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MENOS INCERTEZAS NO CADE

Desde a entrada em vigor da Lei nº 12.529 - a “Lei de Defesa da Concorrência” - em 2012, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) tem se esforçado para trazer maior previsibilidade e segurança jurídica, esclarecendo questões materiais e procedimentais sobre o controle de atos de concentração por meio de decisões e normas infra-legais. Como se sabe, nos termos do artigo 90 da Lei de Defesa da Concorrência, realiza-se um ato de concentração em casos de fusões, incorporações, aquisições de controle ou participações minoritárias, e constituições de consórcio, joint venture e celebração de contratos associativos, desde que atendidos determinados critérios de faturamento dos grupos econômicos envolvidos.

Em outubro de 2014, passados mais de dois anos da entrada de referida Lei, e superada a análise de mais de 800 atos de concentração nesse período, o CADE introduziu diversas alterações às normas aplicáveis a esse tipo de processo por meio de resoluções. Tal iniciativa representa, sem dúvida, um avanço na busca por regras mais claras e que assegurem previsibilidade ao processo decisório das empresas.

Os pontos mais relevantes dessas alterações referem-se (i) à necessidade de notificação das operações envolvendo os chamados “contratos associativos”; (ii) à sutil, mas importante mudança na notificação de aquisições de participações minoritárias por acionistas controladores; e (iii) ao cálculo do faturamento em operações envolvendo fundos de investimento. Adicionalmente, o CADE impôs mudanças relacionadas a aspectos procedimentais, como a revisão de hipóteses de aplicação do procedimento sumário e de exceções à regra geral sobre fechamento de operações.

Definição de Contratos Associativos

Como dito, o artigo 90 da Lei de Defesa da Concorrência impõe a submissão ao CADE de “contratos associativos”. Esse conceito indeterminado, no entanto, gerou incertezas e, consequentemente, a notificação de diversos tipos de contratos que tradicionalmente não seriam sujeitos ao controle de concentrações em outros países, como, por exemplo, contratos de distribuição, fornecimento, code sharing, parceria, serviços, terceirização e licenciamento. Com vistas a reduzir tais incertezas, o CADE publicou a Resolução nº 10/2014, que define “contrato associativo” e esclarece quais tipos de contratos depende de aprovação prévia da autoridade.

De acordo com a referida resolução, em vigor desde janeiro de 2015, são considerados “contratos associativos” aqueles (i) com duração superior a dois anos e (ii) que gerem interdependência por meio de cooperação horizontal ou vertical, ou ainda por meio do compartilhamento de riscos entre as partes contratantes.

Para a definição de interdependência, o CADE estabeleceu critérios objetivos, quais sejam: (a) quaisquer negócios em que as partes contratantes sejam concorrentes no objeto da operação e possuam, conjuntamente, 20% ou mais de participação naquele mercado específico, ou (b) quaisquer negócios em que as partes contratantes sejam verticalmente relacionadas (isto é, clientes ou fornecedores) no objeto do contrato e possuam, conjuntamente, 30% ou mais de participação naquele mercado específico, sendo, nesse segundo caso, necessária também a existência de compartilhamento de receitas ou prejuízos ou de relação de exclusividade.

O possível resultado dessa ampla definição de “contratos associativos” é que, por exemplo, contratos de distribuição exclusiva com duração superior a dois anos deverão ser submetidos à análise do CADE, caso as partes envolvidas possuam as referidas participações de mercado. Igualmente, contratos de licenciamento exclusivo também passaram a ser considerados atos de concentração. Se esta interpretação da resolução estiver correta (o que ainda não foi possível se comprovar), o CADE passará a analisar um grande número de operações que antes não eram sujeitas ao seu crivo. De qualquer modo, permanece incerto se o CADE adotou propositalmente uma linguagem genérica nessa resolução, ou se foi resultado involuntário do louvável esforço da autoridade em elucidar uma imprecisão da lei.

Critério de faturamento envolvendo Fundos de Investimentos

Outra alteração relevante apresentada pelo CADE – e, em parte, decorrente de solicitações da iniciativa privada – foi o ajuste do critério de cálculo de faturamento de grupos econômicos envolvendo fundos de investimento. Por meio da Resolução nº 9/2014, o CADE reviu seu entendimento anterior excessivamente abrangente, e restringiu seu conceito de “grupo econômico” para efeitos de cálculo de faturamento em operações envolvendo fundos de investimentos.

Agora, um grupo econômico envolvendo fundos de investimento compreende (a) o grupo de cada investidor que detenha mais de 50% das quotas do fundo envolvido na operação, seja individualmente ou por meio de qualquer tipo de acordo de quotistas, e (b) quaisquer empresas controladas pelo fundo de investimento envolvido na operação ou sobre as quais o fundo em questão detenha direta ou indiretamente participação igual ou superior a 20%.

Como resultado dessa mudança, foram excluídos da definição de “grupo econômico” os demais fundos sob a mesma gestão do fundo envolvido na operação, além do próprio gestor do fundo de investimento e investidores minoritários do fundo (anteriormente o critério era de considerar os quotistas com mais de 20% de participação no fundo).

É importante destacar, no entanto, que essa mudança se aplica somente para fins de cálculo de faturamento. Assim, regras de apresentação de informações permanecem inalteradas, demonstrando que, sobre a análise material (i.e., análise dos efeitos concorrenciais das operações), o CADE ainda está interessado em obter uma visão completa das relações envolvidas na operação – incluindo as atividades dos gestores e dos fundos de investimento sob a mesma gestão.

Operações de aquisições de ações em bolsa e de valores mobiliários conversíveis em ações

Não menos importante são as novas definições do CADE sobre operações envolvendo o mercado de valores mobiliários.

A primeira diz respeito a aquisições de ações em bolsa de valores e mercado de balcão que se que se enquadrariam nos critérios de submissão de atos de concentração. A problemática aqui reside no fato de que, com a Lei de Defesa da Concorrência, o CADE deve aprovar as operações antes de sua consumação e, assim, operações dessa natureza seriam inviabilizadas. Assim, com vistas resolver esse problema, e em linha com seus próprios precedentes, o CADE estabeleceu, por meio da Resolução nº 8/2014, que aquisições realizadas em bolsa de valores e mercado de balcão não dependem da aprovação prévia do CADE, sendo que, nesses casos, o comprador está proibido de exercer direitos políticos até a aprovação da operação pelo CADE. Essa situação se assemelha ao regramento aplicável às ofertas públicas de aquisição.

A segunda, por sua vez, confirma a necessidade de notificação de aquisição de títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações, como, por exemplo, as debêntures. A Resolução nº 9/2014 dispôs que devem ser submetidas ao CADE aquisições de títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações se os títulos adquiridos outorgarem ao adquirente direitos de veto ou de indicar membros dos órgãos de gestão ou de fiscalização das empresas, caso tais títulos se enquadrem nos requisitos mínimos de aquisição de participação minoritária previstos pela Resolução nº 2/2012. Essa mudança elimina dúvidas acerca da necessidade de notificação nessas situações e permite ao CADE ter uma visão melhor das operações. No passado, a inexistência de regras claras acerca de operações com títulos ou valores mobiliários conversíveis em ações abria espaço para a não submissão de determinadas operações.

Revisão das hipóteses de procedimento sumário e operações de aquisição de controle

Por fim, merecem destaque também duas últimas alterações na regulamentação do CADE sobre regras do controle de concentrações trazidas pela Resolução nº 9/2014.

Nas operações de aquisição de controle, o CADE acrescentou em sua regulamentação a diferenciação entre controle unitário e compartilhado. Segundo as novas regras, operações que envolvam a aquisição de controle compartilhado ou unitário são expressamente passíveis de submissão. Assim, por exemplo, uma operação de consolidação, ou seja, a aquisição de controle unitário anteriormente compartilhado, passou a ser de submissão obrigatória ao CADE. Por outro lado, aquisições de participação minoritária pelo controlador unitário não mais precisam ser notificadas, independente da participação adquirida.

Essa mudança reflete a posição adotada pelo CADE em decisões recentes e se aproxima da prática adotada na Europa. A nova regra não fornece, no entanto, qualquer detalhe ou diretriz acerca do conceito de controle. Essa omissão é particularmente importante porque decisões recentes do CADE também refutaram explicitamente a aplicação do conceito de “influência relevante” usado em alguns casos no contexto da Lei nº 8.884/94, a lei anterior de defesa da concorrência.

Por fim, por meio da referida resolução, o CADE também reviu as hipóteses de cabimento de procedimento sumário para submissão de atos de concentração, incluindo operações que resultem em aumentos mínimos de participação de mercado (variação do HHI em menos de 200 pontos) se a soma da participação de mercado das partes envolvidas não superar 50%, e aumentando de 20% para 30% o máximo de participação de mercado para casos de integração vertical.

Conclusão

Muito embora as mudanças adotadas pelo CADE possam ser alvo de críticas e deixem algumas questões abertas para discussão, não se pode negar que se trata de uma iniciativa bem-vinda nas comunidades jurídica e empresarial com o escopo de reduzir as incertezas dos procedimentos de controle de concentrações no Brasil. De qualquer forma, as questões em aberto devem ser esclarecidas pelo CADE ao longo tempo, seja por meio de suas decisões ou pela edição de novas regras.



José Carlos Berardo, Bruno Becker e Vitor Barbosa - são, respectivamente: Sócio, Advogado associado e Estagiário - de Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados – BM&A.
www.bmalaw.com.br


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