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Enfoque

PREVIDÊNCIA: O MAIOR DESAFIO DA REFORMA

É um Estado agigantado para um país de renda média. Um Estado capturado, que defende interesses partidários, ineficaz em entregar os serviços que a sociedade precisa”. - Armínio Fraga

A sociedade brasileira não possui a capacidade econômica de sustentar privilégios sem distorcer mais ainda a distribuição de renda e sem diminuir ainda mais a capacidade de crescimento. O governo federal precisa aceitar o ônus de tornar-se altamente impopular, ao propor à nação, via Congresso Nacional - que precisa sempre de popularidade – um ajuste fiscal, a limitação nos gastos de governar, e as reformas previdenciária e trabalhista. O texto a seguir é recheado de números e dados. Entendo que é a única forma de dimensionar o verdadeiro tamanho da tarefa que espera o governo.

O déficit atuarial (necessidade de financiamento para pagar todos os benefícios presentes e futuros do RPPS – Regime Próprio de Previdência Social) é de R$ 3,6 trilhões em 2014, ou 65,8% do PIB. A parte relacionada aos Estados alcançou o nível de R$ 2,4 trilhões. Os dados são de um estudo do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, divulgado este ano, e dão a dimensão mais exata do tipo de problema que os governos enfrentarão, em suas relações trabalhistas com os servidores federais, estaduais e municipais.

As contas do RPPS federal acusavam em 2015 um rombo total de R$ 40 bilhões, para pagar quase um milhão de aposentados e pensionistas. Nos estados, o saldo negativo atingiu quase R$ 61 bilhões, segundo dados oficiais. E o déficit do setor privado (regime do RGPS) chegava a R$ 86 bilhões, com mais de 28 milhões de beneficiários. Ou seja, no total, pagar pensões e aposentadorias mostrou que faltaram R$ 183,4 bilhões.

Nos municípios a situação ainda é diferente, o resultado em 2015 foi superavitário, mas isso se deve a que 60% das cidades brasileiras ainda continuam vinculadas ao INSS, porque os regimes “oficiais” foram criados após a Constituição de 1988.

Apenas para comparações: o custo total da previdência social brasileira equivale a 13% do PIB, ao passo que a Educação custeada pelo governo representa apenas 4% do Produto.

GOVERNO NÃO PODE FUGIR DA RAIA
Junto com o esforço para aprovar as reformas econômicas, o governo precisa administrar o seu pessoal. Fazer uma reforma no serviço público, a começar pelos milhares de servidores que ocupam o Palácio do Planalto, passa pelos 34 motoristas deslocados para o Palácio da Alvorada, para chegar à necessária revisão da administração salarial do funcionalismo, paraíso dos penduricalhos que deformam por completo o processo de remuneração dos funcionários do governo.

Deve buscar corrigir ou atenuar o impacto do salário médio do Poder Judiciário (R$ 18,8 mil reais mensais), do Legislativo (R$ 16,6 mil) e do Executivo (R$ 8,2 mil), enquanto a iniciativa privada, como mostra um levantamento a partir da RAIS de 8,3 milhões de estabelecimentos, paga as médias de R$ 2,8 mil reais para homens e R$ 2,4 mil para mulheres, acrescidos de um desembolso médio para os aposentados do setor privado na casa dos R$ 1,7 mil reais. Já os valores se elevam exponencialmente – em vez de serem reduzidos – na aposentadoria dos poderes Judiciário e Legislativo, com valores médios de R$ 24,7 mil e R$ 26,6 mil, respectivamente.

Não há justificativa para esta distorção, numa classe que, entre outros benefícios, conta com a estabilidade no emprego, afirma o professor Nelson Marconi, professor da Escola de Economia de SP, da FGV. Nestes dias em que cabe ao Congresso votar a limitação do crescimento dos gastos de governar, a despesa com o pagamento do funcionalismo está entre as principais candidatas a uma revisão mais profunda.

A distorção mais evidente, aponta o estudo do professor Marconi, está no funcionalismo de Brasília, onde servidores têm ganho médio 150% superior a funções semelhantes no setor privado, pulando para 200% entre funcionários com diploma de ensino médio.

Convém ainda lembrar que os principais fundos de pensão do setor público têm o objetivo básico de complementar o salário que os servidores obtinham quando estavam em atividade. Como justificativa, ouve-se dizer que estes fundos complementam os penduricalhos que os funcionários perdem, ao se aposentar.

A revista Época resumiu uma parte da má administração de pessoal do governo federal, ao publicar que “o governo brasileiro tem dificuldades para acomodar suas despesas dentro dos limites do orçamento e para contratar gente para algumas áreas com carência de pessoal. Por isso, assusta o número de contratações desnecessárias, que pesam sobre as contas públicas e sobre os ombros do contribuinte. Os casos revelam uma lógica de trabalho que dá prioridade ao luxo, ao privilégio, ao desperdício e à concessão de favores e boquinhas. Essa lógica se estabelece, nos gabinetes, em detrimento daquela com que a maioria dos mortais tem de lidar no dia a dia – a economia de recursos e o esforço para trabalhar melhor”.

O PESO, NO ORÇAMENTO
Esta largueza salarial pesa no Orçamento do país em níveis que se evidenciam como insuportáveis, mesmo quando o governo cobra, do pagador de impostos, uma carga tributária rondando os 33%, sem lhe entregar os principais serviços públicos com um mínimo de qualidade.

Os últimos dados consolidados mostram que as folhas salariais do governo federal chegaram aos R$ 256 bilhões, assim distribuídos: pessoal civil, R$ 205 bilhões, militares, R$ 51 bilhões. Destacam-se, entre os civis, os servidores dos poderes Judiciário e Legislativo, com R$ 35 bilhões e R$ 9 bilhões, respectivamente.

Estes valores são agravados pelo custo da aposentadoria desses funcionários, que chegam aos R$ 104 bilhões, sendo R$ 73 bilhões entre os civis e R$ 31 bilhões entre os militares. Aqui, mais uma vez, os poderes Judiciário e Legislativo se destacam, com gastos com aposentadoria nos valores de R$ 8,6 bilhões e R$ 3,6 bilhões, respectivamente.

Pesquisa no IBGE mostra que existem 6,5 milhões de funcionários nos 5.570 municípios, dos quais 3,9 milhões são estatutários, e 3,2 milhões de servidores nos Estados. Em 2007, os regimes próprios — instituídos em 2.200 Municípios, 26 Estados, Distrito Federal e União — somaram 6.514.761 pessoas diretamente cobertas. Desse total, 4,519 milhões são servidores ativos, 1,483 milhão aposentados e 511 mil pensionistas. Nos municípios com mais de meio milhão de habitantes, mais de 45% dos funcionários municipais são “celetistas”.

Na União, é como se cada trabalhador precisasse dedicar 12 meses de trabalho durante sua vida, apenas para custear este déficit. Algo tão grande como uma economia individual de R$ 22 mil para custear as pensões e aposentadorias dos servidores públicos.

Os servidores da União lotados no poder Executivo podem ainda contar com a FUNPRESP - Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo – que administra e executa planos de benefícios de caráter previdenciário complementar para os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações. Ainda é um fundo muito pequeno, apenas 21,5 mil participantes, com 183 entidades patrocinadoras.

Alternativas para a reforma
A reforma previdenciária ganha destaque no Congresso dos Fundos de Pensão, realizado em Florianópolis. Nos discursos, há a expectativa de que a reforma vá além de simplesmente acertar as contas públicas de curto prazo: é preciso que ela reforme as estruturas.

O secretário da Previdência do governo federal, Marcelo Caetano, entende que a diferença de critérios entre os regimes de aposentadoria do serviço público e da iniciativa privada deve diminuir com o passar do tempo (e não de forma abrupta?).

O diretor jurídico do BNDES Marcelo de Siqueira Freitas, entende que é mais desafiador pôr fim às assimetrias entre os regimes de previdência, do que fixar uma idade mínima.

O professor da FEA-USP Hélio Zylberstajn diz que é necessária “uma nova aposentadoria para novos participantes”, iniciando com um benefício básico não contributivo para incentivar a formação de poupança, e, a partir daí, um regime misto de repartição e de capitalização, de caráter compulsório.

Preocupações reveladas entre os participantes:

  • 30% da população brasileira têm menos de 15 anos e 7% têm mais de 65 anos, mas esta última faixa tende a crescer mais nos próximos anos;
  • 30% da população brasileira trabalha sem carteira assinada e sua perspectiva é apenas a de aposentadoria por idade.

  Por falar em privilégios
Privilégios são vantagens estabelecidas em leis, e podem ser alteradas a qualquer tempo. Segundo o jurista Geraldo Facó Vidigal, antigo professor adjunto concursado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor doutor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o privilégio não é um direito pessoal, é um direito vinculado a um cargo ou função. A pessoa só desfruta enquanto ocupa uma certa função, para a qual alguma espécie de norma especificou um direito. Até mesmo uma norma administrativa pode criar o privilégio, como um carro oficial, um motorista para este carro, uso 24 horas, etc. É o caso dos carros oficiais do presidente da República, que ainda rodam livres das regras gerais de trânsito, velocidade ou barreiras legais de qualquer ordem.

Cada função ou cargo público tem prioridades e diferentes necessidades funcionais para exercê-lo. Baixam-se normas para apoiar o seu trabalho, criando privilégios, não para a pessoa, mas para quem exerce o cargo. Evidentemente, esse privilégio não gera um direito adquirido, quando a pessoa deixa a função, o privilégio se extingue.

Um exemplo é a utilização de aviões da FAB por autoridades não militares. Todo avião deve voar determinado número de horas, sob pena de sofrer problemas. É perfeitamente lógico que autoridades – ou até cidadãos comuns – possam utilizar serviço de transporte aéreo público, mesmo gratuitamente, desde que haja espaço para oferecer a carona. Este “voar de graça”, todavia, pode ser mal interpretado pela mídia. Por isso, muitas vezes a Aeronáutica prefere que seus aviões voem vazios.

O professor Geraldo Facó Vidigal, tendo em vista o déficit atuarial das aposentadorias do setor público federal, estadual e municipal de quase R$ 2 trilhões, e ainda considerando que os servidores públicos têm direito adquirido à irredutibilidade dos vencimentos, propõe que Emenda Constitucional defina que os percebimentos dos servidores públicos passem a ser compostos de uma parte correspondente a vencimentos, montando a um máximo de 40% dos recebimentos, e de uma parte correspondente a Proventos de Atividade. Os vencimentos permaneceriam irredutíveis e no mesmo valor vigente na data da entrada em vigor da Emenda Constitucional, sem correção monetária ou acréscimos até que a relação entre vencimentos e Proventos de Atividade atinja o equilíbrio mínimo previsto nesta Emenda. A Emenda Constitucional preveria que leis (federal, estaduais e municipais), venham no futuro a reorganizar o equilíbrio local entre vencimentos e Proventos de Atividade conforme as realidades orçamentárias de cada Unidade Federativa. Pela aposentadoria do servidor público concursado se extingue o direito ao Provento de Atividade.

OS PENDURICALHOS
A criatividade é amiga íntima dos executivos públicos e parlamentares que cuidam, mesmo que indiretamente, da administração de salários dos servidores públicos. Destacam-se nisso aqueles que cuidam dos salários nos poderes Judiciário e Legislativo.

Ganham relevo as “secretarias parlamentares” dos senadores, deputados e vereadores em todo o país. Com número variável de “secretários”, elas atendem a mais de 60 mil senadores, deputados e vereadores, Brasil afora. Os 55 vereadores de SP, por exemplo, têm 1.052 servidores de sua nomeação na folha de pagamento da Câmara Municipal. É uma forma de manter cabos eleitorais remunerados.

Há ainda, os diferentes tipos de adicionais salariais votados em 5.598 câmaras ou assembleias em todo o país, dentre eles alguns que irritam o pagador de impostos, como os auxílios-moradia, auxílios-educação e verbas indenizatórias, devidas a magistrados e parlamentares.

Até em funcionários comuns essa parafernália de penduricalhos se faz presente, como mostra a foto, estampada nas redes sociais em fevereiro deste ano. A comparação deste contracheque com um holerite privado daria bem a medida desta distorção.


LUIZ FERNANDO RUDGE

é consultor financeiro, foi editor de Economia e Finanças do jornal Folha de S. Paulo e do jornal “Investimento”, da Gazeta Mercantil, e autor de livros sobre mercado financeiro, mercado do ouro e dicionário de finanças.
rudge@enfin.com.


Continua...