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Sustentabilidade

FINANCIANDO RISCOS DE BIODIVERSIDADE: A EXPOSIÇÃO DE BANCOS BRASILEIROS AOS IMPACTOS À NATUREZA

Relatório do Banco Mundial indica que R$ 811 bilhões da carteira de crédito dos bancos brasileiros estão expostos a riscos relacionados a biodiversidade. Se consideramos que, para evitar a materialização desses riscos, será necessário fortalecer os mecanismos de proteção dos biomas brasileiros, R$ 664 bilhões estariam em risco já que seus beneficiários de crédito operam próximos a fronteiras de áreas prioritárias para biodiversidade. Nesse cenário, a consideração de aspectos do capital natural na avaliação de riscos de instituições financeiras se faz necessária, mirando, além da conservação do meio ambiente, a sustentabilidade econômica da sua atuação.

Em setembro deste ano ocorreu o Congresso Mundial da Natureza, contando com representantes de mais de 160 países. Nesta ocasião, uma vez mais o governo brasileiro foi pressionado a preservar a Amazônia e a biodiversidade do país. O desmatamento e as Mudanças climáticas ameaçam a biodiversidade global, mas, especialmente na Amazônia, essas ameaças podem reverberar em todo o mundo. Lar de cerca de 20% da biodiversidade global e com expressiva influência a regulação do clima mundial, o bioma amazônico vem sendo pressionado pela produção agropecuária e mineradora. De acordo com análise do Banco Mundial, em um cenário de manutenção das práticas atuais, o Brasil perderia 6,5 milhões de hectares de floresta nativa entre 2021 e 2030. Nos últimos 50 anos, 17% da floresta amazônica já foi perdida segundo avaliação da WWF e, uma perda adicional de 20% a 25% no bioma restante, faria com que chegássemos ao ponto de inflexão da Amazônia. Em outras palavras, chegaríamos a um ponto em que seria impossível revertermos os danos já causados e voltarmos ao estágio de conservação atual do bioma.

Dada a urgência do tema, em junho deste ano, foi lançado o escopo e o plano de ação da TNFD (Força-Tarefa para Reportes Financeiros Relacionados a Natureza, sigla em inglês). Esta iniciativa vem na esteira da sua irmã climática mais consolidada, a TCFD (Força-Tarefa para Reportes Financeiros Relacionados ao Clima, sigla em inglês), e surge da necessidade do setor financeiro de entender a quais riscos e oportunidades relacionados a natureza e biodiversidade estariam expostos, seja em seu portfólio de crédito ou de investimento.

Em um primeiro olhar sobre riscos relacionados a natureza do setor financeiro, é possível pensar que não há relação alguma. Contudo, olhando para fora dos muros das agências e escritórios de empresas do setor, surgem alertas sobre como estas organizações serão impactadas indiretamente, seja por conta de uma menor performance de companhias investidas ou pela reduzida capacidade de devedores honrarem com seus compromissos. Dessa forma, seguindo a taxonomia da TNFD, é importante entender que existem duas categorias de riscos relacionados a natureza: físico e de transição.

Primeiramente, os riscos físicos são aqueles relacionados aos impactos financeiros causados por alterações no capital natural. Ou seja, a perda e degradação de serviços ecossistêmicos pode danificar ativos e a infraestrutura de empresas, além de romper suas cadeias de suprimento. Mudanças na capacidade da natureza de prover serviços ecossistêmicos, como a proteção contra enchentes, polinização de culturas agrícolas e controle de erosão, impactam a operação de companhias e, ultimamente, trazem riscos ao setor financeiro. Um exemplo claro são as culturas alimentícias que dependem da polinização por animais, como o cacau e o café, estimando-se que cerca de 75% dessas necessitam deste serviço ecossistêmico. Outro exemplo, porém, menos claro, é a dependência de concessionárias de rodovias pela proteção a deslizamentos que a vegetação presente em encostas é capaz de prover.

O segundo tipo são os riscos de transição, os quais estão relacionados aos ajustes que precisam ser feitos a fim de tornar a economia mais sustentável. As potenciais perdas relacionadas a esses riscos vêm de alterações na nossa sociedade, como, por exemplo, pela adoção de regulações relacionadas a biodiversidade, mudanças de preferências de mercado, litígios e danos reputacionais. Ou seja, a capacidade dos tomadores de créditos em adaptar-se às mudanças necessárias no mercado para uma maior proteção da biodiversidade pode trazer riscos às instituições financeiras.

Nesse sentido, recentemente foi divulgado um relatório pioneiro pelo Banco Mundial, o qual busca entender a exposição das carteiras de crédito dos bancos brasileiros aos riscos relacionados à natureza. Desta maneira, buscou-se compreender como riscos de colapso de serviços ecossistêmicos (risco físico), ampliação de áreas de proteção ambiental e danos reputacionais (riscos de transição) podem impactar empresas que teriam maiores dificuldades em pagar os empréstimos providos pelos bancos do país.

Atualmente, bancos brasileiros emprestam R$ 811 bilhões para empresas que possuem dependência alta ou muito alta de serviços ecossistêmicos, ou seja, 46% dos empréstimos estão alocados a companhias sujeitas a potenciais perdas financeiras devido à disrupção de algum serviço ecossistêmico. Apesar de ser um alerta mirando o médio e longo prazo, nos dias de hoje já se nota que há um percentual maior de empresas dependentes de serviços ecossistêmicos que não honram com o pagamento do crédito concedido a elas. Em seguida, o estudo avaliou justamente o potencial dessas empresas se tornarem mal pagadoras em cenários de colapso de serviços ecossistêmicos. Assim sendo, o percentual do crédito que não é honrado poderia crescer em 9% no cenário de um colapso abrupto em 2030, enquanto, no caso de disrupções mais graduais, o aumento seria da ordem de 4,5%.

Adicionalmente, descobriu-se que R$ 254 bilhões emprestado pelos bancos brasileiros possui exposição ao risco de estar associado a unidades operando em áreas de proteção ambiental, o que representa 15% de toda carteira de crédito. Atualmente, segundo o Ministério do Meio Ambiente, cerca de 28% do território brasileiro são áreas prioritárias para conservação da biodiversidade que ainda não se tornaram protegidas. Assim, avaliando um cenário em que todas as áreas prioritárias para biodiversidade no país se tornem protegidas essa exposição pode chegar a até R$ 664 bilhões. Ademais, hoje, empresas ligadas a controvérsias ambientais são responsáveis por R$109 bilhões do crédito cedido por bancos no Brasil. Deste valor, 59% estão vinculadas a controvérsias severas ou muito severas e podem trazer danos reputacionais aos bancos brasileiros.

É importante ressaltar que o relatório não avaliou a exposição de todo o setor financeiro do Brasil e utilizou premissas conservadoras para chegar nos resultados apresentados, representando um limite inferior dos riscos analisados. Por exemplo, na análise não foram considerados setores que dependem relevantemente, ainda que de maneira indireta, de serviços ecossistêmicos. Ou seja, empresas que somente processam alimentos não foram consideradas como expostas aos riscos relacionados à biodiversidade, ainda que toda sua cadeia de fornecedores seja altamente dependente desse aspecto. Assim, não seria surpresa caso análises subsequentes encontrem cifras ainda superiores às apresentadas. Ademais, é necessário evoluir nas metodologias para quantificação destes riscos. Conforme Catherine Brahic argumenta, apesar da crise de biodiversidade impor riscos a nossa sociedade assim como as mudanças climáticas, uma menor parte da atenção pública esta voltada a esse primeiro assunto. Isso se dá parcialmente porque a perda de biodiversidade não pode ser quantificada tão diretamente como as mudanças climáticas são, utilizando indicadores como ‘partes por milhão de gás carbônico’ ou ‘graus celsius acima da média de temperaturas de antes da revolução industrial’.

O Banco Central Brasileiro (BCB) já caminha para considerar a divulgação de riscos climáticos, ambientais e sociais em linha com a TCFD por meio das resoluções CMN4943, CMN4944, CMN4945 e BCB139, publicadas em setembro deste ano. Entretanto, ainda há uma longa estrada a ser percorrida para que a atenção do BCB e demais reguladores se estenda das questões climáticas para, também, às implicações dos riscos relacionados à natureza, além da conservação da biodiversidade, buscando alinhar-se às recomendações da TNFD quando estas forem desenvolvidas. Além disso, bancos podem começar a caminhar no sentido de identificar e medir sua exposição a perdas de biodiversidade com a ambição de monitorar e mitigar riscos materiais que surjam das suas carteiras de crédito e investimento. Tomando assim, a liderança no tema globalmente, já que, segundo avaliação da ShareAction, nenhum dos 25 maiores bancos europeus possui uma política e ações significativas no sentido da proteção da biodiversidade.

Dado os potenciais impactos macroeconômicos devido a perda de biodiversidade no Brasil, é primordial que empresas, o setor financeiro e o BCB desenvolvam a capacidade de compreender e gerir os riscos associados a natureza. Esta melhor gestão garantirá não somente a segurança do sistema financeiro, mas, também, ajudaria a diminuir os fluxos de capital a atividades que impactam a biodiversidade, reduzindo, assim, a necessidade de recursos para conservação e restauração de serviços ecossistêmicos através da prevenção destes potenciais impactos.

Daniel Carvalho
é especialista em Mudanças Climáticas e Consultoria ESG da Resultante, graduado em Engenharia Ambiental e mestre em Planejamento Energético.
daniel.carvalho@resultante.com.br


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