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Governança

GOVERNANÇA PÚBLICA NAS MINICIDADES BRASILEIRAS

Exatos 4.443 municípios brasileiros - com população de 47.076.027 seres humanos - podem ser chamados de minicidades, com menos de 30 mil habitantes (podendo chegar a ser como Borá ou Serra da Saudade, dois municípios com 834 e 825 pessoas vivendo neles). Deveriam ser cidades de administração muito simples. No entanto, obrigam-se a manter estruturas política e administrativa mais complexas do que qualquer uma das 17 metrópoles com mais de um milhão de viventes. Mesmo quando não têm nenhuma relevância econômica.

É evidente que há pesados interesses eleitorais nas áreas federal e estadual, e não há qualquer interesse político em racionalizar a administração destas cidades. Muito ao contrário, o Congresso Nacional e as assembleias estaduais querem mesmo é aumentar o número de estados e de pequenas cidades em todos eles. Porque é nas cidades que se produz o voto.

Quanto gastam essas estruturas políticas, que custarão uma imensidão de dinheiro este ano, para trocar suas 5.570 administrações, suas dezenas de milhares de secretarias municipais, seus 42.241 parlamentares (70% do total nacional, um vereador para cada 898 habitantes), num total maior que 100 mil pessoas? Ninguém sabe, são valores inestimáveis. Mas essa troca de pessoas custa mais que dinheiro: custa adaptar as vidas dos habitantes a novos senhores, mesmo quando os antigos se reelegem. Da troca surgem novos planos de obras, novas iniciativas nas áreas de educação e saúde, comissionando aliados em cargos de chefia quase sempre orientados para as próximas eleições. Como elas se repetem a cada quatro anos, a questão se eterniza.

Todas estas minicidades têm prefeito, vice-prefeito, chefe de gabinete (um vício de todo executivo público que manda alguma coisa), médias de sete secretários municipais e dez vereadores. Dez pessoas com crachá de chefe e dez pessoas com crachá de parlamentar. Além, claro, de um assessor jurídico e um de imprensa, no mínimo. Se as quantidades de gente parecem adequadas para cidades maiores, elas são um exagero flagrante para estas minicidades.

E como custam caro essas pessoas! Com os encargos trabalhistas incluídos na conta (porque os mandatos são tidos como empregos), são mais de R$ 3 milhões anuais por cidade, ou R$ 15 bilhões no total anual, para funções que podem ser acumuladas, ou exercidas por funcionários comuns, dirigidos por um gerente geral (que poderia ser o tal “chefe de gabinete”?).
 
No resto do mundo – alguém conhecerá uma exceção? – a vereança não tem a pompa-e-circunstância que existe no Brasil. Os Conselhos Municipais são modestos, e quase sempre voluntários. Por isso, cabe ainda abrir a discussão sobre se os 42 mil vereadores dessas minicidades deveriam ter direito a qualquer tipo de provento, já que sua contribuição às administrações municipais não passa de uma sessão plenária semanal, quase sempre à noite, e eles continuam exercendo suas atividades particulares durante todo o mandato.

Prestação de Contas
Contando, ninguém acredita. Mas eu provo. Se você acessar o endereço: www.santiagodosul.sc.gov.br, terá a Prestação de Contas Anual de um município com exatos 1.389 habitantes e 1.373 eleitores, cuja receita de IPTU chegou aos R$ 50.701,96, e cujo ISS cobrado dos comerciantes e prestadores de serviços foi de R$ 71.680,59 (dados de 2014). E que, não obstante, tem uma folha de pagamento de R$ 323.430,00 mensais, e uma remuneração - de outra verba - a nove vereadores, que atinge a R$ 22.688,50 mensais. É uma situação que se repete em 2.473 municípios brasileiros, que têm menos de 10 mil viventes morando em suas casas. A prestação de contas se resume a um exageradamente minucioso relatório do Tribunal de Contas do Estado, com 51 páginas, com detalhes que ficariam bem numa cidade de meio milhão de habitantes. Jamais numa cidade que é pouco mais que um condomínio. Você precisa ver para crer (o município é pequeno e bem administrado, mas é obrigado a prestar as informações que estão no documento).

Ano de Eleição é Sempre Mais Difícil
Como pensa um prefeito dessas minicidades, neste ano eleitoral? À frente de seus outros problemas está a reposição salarial dos funcionários, a partir dos 10,67% de inflação de 2015. Os sindicatos dos servidores estão a postos, para exigir reposição integral de salários, regalias e benefícios, além daqueles dirigentes que têm prontas cláusulas de “acréscimo de produtividade” (sic). O prefeito está limitado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, mas o sindicato não quer conversa.

A maioria dos prefeitos tem sobre a mesa notificações dos seus Tribunais de Contas estaduais, alertando-os sobre exageros em gastos com pessoal. As determinações não mudam: a ordem geral é para destruir postos de trabalho. “Corte os comissionados, corte os temporários, acabe com as horas extra”. Um prefeito catarinense levou a sério a ordem, e demitiu todos os secretários municipais, fazendo os serviços serem realizados por funcionários comuns.

Eles sabem que, se as receitas caem, se as transferências são menores, se os repasses demoram a chegar, isso apenas agrava suas pendências. Em estados com finanças mais equilibradas – e eles são muito poucos, apenas sete - pequenos financiamentos e recursos extraordinários, quase sempre do PAC federal, aliviam um pouco a situação (nos demais, as coisas podem ser bem mais complicadas neste ano eleitoral). Com softwares cedidos por órgãos estaduais, as Notas Fiscais Eletrônicas tornaram-se um expediente arrecadador de ISS comum em todas elas.

Numa cidade de 3.603 habitantes, com nove secretarias municipais, uma folha de pagamento mensal de R$ 436.692,30 (mais R$ 165.634,38 de um Fundo Municipal de Saúde) e um custo de vereadores de R$ 43.401,46, cerca de 60 empresas de serviços emitiram em 2015 mais de 5.800 NFes, sempre com alíquotas de ISS a 4% ou 5%, o que garantiu ao menos o salário do prefeito, do vice e dos secretários municipais. A receita tributária dessas minicidades quase nunca ultrapassa os 15% de seus orçamentos. O restante vem de cerca de 40 formas diferentes de repasses federais e estaduais.

Não há nenhuma esperança de que os orçamentos das minicidades sejam gordos e fartos em 2016. Muitos serão até menores do que os de 2015. E este é ano de eleição, com contribuições eleitorais que – espera-se – serão modestas, porque as empresas não podem mais ajudar oficialmente.

Escolas Prá Dar e Vender
Nas minicidades, a administração da Educação Fundamental é, quase sempre, uma área que merece toda a atenção da administração. Numa cidade que escolhemos como amostra, vivem 21,8 mil habitantes com IDH DE 0,754, renda per capita de R$ 17 863,79, com 677 servidores registrados, servida por rodovias estaduais asfaltadas, a menos de 15 quilômetros de uma cidade de maior porte (120 mil pessoas), que pode oferecer todo o complemento de educação do ensino médio e superior necessário à sua população.

São cerca de 2.000 alunos na rede infantil e fundamental, para os quais se criou uma estrutura cara e sofisticada, com sete unidades infantis e onze escolas municipais, básicas ou reunidas municipais. São 18 diretores de escola, 18 secretarias escolares, 18 orientadores pedagógicos, dois maestros (banda e coral), cerca de 120 professores, pelo menos 8 monitores de informática, e equipes completas de merendeiras, cuidadores e serventes, em número não informado. Destaques: uma escola tem 39 alunos e 10 funcionários; três escolas funcionam com 50, 150 e 237 alunos apenas; uma escola tem sete salas de aula e 20 funcionários. Cada uma delas demanda uma estrutura própria, com diretora, secretária, orientadora pedagógica, merendeira, cuidador, serventes, como um mínimo.

A concentração desses alunos em menos escolas significaria mais transporte escolar, mas daria uma economia sensível na estrutura de ensino, com escolas mais bem equipadas e muito melhor produtividade administrativa. Para completar, a chefia da Secretaria da Educação da cidade administra uma organização complexa, com muitos funcionários e custos elevados.

E No Mundo?
Não se conhece uma pesquisa ampla sobre a organização das cidades em diferentes países do mundo, mas aparece sempre a organização de estados (ou subdivisão equivalente), onde se regionaliza a administração pública e, principalmente, os serviços públicos de atendimento direto ás populações.

As cidades mantêm sempre um administrador (prefeito, alcaide, maire, mayor, you name it) e organizam conselhos municipais com diferentes formações. Não se observa, em nenhum deles, a rigidez de organização política da cidade brasileira, nem a quantidade de parlamentares e comissionados envolvida na administração.

  • Estados Unidos: são mais de 30.000 cidades, reunidas em condados, onde está a estrutura administrativa mais completa. As cidades menores são normalmente geridas por um administrador contratado, dispensável quando não trabalhar direito;
  • Alemanha: há municípios pequenos (Gemeinde) que mantém associações municipais, ou um grupo de pequenos municípios de um mesmo distrito reunidos numa só administração, sem direito territorial. Os municípios membros são chamados de amtsangehörige Gemeinde (singular). Municípios que não pertencem a um Amt são chamados de amtsfreie Gemeinde (singular).
  • França: 36.680 villes, com um prefeito e um conselho municipal, como frações dos arrondissements;
  • Inglaterra: 47 condados. Os condados podem ser definidos para várias razões. Os condados cerimoniais são definidos pelo governo e a cada um é designado um Lord-Lieutenant. A maioria se organiza com um grupo de autoridades locais e frequentemente com referência geográfica. Nas cidades desses condados, administração é feita por um mayor e pequenos conselhos municipais.

A Previdência Arrombada do Servidor
Este é, sem dúvida, um dos pontos mais sensíveis a tratar, no âmbito da governança municipal. Quase certamente estará no âmbito da reforma da Previdência que o governo federal, ao que parece, pretende apresentar a público, em breve. O chamado déficit atuarial previdenciário de estados e municípios já era da ordem de R$ 1,7 trilhão ao final de 2014. Corresponde à diferença entre o que o governo terá de pagar no futuro (o saldo entre os benefícios e as receitas líquidas respectivas, no longo prazo) e os ativos, em valores atuais. Não é pouco!

O governo federal está em vias de criar um grande fundo de previdência complementar para administrar essas aposentadorias e pensões, para a esmagadora maioria de Estados e Municípios do país – uma fundação de natureza pública, com personalidade jurídica de direito privado. Até aí, tudo bem. Mas por que não conciliar os objetivos econômico-financeiros e atuariais desse novo regime com os de efetiva eficácia de gestão? As informações publicamente disponíveis são de que tal fundo será administrado pela Caixa Econômica Federal. Mas o porte financeiro, por si só, para ganhos de escala nas oportunidades de investimento, não o justifica. Não seria mais razoável descentralizar a gestão desse novo subsistema previdenciário para cada Estado e seus respectivos municípios?

É claro que, no caso das unidades da federação de menor porte, deveria ser incentivada a opção pela criação de fundos próprios multipatrocinados (reunindo dois ou mais Estados), por economicidade. A crítica que já deve ser feita é quanto ao óbvio perigo inerente a uma mudança institucional dessa envergadura - desejável, sem dúvida, no geral: que a responsabilidade fiscal e a gestão corrente venham a ficar concentradas em poucas mãos!


Luiz Fernando Rudge
é consultor financeiro, foi editor de Economia e Finanças do jornal Folha de S. Paulo e do jornal “Investimento”, da Gazeta Mercantil, e autor de livros sobre mercado financeiro, mercado do ouro e dicionário de finanças.
rudge@enfin.com.br

Uriel de Magalhães
é doutor em Economia pela FGV/EPGE, com Pós-Doutorado em Economia & Finanças pela Universidade de Chicago. Consultor.
uriel.de.magalhaes@gmail.com


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