram até antes do que imaginávamos. O dólar estava a R$ 2,20 e bateu R$ 2,70 e agora voltou um pouco para R$ 2,60 e o Índice Bovespa estava em 60 mil pontos e passou a 47 mil. Do ponto de vista prático, esses dois itens são evidências importantes. Nosso objetivo nunca foi fazer uma crítica pela crítica mas sim proteger os investimentos das pessoas. Então, essa combinação de forte alta do dólar e forte queda das ações já seria indicador de que as coisas caminharam como a gente esperava. Mas do ponto de vista macro, a grande surpresa, muito pior do que a gente imaginava, estava nas contas públicas. Ali havia um imbróglio muito maior - que não identificamos em um primeiro momento, não porque fomos incompetentes, mas não dava para captar, as contas não eram transparentes. As tais maquiagens ou manobras fiscais, as famosas “pedaladas”, ainda vão cobrar o seu preço. Somente depois elas foram divulgadas. A estimativa da Empiricus era de um superávit primário de 1%. Porém, sem truques, o país deve terminar com déficit primário nas contas públicas da ordem 0,8% do PIB em 2014. O déficit nominal quando se soma a conta com juro representará 5% do PIB. Em “O Fim do Brasil”, primeiro mandato, havíamos sugerido um crescimento do PIB de 1,3% no ano passado e, agora, basicamente o mercado já está com zero para 2014. Para 2015, na tese sobre o segundo mandato, a estimativa da Empiricus é de uma queda de 0,5% do PIB. Quando divulguei, fui considerado alarmista. Porém, recentemente, o Credit Suisse, banco suíço considerado conservador, divulgou uma projeção rigorosamente igual a nossa e ninguém criticou. Só falamos primeiro. Quanto à inflação, conforme o boletim Focus do Banco Central (divulgado no final de janeiro), a previsão é que fechará em 7% este ano. No ano passado só não fechou acima do teto da meta por um “farelo”. Em vários meses de 2014 a inflação esteve acima do teto da meta em 12 meses, por exemplo quando comparamos outubro/outubro e novembro/novembro. A inflação é outro problema grave. Falávamos do represamento das tarifas públicas, que agora vêm sendo corrigidas. Isso tudo tem se confirmado. Outro fator é que a indústria, principalmente, vem fechando postos de trabalho e falávamos que isso iria acontecer até bater no desemprego. No País, somente no mês de dezembro, houve o fechamento (demissões superando contratações) de 555,5 mil empregos com carteira assinada. Foi o pior resultado para o mês de dezembro desde 2008. E, habitualmente, janeiro é um mês que costuma apresentar fechamentos de postos de trabalho.

RI: A Empiricus estuda revisar a estimativa para o PIB em 2015?

Felipe Miranda: Sem dúvida, prevemos 0,5% de queda do PIB mas estamos quase revisando, especialmente, se a previsão de racionamento de energia se confirmar. Segundo o Banco Safra, em caso de racionamento, a retração pode ser de até 1,5%. Na Era Dilma a economia apresentou o menor crescimento de toda história republicana, tirando apenas os períodos de Fernando Collor e Floriano Peixoto. Já vínhamos desse histórico negativo e podemos ter uma queda do PIB de mais de 1% caso ocorra o racionamento.

RI: Na primeira tese “O Fim do Brasil”, em julho do ano passado, a Empiricus já falava do risco de apagão...

Felipe Miranda: Sim, o item era literalmente “Estamos à beira do apagão”. Essa previsão se confirma. Já tivemos apagão, ocorreram desligamentos súbitos em horários de pico. Agora há possibilidade de passarmos para a dinâmica de racionamento “stricto sensu” a partir de maio.

RI: Em quais aspectos a Empiricus se baseou para falar no risco do apagão?

Felipe Miranda: Há uma combinação de fatores que levam à essa situação. Posso mencionar a falta de planejamento e a questão a modicidade tarifária. O governo, para agradar o consumidor, forçou tarifas muito baixas, prejudicando empresas do setor. Faltou diálogo com representantes da área. Isso veio acontecendo desde o terceiro ciclo de revisão tarifária que prejudicou a AES Eletropaulo, por exemplo, e posteriormente se materializou com a MP 579, que baixou na marra os preços da energia em 20%. O governo, para não ter que enfrentar a questão ambiental de ponto de vista mais rigoroso tecnicamente, optou pela construção de usinas de fio d’água que não dispõem de reservatórios. Essas usinas afetam menos o meio ambiente mas têm capacidade de geração muito menor. Por esse motivo, o País se viu obrigado a acionar as térmicas a carvão e a diesel, que são altamente poluentes. Claro, também, pelo fato de estar chovendo abaixo da média histórica. Mas não se pode achar que isso é surpresa. Todos sabiam em alguma instância da dependência das chuvas. Quando se faz o setor trabalhar no talo, ao primeiro choque negativo, ele vai abrir o bico e é o que está acontecendo. Se a economia estivesse crescendo, o racionamento já estaria em vigor há muito tempo.

RI: Na primeira tese, a Empiricus mencionava a crise na Petrobras e a perda de valor da companhia. A situação veio a se deteriorar com o escândalo de corrupção e os desdobramentos da operação Lava Jato da Polícia Federal...

Felipe Miranda: Aqui houve uma série de problemas. Primeiro, a alteração do marco regulatório que forçou a Petrobras ter uma participação mínima de 30% nos campos, nas instalações offshore. Isso exigiu investimentos pesados, ao mesmo tempo, a companhia foi obrigada a comprar uma parcela de conteúdo nacional por decreto, muitas vezes pior e mais caro, nem que o internacional fosse melhor. A Petrobras entrou em uma dinâmica muito ruim de dívida. O governo forçou investimentos e travou a geração de caixa da companhia porque impedia que a alta do petróleo no exterior fosse repassada aos preços dos combustíveis no mercado doméstico. Como tinha que importar parte do petróleo vendido aqui dentro, a Petrobras comprava caro e vendia barato. Então, o governo deu à companhia uma obrigação de investimento alta e travou a geração de caixa do ponto de vista operacional. A tradução disso é que a Petrobras teve que tomar mais dívida. Combina-se a isso o escândalo de corrupção. Fala-se em baixa contábil de até US$ 20 bilhões em seus ativos. (Já um cálculo apresentado durante a reunião do Conselho de Administração da Petrobras realizada na terça-feira (27/01) indicava a necessidade de uma baixa contábil de R$ 88,6 bilhões nos ativos da companhia referentes às perdas com corrupção ligadas à operação Lava Jato. O número aparece em comunicado da presidente da estatal, Graça Foster. Segundo ela, no entanto, a metodologia usada não foi considerada adequada. Esse valor apurado não entrou no balanço da companhia). Recentemente, as cotações do petróleo no mercado internacional estão em declínio. A Petrobras deveria estar reduzindo os preços dos combustíveis, assim como está sendo feito no mundo inteiro. Porém, a Petrobras terá que aumentar o preço do combustível para absorver a alta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). O consumidor está pagando preço do combustível acima do internacional para que a Petrobras recomponha os graves erros que foram feitos no passado.

RI: Quais os desdobramentos que os problemas da Petrobras ainda podem causar na economia? E na bolsa?

Felipe Miranda: Haverá uma paralisia dos investimentos da Petrobras, o que afeta toda a cadeia. Poderemos ver uma quebradeira do setor de óleo e gás bastante importante. Tenho receio que isso se transponha ao setor bancário. Existem bancos que vêm sendo citados em relações escusas com a Petrobras e há aqueles que emprestaram para a cadeia de óleo e gás que está mal das pernas. Paralelamente, as empreiteiras envolvidas podem ser consideradas inidôneas. O cenário é complicado. Como a bolsa reage? Daí é complicado, caímos no campo das elucubrações. Não é só a Petrobras, tem muitas coisas agindo ao mesmo tempo. Se fosse só pelos fundamentos econômicos, acho que a bolsa tinha que estar mais barata do que está hoje. Considero a bolsa ainda muito cara para o nível de juros que temos e para o patamar dos lucros corporativos que teremos à frente. Para completar, no mundo, há drenagem de liquidez muito forte. Nos Estados Unidos, dois indicadores - de vendas ao varejo e de confiança do consumidor, vieram abaixo das expectativas em janeiro, o que sinaliza que o Federal Reserve (Fed) pode postergar o aumento da taxa de juros. A própria queda do preço do petróleo no mercado internacional é um fator deflacionário no mercado americano e contribui para que o ajuste na taxa não seja tão cedo. Por sua vez, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, anunciou estímulos da ordem de 1,1 trilhão de euros até setembro de 2016. O excesso de liquidez explica um pouco a bolsa brasileira não ter caído muito. As bolsas internacionais estão todas em seus recordes históricos ou próximas disso. Os valuations são os mais caros de quase todos os tempos, assim como alguns múltiplos. É muito complicado o cenário do ponto de vista de analisar os preços ponderados pelos fundamentos. É até um equívoco o que estão chamando de efeito Levy referindo-se a tendência de queda dos preços da renda fixa brasileira, quer dizer, os juros de longo prazo em queda. Os investidores estão exigindo menos prêmio para ficar no Brasil. Isso não é efeito Levy, trata-se de um fenômeno da liquidez internacional. O mesmo que acontece com a NTN-B 2050 ocorre com nos Estados Unidos, com os treasuries de 10 e de 30 anos, que atingiram mínimas históricas, assim como os bonds alemães. A Suíça, com taxa de juros negativa de 0,75%, não para de atrair gente. Não há efeito Levy, existe o efeito liquidez.

RI: Em relação às ações, quais são os setores para investir este ano? Quais papéis devem ser evitados? Por que?

Felipe Miranda: Eu jamais compraria Petrobras. A companhia pode ter lampejos de valorização diante de uma ou outra notícia positiva mas acho que tem um problema estrutural, a capacidade geração de caixa dela não é suficiente para pagar os juros da dívida. A Petrobras deve aumentar o capital, ofertar mais ações e, assim, a tendência é que o preço das ações caia. Este ano, acredito que a bolsa passará ainda por uma forte correção por conta de um problema externo. Essa convivência de uma liquidez exagerada por muito tempo sem a contrapartida do crescimento econômico e dos lucros corporativos nunca foi boa coisa. É o que se chama de instabilidade gerada pela estabilidade. Essa é uma dinâmica própria do capitalismo, vive-se momentos de suposta calmaria até uma explosão. Acho que teremos uma explosão. As bolsas internacionais estão muito caras em relação ao crescimento econômico e aos lucros corporativos e quando elas caírem, nossa bolsa vai cair também. É interessante apostar em setores defensivos que podem trafegar bem diante de um cenário de turbulência. Eu estaria em consumo de bens essenciais, empresas de alta qualidade, boas geradoras de caixa, margens altas, alta barreira de entrada e baixo endividamento. Então eu focaria no setor financeiro que sempre se beneficia de altas da Selic porque consegue repassar o spread bancário ao consumidor o que acaba garantindo mais rentabilidade, por exemplo, o Itaú e o Bradesco podem se sair bem. Na área de consumo de qualidade, o Pão de Açúcar é exemplo de empresa que pode se dar muito bem. As transmissoras de energia devem ser observadas com carinho. Se eventualmente se confirmar o cenário de racionamento, as ações das distribuidoras de energia vão cair fortemente e nesse momento o investidor deve comprá-las porque isso vai forçar um panorama mais favorável às tarifas. Ninguém vai apertar o cerco quando as companhias precisam de dinheiro. No meio do racionamento será necessário fazer repasse ao consumidor para refrear o consumo e dar uma folga de caixa às distribuidoras.

RI: Quais as alternativas em renda fixa?

Felipe Miranda: As LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), protegidas pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito), enquanto não forem tributadas, são ótimos investimentos. Há sinalizações do governo de que venham a ser tributadas, mas enquanto não forem, é bom investir bastante porque rendem mais que o CDI e tem proteção. Agora, se começam a chegar muito perto do que rendem as LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) tem que comprar porque esses títulos têm liquidez diária ou semanal, ou até mesmo partir aos fundos DI. A conta que o investidor tem que fazer é quanto o fundo DI paga menos a taxa de administração e comparar com as LFTs menos a taxa de custódia cobrada pelo banco ou corretora. Eu gosto muito das NTN-Bs(Notas do Tesouro Nacional, série B) que oferecem proteção interessante da inflação e ainda juro real gordo. Como oportunidades pontuais, os investidores devem ficar ligados nas debêntures incentivadas de infraestrutura que não pagam IR e podem oferecer uma remuneração acima do CDI com risco baixo.

RI: Em “O Fim do Brasil - O segundo mandato”, a Empiricus considerava positivo o nome de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda. Ele terá condições para conduzir medidas positivas para a economia brasileira?

Felipe Miranda: Os desafios são imensos. As medidas anunciadas de mudanças nos benefícios de seguro-desemprego, pensão por morte, auxílio-doença e abono salarial já esbarraram nas centrais sindicais. O problema atual do Brasil não é de ciência econômica. A maior parte dos economistas sabe o que fazer. O Levy sabe o que fazer, não adianta ele ir a Davos (na reunião do World Economic Forum) para falar o que ele pretende fazer, a pergunta é: ele tem sustentação no governo para levar adiante as medidas? O problema não é de ciência econômica é de política econômica, o que é bastante diferente porque toda a base aliada e o próprio governo foram eleitos para tocar um outro projeto. A oposição, em grande peso, vai ser contra por ser oposição, e o próprio PT não acredita. Concomitante a isso, não existe ajuste sem dor. Se o desemprego e os salários não forem usados como variáveis de ajuste, a economia não se ajusta. É como fazer um regime comendo as mesmas coisas que você comia antes. Essa equação não fecha. Os problemas da sangria, ou seja, o custo do ajuste virá em um momento em que a economia pode estar rodando a menos de 1% ao ano com uma fuga de capitais e o dólar explodindo para cima por conta da ruptura externa que mencionei. Vamos resistir enquanto estivermos sangrando? Acho difícil. A catálise negativa ainda está por vir. Não sabemos de onde virá a ruptura, pode ser subida da taxa de juros dos Estados Unidos, da crise na Rússia, da Europa ou da desaceleração da China. Mas o que quero dizer é que a situação global é frágil e tem sido sustentada pela alta liquidez fomentada pelas “bazucas” dos bancos centrais. Dinheiro na mão é vendaval. Há incentivos para tomada de riscos excessivos no mundo. Não havia outra forma para sair da crise de 2008. A primeira catálise negativa na economia global, eu não sei qual vai ser, faço referência aos cisnes negros da teoria de Nassim Nicholas Taleb, são eventos raros, imprevisíveis e de alto impacto.

RI: Mas qual é a sua avaliação sobre as primeiras medidas anunciadas pelo ministro Joaquim Levy? (Restabelecimento das alíquotas do PIS/Cofins e da Cide sobre combustíveis, o que representa adicional de R$ 0,22 para a gasolina e R$ 0,15 para o diesel; aumento da alíquota de IOF de 1,5% para 3% nas operações de crédito para pessoa física; elevação da alíquota do PIS/Cofins de 9,25% para 11,75% incidente nos importados e a cobrança de IPI aos atacadistas do setor de cosméticos)

Felipe Miranda: Essas primeiras medidas foram ótimas, óbvio que a largada do Levy foi boa. A metáfora que tenho usado é a do jogo das varetas. Essas medidas são as varetas da ponta, as mais fáceis de tirar sem tocar nas outras, todo mundo sabia que ele iria adotar. No caso das medidas que afetam os modelos de acesso ao seguro-desemprego, pensão por morte, auxílio-doença e abono salarial, que ainda precisam ser aprovadas pelo Congresso, o governo já está falando que vai voltar atrás. Há resistências dos sindicatos. O governo já está preocupado em lançar junto com o saco de maldades, um pacote de bondades. O governo não tem convicção na ortodoxia. Falar antecipadamente que vai dar certo, estou fora...

RI: Qual é a sua opinião em relação a manutenção de Alexandre Tombini no Banco Central?

Felipe Miranda: Acho que o Tombini fez um mau trabalho. Ele sistematicamente trabalhou com a inflação acima da meta e este ano, a projeção do Focus está dando 7% ao ano. Sem contar os erros de comunicação que foram vários. Na penúltima decisão sobre a Selic ele se compromete conduzir os próximos passos do comitê de política monetária com parcimônia. Essa palavra parcimônia sempre foi usada para indicar redução do ritmo de aperto monetário, então estava escrito ali 0,25% mas ele veio agora e aumentou 0,5%. Nem sei se ele é subserviente ao Planalto ou não é, mas nem precisa ser, ele fez de toda forma um mau trabalho. A política monetária deve ser feita sob grande credibilidade e ele não tem. O mercado, vira e mexe, questiona a subserviência dele. Um presidente do Banco Central que recorrentemente é acusado de subserviência não exerce bem seu papel. “A mulher de César não deve apenas ser correta, mas parecer ser correta”, assim como o presidente do Banco Central.

RI: Em “O Fim do Brasil - O segundo mandato”, fala-se sobre o risco de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Qual é o teor disso?

Felipe Miranda: Isso precisa ser qualificado com a devida precisão para não parecer que eu defendo o impeachment. Essa é uma possibilidade que ronda os noticiários. No momento, não há condição nenhuma de impeachment. Agora, se vier a se confirmar o envolvimento direto da presidente no escândalo do “petrolão”, ficaria configurado crime de responsabilidade, o que enseja o impeachment. A lei é clara nesse sentido. Temos que monitorar os desdobramentos. Dadas as afirmações de que ela sabia, vindas das delações premiadas, será preciso aguardar as provas. Porém, se vierem as provas, a situação ficará muito delicada.


Continua...