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O ACORDO DO CLIMA, O FORUM DE DAVOS & O MERCADO DE CAPITAIS NO BRASIL

Escrever sobre o “Acordo do Clima” é sempre um risco, pois existe a complexa dependência de sua validação por causa da dúvida da posição dos Estados Unidos na ratificação do Acordo em 22 de Abril. Apesar do otimismo do Presidente Obama, aumentam os riscos de posição contrária em função de recentes decisões da Suprema Corte Americana, sobre o pleito de 27 Estados e várias empresas carvoeiras, de conter o avanço do “Plano Energia Limpa”. Existem também as históricas resistências do congresso americano.

Vamos manter a esperança de que, já neste mês de março, haja um horizonte favorável. De qualquer maneira, a conjuntura atual é outra devido à maior consciência da sociedade, das empresas e dos investidores e isso deve reduzir os obstáculos para a validação do Acordo.

Na verdade a redução das barreiras à transição tardia para uma Economia de Baixo Carbono é reflexo do avanço tecnológico nos principais (Estados Unidos, Alemanha, Japão e China) da Economia Mundial e à maior presença dos setores não governamentais globalmente nessas discussões. Esse contexto torna as futuras Conferências das Partes palco de protagonismo ainda maior do setor privado.

O Acordo do Clima prevê medidas que garantam, em 2050, de um aquecimento até o limite de 2º, sendo o desejável 1,5º. É um Acordo mais que surpreendente que, quando validado, vai exigir muito esforço de mudanças não só em nível soberano, mas também do setor privado e da sociedade. Imaginar uma mudança dessa natureza a nível global é ainda mais surpreendente. O Brasil tem um projeto de redução absoluta que passa prioritariamente pela redução do desmatamento e de recuperação de áreas degradadas e pela priorização das energias renováveis na matriz energética.

A viabilização dos mecanismos de financiamento desse projeto global é o “grande nó”, que vai requerer também intensa participação do sistema financeiro e do mercado de capitais concomitante ao processo de definição de metas de redução de GHG pelas empresas e da construção da nova matriz econômica, em que entenderemos quais setores compensarão as emissões dos setores intensivos em uso de combustíveis fosseis e qual o futuro esperado para a indústria dos combustíveis fósseis. Enfim, foi dada a largada. De imediato, é preciso a validação do acordo em 22 de abril deste ano.

Por outro lado, o tema do Forum Econômico de Davos abordou o tema “A Quarta Revolução Mundial” e debateu as questões climáticas em um ambiente onde vai se desenhar um novo processo de ruptura tecnológica que os especialistas da automação industrial denominam “Indústria 4.0”.

A proximidade de datas das Cops e do Forum de Davos já vem mostrando uma interseção crescente entre os temas econômicos sociais e climáticos. Os avanços tecnológicos serão significativos e não se admite tirar o pé do acelerador, mas como Christiana Figueres, chefe da UNFCCC, enfatizou que “a descarbonização da economia é um caminho sem volta”.

Uma das conclusões interessantes do Fórum de Davos foi “a necessidade de participação dos investidores em debates multi-staheholders” devido à dimensão dessas transformações. Foi considerada uma iniciativa importante para que, não apenas fossem compreendidos esses novos riscos (e oportunidades), mas também para compreender qual o impacto sobre os demais stakeholders e como deve se dar essa visão multi-stakeholder.

A Indústria 4.0 mudará as características da economia impactando fortemente também o setor serviços com a mecanização de várias funções, uso de drones para transporte de cargas, impressão 3D, mobilidade com menos dependência do automóvel (e automóveis sem motorista?), automação completa de processos industriais, logística reversa para tratamento e destinação de resíduos, energias renováveis dominando a matriz energética em 2050, etc. Tudo isso está evoluindo em um ambiente demográfico de menor taxa de fertilidade, aumento de longevidade, tensões políticas internacionais e pressões migratórias intensas.

Como essas mudanças vão afetar a sociedade e a economia? As transformações serão grandes e o mercado de capitais deve debatê-las de forma a adequar-se e participar dos debates multistakeholder.

O problema para o Brasil integrar-se nessas macrotendências está na tempestade política e econômica, que estamos vivendo que impede uma discussão mais abrangente sobre esses temas. É urgente sairmos desse imobilismo, desse quadro recessivo, e discutir um projeto abrangente para o Brasil que vá além das reformas políticas, fiscais, tributárias e previdências. Estamos correndo o risco de discutir soluções para uma “economia emergente que não se renova” e “perder o bonde”. É preciso muito mais.

Relembrando a história do mercado de ações brasileiro, ele sempre foi dependente dos segmentos Bancos e Commodities tradicionais, do setor de Telecomunicações por causa da Telebrás, na ultima década do século XX. Neste século XXI, o setor de Alimentos e Bebidas avançou devido a maior participação de players globais, como Ambev, BRFoods e JBS.

Não custa lembrar que nos anos 80, o Brasil combinou abertura política com fechamento do mercado de tecnologia da informação, com o objetivo de incentivar a criação de uma “tecnologia nacional”. Estamos ainda pagando alto preço por isso. É o que veremos a seguir analisando a composição do IBrX 100.

Composição do Índice IBrX da BM&FBOVESPA | 1º Quadr. 2016

Setores Econômicos Part. % Part % Acum.
Instituições e Serviços Financeiros 30,8  
Alimentos e Bebidas 19,0  
Outros Setores Industriais* 12,7  
Commodities Globais 11,6  
Infraestrutura econômica** 12,5  
Varejo 10,9 97
    100

*química e petroquímica; ** energia, telecomunicações, saneamento, concessões rodoviárias e logística.
Fonte: BM&FBOVESPA

Esse quadro mostra que os setores mais modernos de Tecnologia têm pouca representatividade, 1% do índice, e o segmento de bens de capital, tem igualmente presença pouco expressiva se analisarmos sua participação em “Outros Setores Industriais”. No Índice industrial – INDX, o setor Alimentos tem uma participação de 51%. A desindustrialização do Brasil está se refletindo em perda de diversidade econômica e o mercado acionário reflete bem isso. Mostra que estamos, de fato, dependentes dos recursos naturais ( alimentos e commodities), que temos em abundância, e dos serviços e instituições financeiras. 

Para efeito de comparação o setor de tecnologia participa com 14% na composição do Dow Jones Industrial Average o que revela a importância real do setor tecnológico no mercado de capitais dos Estados Unidos.

Uma nova pauta para os debates no mercado passa não apenas pela recuperação da economia e da capacidade de geração de valor das empresas, mas também estimular uma maior diversificação setorial, maior presença das pequenas e médias empresas e fomento de empresas industriais e tecnológicas modernas com presença ativa dos canais da Indústria de Private Equity/Venture Capital, que preparam as empresas desde a nascente.

O relatório “Consolidação de Dados da Indústria de Private Equity e Venture Capital no Brasil – 2011 a 2014” revela que os investimentos do setor tem crescido numa média de 20% a.a apesar dos efeitos negativos do câmbio e das estratosféricas taxas de juros brasileiras. Revelou ainda um comprometimento de capital elevado no setor de óleo e gás e participação relevante dos setores de logística e transporte, saúde e farmácia e tecnologia da informação (fato promissor) em 2014. O setor de energia ainda não decolou como player importante não tendo passado de 10% de capital comprometido em nenhum no período estudado.

No contexto multistakeholder o papel da educação é transversal, pois ela precisa fazer a interpretação correta das novas demandas da economia e da sociedade, de modo a se adequar às transformações em curso.

Em síntese Brasil está diante de vários desafios que estarão interrelacionados:

  • Sair com urgência do imobilismo político e econômico que trava todas as demais discussões e a integração efetiva do Brasil à economia internacional.
  • Engajamento da economia e da sociedade na fase pós Acordo de Paris.
  • Integração efetiva às mudanças da “indústria 4.0”.
  • Controle dos impactos sobre o emprego e sobre a cidadania.
  • Adequação da economia à complexidade demográfica.
  • Adequação da educação e da cultura tecnológica acompanhando as macrotendências.

O desafio do mercado de capitais será acompanhar essas transformações da economia mundial e participar ativamente do financiamento da transição para a nova economia. Para isso, é importante compreender os novos riscos e as oportunidades, desenvolver a cultura do debate multistakeholder e estimular os setores modernos a uma participação mais ativa dentro da cultura do capital aberto.

Mas é preciso sair do imobilismo.


Eduardo Werneck
é diretor de Educação e Sustentabilidade da Apimec; representante da Apimec nos Conselho Consultivo de Educação da CVM, no Carbon Disclosure Project (CDP), no Conselho Orientador dos Indicadores Ethos, e no Grupo de Investidores da Comissão Brasileira do Relato Integrado.
eduardo.werneck@apimec.com.br


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