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Orquestra Societária

AS TENDÊNCIAS DA GOVERNANÇA CORPORATIVA II

Dando continuidade à trilogia lançada na edição 206 desta renomada Revista RI, propusemos o aprofundamento no tema Governança Corporativa em relação à Orquestra Societária, que contempla as boas práticas em sua configuração, conforme destaque da figura abaixo:

Orquestra Societária e as boas práticas de Governança Corporativa

 

GOVERNANÇA CORPORATIVA: PASSADO, PRESENTE E PERSPECTIVAS PARA 2021
Como lançamos o desafio na edição anterior, recapitulamos nosso propósito de desenvolver tópicos como: governança corporativa nos EUA e em outras regiões ao redor do mundo, com destaque para o Brasil, governança e ética - evolução concreta das organizações versus discurso para o ambiente externo, governança das empresas familiares e das empresas estatais, entre outros. Reforçamos a discussão com a reflexão, de forma mais ampla, sobre a governança do Brasil, considerando os Poderes Constituídos, Ministério Público e mídia, bem como sobre as tendências para 2021, ainda que face às incertezas do ambiente político-institucional.

A trilogia iniciou com a entrevista de Sidney Ito, sócio líder em Risk Consulting da KPMG Brasil e América do Sul, que nos brindou com conteúdo profundo sobre as questões propostas. Nesta edição apresentamos a entrevista realizada com a Profª. Drª. Neusa Maria Bastos F. Santos, Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC SP, especialista em Governança Corporativa, com sólida vivência acadêmica nacional e internacional e experiência em consultoria em grandes empresas relacionada ao conteúdo desse artigo.

Entrevista: Neusa Maria Bastos F. Santos
Neusa Maria Bastos F. Santos é coordenadora de Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Ciências Contábeis e Financeiras da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC SP e Docente Permanente de seu Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Administração da PUC SP e Professora Titular na FEA/PUC SP. Membro de Conselhos Editoriais de Revistas Científicas. Líder de Grupo de Pesquisa Certificado/CNPQ. Consultora Adhoc para agências de fomento (FAPESP, CAPES) e órgãos públicos educacionais, como Conselho Estadual da Educação de São Paulo (CEE-SP) e INEP. Presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira de Editores Científicos (ABEC). Presidente do Conselho Científico da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento (SBGC). Membro da Mesa Diretora Nacional da Associação Brasileira de Estudos Canadenses (ABECAN) e Coordenadora de Núcleo de Estudos Canadenses / NEC/PUCSP. Membro da Comissão de Avaliação da Área de Administração e Contabilidade / CAPES. Membro do Júri Prêmio Franklin Delano Roosevelt / USA. Conselheiro Científico SCIELO. Conselheiro da Comissão de Ética e Pesquisa/CHS da CONEP. Membro do Conselho Fiscal Fulbright Commission no Brasil. Membro da Comissão de RH do IBGC. Membro da Mesa Diretora do CRASP. Coordenadora do Forum de Humanas, Socias e Sociais Aplicadas da ABEC. Pós-Doutorado na McGill University (Canada) com o apoio do International Council of Canadian Studies (ICCS), Doutorado em Controladoria e Contabilidade pela USP (1992), Mestrado em Administração pela USP (1984), Graduação em Administração de Empresas pela USP (1974). Fulbright Scholar (CIES/USA) na Business School of the University of Michigan/Ann Arbor (UMI). Visiting Fellow em Universidades Canadenses com apoio do International Council of Canadian Scholars (ICCS, Otawa). Titulo de Professora Honoris Causa (2012). Personalidade homenageada pelo CRASP e FECONTESP. Bolsista Produtividade CNPq. Orientadora de alunos de Pós-Doutorado, Doutorado, Mestrado e Iniciação Científica. Autora de livros, capítulos, trabalhos completos apresentados em congressos e artigos publicados em periódicos científicos de âmbitos internacional e nacional.

Acompanhe a entrevista.

RI: Na história das organizações empresariais, como emerge e evolui, em linhas gerais e de forma sintética, até o momento presente, a governança corporativa, especialmente nos EUA, Reino Unido e Europa Continental?

Neusa Maria Santos: As características próprias de cada país ou sociedade como seu ambiente social, cultural, econômico, corporativo e regulatório são determinantes relevantes para o processo de adoção de um sistema de governança corporativa e suas melhores práticas. Ao se observar as ações empregadas por organizações em mercados mais desenvolvidos é possível afirmar, de forma geral e resumida, que existem dois principais sistemas que espelham os diferentes modelos de governança, ou seja: o “outsider system” com maior aderência ao modelo anglo-saxônico (Estados Unidos e Reino Unido) e o “insider system” mais aderente ao modelo nipo-germânio (Europa Continental e Japão). No sistema de governança anglo-saxão observam-se os principais mecanismos: acionistas pulverizados e usualmente fora do comando diário das operações da companhia; estrutura de propriedade dispersa nas grandes empresas; papel importante do mercado de ações no crescimento e financiamento das empresas; ativismo e grande porte dos investidores institucionais; mercado com possibilidade real de aquisições hostis de controle; foco na maximização do retorno para os acionistas (orientado para o acionista). No sistema de governança nipo-germânio emergem os seguintes mecanismos: grandes acionistas tipicamente no comando das operações diárias; estrutura de propriedade concentrada; papel importante do mercado de dívida e títulos no crescimento e financiamento das empresas; frequente controle familiar nas grandes companhias, bem como a presença do Estado como acionista relevante; presença de grandes grupos/conglomerados empresariais, muitas vezes altamente diversificados; baixo ativismo e menor porte dos investidores institucionais; reconhecimento mais explícito e sistemático de outros stakeholders não-financeiros, principalmente funcionários (orientados para as partes interessadas). Na perspectiva do IBGC e demais especialistas o sistema de governança corporativa aqui no Brasil se aproxima mais do “insider system” com predominância da propriedade concentrada, papel relevante do mercado de dívida, forte presença de empresas familiares e controladas pelo Estado e mais orientado às partes interessadas (inclusive por disposições legais). No entanto, à medida que o mercado de capitais e os investidores institucionais ganham destaque como alternativa de financiamento para as empresas, a governança no Brasil aos poucos vai adquirindo algumas das características do modelo anglo-saxão, como a crescente importância do mercado acionário como fonte de financiamento, o surgimento de mais empresas com capital disperso e o ativismo de acionistas ganhando maior relevância no cenário nacional.

RI: E no contexto nacional, como emerge e evolui, em linhas gerais, até o momento presente, a governança corporativa?

Neusa Maria Santos: A Governança Corporativa no Brasil teve alguns marcos históricos notórios. Em primeiro lugar, a criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa em 1995, organização que é hoje uma das maiores e principais referências em Governança Corporativa para o mercado nacional. O IBGC foi o responsável pela preparação da primeira edição do Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa, o qual já se encontra em sua quinta edição (2015). Em segundo lugar, a participação de empresas brasileiras no Círculo de Companhias da Mesa Redonda Latino Americana de Governança Corporativa, programa este criado pela OCDE e pelo IFC em parceria com seus membros-fundadores, em 2005. O Círculo reúne empresas líderes do continente latino-americano e com experiências concretas na implementação das melhores práticas em Governança Corporativa. O Brasil sempre se faz representar e neste Primeiro Círculo as empresas convidadas foram: CPFL Energia, Embraer, Marcopolo, Natura, Net, Suzano e Ultrapar. Por último e em terceiro, fazemos menção à criação de mercados diferenciados na BM&FBovespa para três níveis de governança, ou seja: Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado. Observa-se cada vez mais um aumento crescente do número de empresas tradicionais que migraram para o Novo Mercado da BM&FBovespa, preocupadas com uma maior transparência das informações, pelo fortalecimento e pela independência dos Conselhos, pela pulverização do capital e pela difusão do assunto na mídia aberta e especializada, entre outras razões. De acordo com a publicação comemorativa dos 10 anos do ACI (Audit Committee Institute) no Brasil, que se trata de uma iniciativa independente promovida pela própria KPMG, presente em mais de 30 países e visa proporcionar um espaço de comunicação e interação para os membros dos Conselhos de Administração e Fiscais e Comitês de Auditoria. O ACI acredita que as melhores práticas de Governança Corporativa podem ser atingidas por meio de três pontos principais: conhecimento, compromisso e capacidade. Assim, visa cumprir sua missão ao promover a aprendizagem contínua, realizando Mesas de Debate, palestras e discussões técnicas, com foco nas questões e nos temas de maior preocupação dos seus membros. A íntegra dessa publicação do ACI pode ser obtida através do acesso ao site da KPMG: https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/pdf/2016/06/dez-anos-aci-institute.pdf

RI: Em sua opinião, para o contexto nacional, qual é o possível impacto da ética na governança das organizações? Trata-se de uma evolução concreta na qualidade do governo organizacional ou de discurso para o ambiente externo? Quais tendências podem ser identificadas, nesse sentido, para os próximos anos?

Neusa Maria Santos: O impacto da ética na governança das organizações tem revelado uma evolução concreta na qualidade deste processo, em contexto nacional e internacional. É de conhecimento público e recente, a decisão do IBGC de suspender a Petrobrás de seu quadro associativo pelo prazo de um ano, pois em suas análises não evidenciou que a Petrobrás tenha mecanismos robustos de controle e monitoramento assegurando aderência às políticas de condutas éticas. Muitas organizações imaginam que a simples elaboração de um código de conduta eliminará qualquer ato ou comportamento antiético. Na verdade, cabe ao corpo diretivo e aos gestores de maneira geral a disseminação do Código de Conduta, sobretudo pelo exemplo de atuação em seu cotidiano. É também preciso dispor de ferramentas internas de monitoramento para mitigar desvios de conduta. Uma recomendação para a Petrobrás foi o estabelecimento de um “canal de denúncias” independente, instrumento este que toda organização deveria ter, confiável e respeitado pelos seus empregados. Assim como o caso Enron, a Petrobrás apresenta lições importantes para as empresas, de um modo geral, aprimorarem suas práticas de Governança Corporativa. A tendência é a empresa cada vez mais buscar implementar ações de compliance e gestão de riscos, visando mitigar os maus exemplos de conduta que podem impactar a imagem da empresa junto aos seus stakeholders internos e externos e, como consequência nefasta dilapidar o valor de seu capital tangível e intangível. Pesquisa acadêmica realizada por Bastos e Smetana (PUCSP, 2015) encontrou suporte para esta afirmação.

RI: Refletindo sobre a governança das empresas familiares e estatais – como avaliar suas evoluções no Brasil? E como poderão evoluir até 2021, início da próxima década?

Neusa Maria Santos: A empresa familiar, que pode ser definida como aquela em que “a propriedade e o controle do negócio pertencem à família”, tem sido tratada de forma ampla e especializada na literatura nacional e internacional. Grande número de obras e autores revelam estudos que apontam fatores positivos e pontos negativos em relação ao risco e a perenidade do negócio da empresa familiar. Alguns exemplos, entre outros, podem ser citados: agilidade na tomada de decisão, clima organizacional de maior confiança e lealdade, falta de gestão profissional, conflitos internos em relação aos interesses da família, baixa maturidade nos processos de governança corporativa. Quando refletimos sobre as empresas familiares é útil compreender o circulo dos três elementos, ou seja, a natureza da relação entre propriedade, empresa e família, pois traduzem grandes questões e desafios importantes para o entendimento do processo de governança neste tipo de negócio. Quando os três elementos - propriedade, empresa e família- acabam se confundindo e se sobrepondo uns aos outros muitos princípios importantes da boa governança são negligenciados. O IBGC, de acordo com sua missão de difundir as boas práticas de Governança Corporativa tem contribuído bastante neste sentido, procurando levar maior capacitação e esclarecimentos sobre o assunto aos herdeiros e gestores de empresas familiares e públicas. Contudo, há necessidade de maior compreensão por parte do público interessado de como o modelo de negócios da empresa familiar e pública pode ter maior aderência às práticas e aos princípios da boa governança. Implementar um sistema de governança em empresa familiar ou pública, mas não somente, pode requerer um processo de identificar e muitas vezes fazer mudanças na própria cultura organizacional, com o fortalecimento de uma cultura de melhor desempenho e resultados. O governo do Canadá, quando determinou priorizar a governança no segmento das empresas familiares, da saúde e da educação investiu muito na elaboração de políticas públicas e aporte de recursos públicos para este propósito social, tendo sido muito bem sucedido em sua missão.

RI: Refletindo, de forma mais ampla, sobre o Brasil, como se pode avaliar, no presente, a governança do País, considerando os Poderes Constituídos, Ministério Público e mídia – por vezes tratada como quarto poder?

Neusa Maria Santos: A governança corporativa está para a cultura organizacional assim como a governança do país está para sua cultura societária. O governo de Singapura , por exemplo, resolveu fazer a grande transformação de sua sociedade adotando dois princípios básicos de poder público. O primeiro investir em educação e o segundo exterminar e mitigar o mau comportamento de qualquer ator social, que é prejudicial a quem quer que seja, direta ou indiretamente. O quarto poder também pode aprimorar os mecanismos de governança corporativa. Como exemplo, podemos citar a garantia de condições equitativas para os acionistas em operações como oferta pública de aquisição de ações (OPA), incorporação de ações, fusão e cisão e companhias listadas brasileiras. Operações criativas que fizeram do “tag along” uma falácia e trouxeram danos irreparáveis aos minoritários precisam ser inibidas e as lacunas devem ser fechadas. Neste sentido, os grupos interessados precisam muitas vezes tomar a frente desta liderança para que o processo de sensibilização junto ao quarto poder seja mais rápido e efetivo. Em outras palavras, empreender mais ações proativas de interesse coletivo para desencadear mais ações reativas de resultados positivos, traduzidas na reforma da Lei das S.A.s, na Lei Anti-Corrupção e em outros mecanismos.

RI: Reconhecendo a atual dificuldade de elaborar cenários, face às incertezas do ambiente político, em sua opinião, o que precisaria evoluir para que a governança do País tivesse um salto de qualidade até 2021?

Neusa Maria Santos: O salto de qualidade na Governança Corporativa vai acontecer. Meu entendimento é que as organizações em geral, independentemente de seu segmento de atuação, deverão desenhar ou alinhar seu sistema de governança estratégica, buscando maior aderência em relação a dois pilares norteadores. O primeiro é o engajamento e a aceitação dos princípios da ONU estabelecidos na Agenda 2030 bem como a adesão aos objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com suas respectivas metas na cadeia de produção. Os dezessete objetivos globais são integrados e indivisíveis, e equilibram as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. O segundo pilar importante é a adoção do Relato Integrado. O relato Integrado representa uma evolução na comunicação corporativa e refere-se a um processo de harmonização e de convergência dos relatórios contábeis com as informações de natureza não financeira, que propõe a inclusão não apenas de indicadores de sustentabilidade, mas também informações sobre como a estratégia, a governança e a postura diante das externalidades contribuem para a redução de riscos, o aumento dos ativos intangíveis de uma organização e, em última análise, a criação de riqueza. O Relato Integrado não deve ser visto como mais uma proposta de relatório, mas uma mudança na cultura organizacional de relatar e transparecer. O desafio está tanto no mundo profissional quanto na academia pois esta nova realidade de comunicação e de gestão corporativa provocará mudanças de comportamentos e de atitudes. Estas ações certamente vão melhor traduzir a todos os públicos interessados, ou seja seus stakeholders internos e externos, a boa governança corporativa com evidências em indicadores de prosperidade e de riqueza sustentável não só para a própria empresa, mas também para a sociedade e o nosso planeta.

Agradecemos as opiniões recebidas e reforçamos o convite aos nossos leitores para continuarem contribuindo com seus conhecimentos sobre a evolução da Governança Corporativa até 2021, cujo compartilhamento será feito na próxima edição, que concluirá a trilogia.

Cida Hess
é sócia diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cidahess@kpmg.com.br

Mônica Brandão
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...