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Recentemente o mundo  corporativo foi surpreendido com a decisão do diretor de finanças do Google  Patrick Pichette de antecipar sua aposentadoria. Mas por que um ato tão banal  como um executivo se aposentar causou espanto ao ponto de se tornar matéria da  prestigiosa revista Forbes e de diversos outros importantes meios de  comunicação mundial?
Três fatores podem  explicar a surpresa:
Em sua carta ele  explica estar inspirado por um convite feito pela esposa Tamar, após escalarem  o monte Kilimanjaro na África. Nas palavras do executivo, "eu não poderia  encontrar um bom argumento para dizer a Tamar que deveríamos esperar mais para  pegar nossas mochilas e cair na estrada - celebrar nossos 25 anos juntos  virando a página e desfrutando uma crise de meia idade perfeitamente cheia de  felicidade e beleza, e deixar a porta aberta para a serendipidade de  nossas próximas oportunidades de liderança, uma vez que nossa longa lista de  viagens e aventuras está esgotada."
Refletindo sobre o ato de Pichette
Eu tenho apenas um ano  a mais de idade do que Pichette e, como ele, também adoro caminhar pelas  montanhas. Tenho sonho de conhecer a Antártida e uma esposa que gosta de me  acompanhar em aventuras pela natureza. Porém meus filhos são um pouco mais  jovens e, claro, eu não devo ter nem uma pequena fração da enorme reserva de  aposentadoria que o chefão da Google deve ter amealhado.
Minha desculpa estava  pronta: trabalho porque preciso ganhar dinheiro para sustentar meus filhos e  formar uma razoável reserva para aposentadoria. Mas será que isto é tudo?
Com o objetivo de  escrever este artigo me pus a conversar com amigos sobre a decisão de  aposentadoria precoce do diretor da Google. Como eu, a primeira desculpa de  quase todos é de que não podem parar, que precisam continuar na luta pelo seu  sustento e no preparo de uma aposentadoria futura financeiramente mais estável.
De forma geral a visão  daqueles com quem conversei é de que os motivos da decisão de Patrick não devem  ter sido exatamente aqueles apontados na sua carta. Alguns dizem que logo ele  vai se cansar e voltar para o mercado ganhando e trabalhando ainda mais do que  hoje, fato que fica implícito em sua carta. No ambiente universitário muitos  professores passam anos contando os dias para se aposentar e depois de um  início de aposentadoria glorioso logo vêm solicitar uma vaga de professor  voluntário, apenas para ter seu trabalho de volta, mesmo sem ganhar um centavo.  Muitos executivos que se aposentam logo relatam que sua agenda é mais cheia  após aposentadoria do que no tempo de corporação.
Estas explicações e  desculpas não me contentaram. Resolvi conversar com alguns conhecidos que já  passaram da época clássica da aposentadoria, que têm grandes patrimônios e que,  mesmo assim, continuam com agendas cheias e novos projetos que transcendem suas  expectativas de vida. Cada um tem sua história e suas peculiaridades, mas de  forma geral podem ser classificados em três grupos distintos.
Os sofredores
Para eles o trabalho é  um peso a ser suportado. “Trabalho porque preciso e porque não posso parar,”  dizem. As razões variam: os sucessores ainda não estão prontos, os filhos não  têm interesse ou competência para assumir os negócios, precisam chegar ao fim  de um projeto ou ainda não têm o suficiente para parar. Neste último caso, a  justificativa costuma ser sonhos de consumo cada vez mais caros ou, pior, auto  sabotagem.
Os empolgados ou  desligados
São pessoas que adoram  o que fazem, divertem-se com sua rotina e nem imaginam sua vida sem o trabalho.  São desligados porque não ficam pensando em limitações, ainda se julgam na flor  da idade e pensam que ainda têm muito a contribuir. A frase que ouvi de um  empresário de 78 anos resume bem esse grupo: "eu sou imortal! Ou ao menos  acredito nisso”. Muitos têm nesta fase uma atividade iniciada após terem se  aposentado de sua atividade tradicional. Geralmente o lazer e o grupo de  relacionamento está ligado à atividade profissional e construíram grandes  amizades neste meio.
Os realistas
Adoram seu trabalho mas  também têm muito a fazer fora dele. Sabem que o tempo não é tão elástico e  reservam uma parte significativa dele para a família, para os amigos e para si.  Alguns reservam a manhã para exercícios, leitura ou outra atividade prazerosa.  Outros tiram férias cada vez mais longas e têm finais de semana cada vez mais  elásticos. Parar totalmente não está em seus planos.
E você, onde está?
O trabalho visto como  um peso a ser suportado só pode ser justificado pela necessidade. Muitos  trabalham sem necessidade porque ele satisfaz e nos deixa mais felizes.
Definir felicidade é  algo muito complicado. A filosofia e a religião vêm se debruçando sobre o tema  há milênios sem chegar a uma conclusão definitiva. Gosto da definição de que  felicidade é resultado de quatro sentimentos: prazer, pertencimento, significado  e transcendência.
Prazer é o sentimento de contentamento físico. O que gera prazer para uns pode não  gerar para outros. Mas certamente cada um identifica de imediato o que lhe gera  prazer.
Pertencimento é a sensação de amar e ser amado. Mas, atenção: aqui além do amor carnal e  familiar inclui-se o amor social, o status, a sensação de ser olhado com  admiração mesmo por quem está distante de nós.
Significado é sentir que a nossa vida é útil para o outro, para a humanidade.
Finalmente, transcendência é sentir que nossa vida vai além da nossa existência física.
O trabalho é fonte de  pertencimento e significado. Portanto, para muitos, contribui para a  felicidade. Patrick Pichette, com sua aposentadoria precoce, abre mão da  convivência dos seus pares na Google e troca o significado de estar mudando o  mundo pelo pertencimento que emana da convivência familiar.
Aqui vale uma reflexão:  quando se atua em uma grande empresa não é nada fácil ser um realista. As  grandes empresas raramente abrem espaço para que seus funcionários mais  graduados tenham um ritmo menos intenso, em que consigam trabalhar mas ter  tempo também para cuidar da família, ter uma vida prazerosa e cultivar  diferentes esferas de pertencimento.
A atitude de Pichette  indica que as empresas precisam abrir espaço entre o 8 ou 80, entre sair ou  permanecer na rotina das 10h às 12h de trabalho diário. Deixar a vida pessoal  de lado para mergulhar no trabalho era aceitável para os baby boomers. Mas será que os membros da geração X, que cada vez  mais ocupam os cargos do topo das empresas, também compartilham desse estilo de  vida?
Jurandir Sell  Macedo
é doutor  em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela  Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da  Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br