Ponto de Vista

O “S” DO ESG

Em termos conceituais, trabalhamos com a lógica da interconexão entre os fatores Econômicos, Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa. Afinal, eles se interligam o tempo todo. Por isso, sempre dizemos que a Sustentabilidade é um tema transversal e deve permear todas as áreas da empresa. Mas, em termos didáticos, o uso de siglas e estruturas ainda é muito útil. Neste sentido o ESG = Ambiental, Social e Governança, em inglês (a “sigla mais famosa das galáxias”, como o tenho chamado) tem sido precioso para a disseminação desta agenda que traz um novo modelo de mundo. Nesta mesma linha de raciocínio, separar análises por letras é rico e aprofunda as reflexões. É o que faço agora, trazendo à luz o “S” do ESG (ou EESG, como prefiro usar, incorporando o “E” do econômico).

Sempre houve uma certa discussão sobre o “E” ter mais destaque do que o “S”. Que se fala bastante, por exemplo, sobre preservação de recursos naturais e muito pouco sobre direitos humanos. Concordo com o ponto. Será que apenas temos mais dificuldade em abordar a fome e a pobreza do que o desmatamento ou será que de fato as ações ambientais recebem mais atenção e investimento do que as sociais? Difícil dar uma resposta. Mas fato é que a devastadora pandemia da Covid-19 trouxe o “S” para o centro da discussão. Costumo dizer que “descobrimos que somos seres humanos”. Passamos a rever nossos valores, questionar nosso propósito, repensar nossas atitudes. Nós e nossas empresas estão neste movimento. Que bom. Devemos aproveitar este momento e avançar. Pois precisamos.

Quando falamos do “S”, estamos tratando de várias frentes, que têm por base as pessoas. Falamos das relações, políticas e práticas das empresas direcionadas aos seus funcionários, claro, mas também aos fornecedores, clientes, comunidades, governo, sociedade civil organizada... Ou seja, há uma ampla gama de possibilidades de atuação para reverter quadros e alavancar oportunidades. A interessante pesquisa “The ESG Premium: New perspectives on value and performance”, da McKinsey&Company, de fevereiro de 2020, mostrou que em uma década, de 2009 a 2019, cresceu de 40% para 65% os respondentes que entendem que investir nas questões sociais agrega valor também no curto prazo.

O estudo ouviu centenas de executivos C-level e da comunidade de investimentos. É um bom sinal de que estamos compreendendo que a agenda social não é importante só no longo prazo. Porque o que é de longo prazo, muitas vezes, fica para depois… Corroborando com esses dados, a pesquisa da BlackRock, “Sustainability goes mainstream - Global Sustainable Investing Survey”, de setembro de 2020, mostra que 425 investidores de 27 países, incluindo Brasil, que tem US$ 25 trilhões sob gestão, pretendem aumentar de 52% para 58% nos próximos 3 a 5 anos o foco no “S” ao fazer sua alocação de capital. É promissor ver a lente dos investidores e líderes empresariais mirarem o social. Que seja um movimento cada vez mais ampliado e acelerado.

Esses dados são promissores. Mas tem nuances a serem observadas. Na pesquisa “The ESG Global Survey 2021”, que acaba de ser divulgada pelo BNP Paribas e foi feita com 356 investidores institucionais de Europa, América do Norte e Ásia-Pacífico com mais de 11 trilhões de euros sob gestão, o “S” é o pilar do ESG mais desafiador para a integração na análise de investimentos. Metade dos respondentes, 51%, o identificaram assim. O “E” vem em segundo lugar, com 39%. Já o “G” se mostrou mais complexo apenas para 27% dos entrevistados. Um grande foco nas mudanças climáticas por parte dos investidores institucionais tem sido tema recorrente desde o início da pesquisa, em 2017, indicando consistentemente que os aspectos ambientais são menos desafiadores de analisar e integrar do que os sociais.

Quão desafiadores você considera os diferentes componentes do ESG (E, S ou G) quando se trata de avaliá-los e incorporá-los à análise de investimento?

Trazendo de volta a pandemia para a nossa conversa, talvez eu não precisasse recorrer a números para basear a tese de que estamos mais propensos a olhar para o “S” em nosso dia a dia, seja como cidadãos, empresários, líderes, investidores. Mas, como boa jornalista, gosto de fatos e dados. E esses são muito fortes: pesquisa divulgada pelo UBS em junho deste ano com 3,8 mil pessoas com carteira de ao menos US$ 1 milhão em ativos, em 15 mercados (inclui Brasil), foi taxativa: 90% dos entrevistados querem que seus investimentos estejam alinhados aos valores pessoais e cerca de 50% planeja aumentar as doações. Na América Latina, 81% querem fazer a diferença quando aplicam recursos e 73% querem encontrar um propósito mais claro para sua vida.

Por tudo isso, acredito firmemente que tendemos a buscar maior equilíbrio entre as 3 letras, E, S e G, com crescente visibilidade e importância do S. E não porque somos bonzinhos e queremos salvar o mundo. Mas, fundamentalmente, porque o “S” trata de pessoas. De como elas operam, se relacionam e se comportam. De como transformam ou não uma realidade. De como interagem entre si e provocam novos cenários. O “Capitalismo de Stakeholder”, centrado no ser humano, nunca foi tão falado como agora.

Trabalho para o dia em que não precisemos mais de siglas ou adjetivos. O dia em que, quando falarmos sobre “capitalismo”, todos entendam que é um modelo que serve, ao mesmo tempo, às pessoas, ao planeta e à prosperidade. Chegará esse dia.

Sonia Consiglio Favaretto
é especialista em sustentabilidade, conselheira de administração e SDG Pioneer pelo Pacto Global das Nações Unidas.
soniafavaretto@hotmail.com


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