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Sustentabilidade

PRIMEIROS PASSOS PARA A ESTRUTURAÇÃO DE UMA OPERAÇÃO DE BLENDED FINANCE

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são um conjunto de 17 metas ratificadas por mais de 150 países membros das Nações Unidas, uma chamada à ação pelo fim da pobreza, proteção do planeta e o aumento da paz e prosperidade, a serem atingidos até 2030. Embora o impacto do atingimento dos objetivos seja logicamente positivo ao meio ambiente, à sociedade e à economia – com o aumento da resiliência e da prosperidade global –, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que, para alcançar os ODS no prazo proposto, são necessários recursos adicionais aos já investidos com valor estimado de 2,5 a 3 trilhões de dólares anuais.

A quantia pode parecer significativa, mas representa menos de 1% do total de ativos financeiros globais em circulação de acordo com o Global Wealth Report 2021 do CreditSuisse. O principal problema está, portanto, na desconexão entre o capital global – especialmente o capital privado – e a Agenda 2030.

Segundo a OCDE, há cinco fatores centrais que limitaram o acesso do capital privado ao financiamento dos ODS:

Segundo a OCDE, há cinco fatores centrais que limitaram o acesso do capital privado ao financiamento dos ODS:

As soluções para ultrapassar essas barreiras e direcionar maiores fluxos de capital privado a projetos e empresas que contribuem para o desenvolvimento econômico sustentável requerem a articulação entre diferentes agentes do setor público, privado e financeiro. O mecanismo de Blended Finance tem sido amplamente debatido por viabilizar a construção de soluções financeiras que integram diferentes capitais como:

  • Capital de desenvolvimento, cuja prioridade é gerar impacto socioambiental e promover desenvolvimento de mercado e/ou territorial e, para isso, está disposto a assumir taxas de risco e retorno mais pacientes do que o mercado tradicional; e
  • Capital comercial que, em princípio, não investiria originalmente nesses mercados, mas com a entrada do capital de desenvolvimento, acaba atraído para investir com risco e remuneração compatíveis com o mercado.

A prática do Blended Finance permite a utilização de diversos instrumentos e estruturas jurídicas, trazendo benefícios às organizações envolvidas na promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Esses benefícios podem ser concedidos em diversos formatos, a depender do estágio de maturidade do mercado e da fase de desenvolvimento do projeto a ser apoiado, por exemplo sob a forma de assistência técnica, incentivos comerciais ou mediante a adoção de mecanismo de garantia que reduza o risco do investimento e assegure a preservação do capital investido.

Enquanto no Brasil o assunto ainda é novo e de pouco conhecimento da maioria dos participantes do mercado, internacionalmente é possível notar o grande interesse no tema por importantes bancos privados, organizações multilaterais e por investidores filantrópicos como a Shell Foundation, Bill & Melinda Gates Foundation e Rockefeller Foundation. Nos últimos cinco anos, a Convergence, rede global que gera dados, inteligência e estimula operações de Blended Finance, pesquisou aproximadamente 680 operações que somam cerca de US$ 9 bilhões, realizadas com a participação de mais de 1.450 investidores. Entre 2018 e 2020, 10% desse valor foi investido por organizações não governamentais (incluindo fundações), 15% por investidores de impacto, 29% por investidores tradicionais (capital comercial), 12% por agências de desenvolvimento e 35% por bancos multilaterais e instituições financeiras de desenvolvimento.

Se por um lado as operações de Blended Finance vêm atraindo um considerável fluxo de capital privado para financiamento de projetos alinhados às metas dos ODS, por outro é preciso considerar que a estruturação de operações com essa abordagem pode ser desafiadora. Por essa razão, diferentes organizações apoiam instituições interessadas em desenvolver projetos inovadores na agenda de Blended Finance, como é o caso da Climate Policy Iniciative (CPI) que, desde 2016, abre um processo seletivo para oferecer consultoria técnica a esses projetos. Além da CPI, há cerca de dois anos, o Grupo de Trabalho de Impacto do LAB de Inovação Financeira – fórum multissetorial gerido pela Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a agência de cooperação internacional do governo alemão (GIZ) – vem se dedicando a explorar os desafios para o escalonamento dessas estruturas no país. O grupo também acompanha quinzenalmente projetos pilotos de Blended Finance idealizados por atores públicos e privados que desejam engajar múltiplos stakeholders para, de forma estratégica e coordenada, atuarem no atingimento de um ou mais ODS.

Nesse contexto, cabe a pergunta: Quais são as etapas iniciais que precisam ser percorridas para a estruturação de uma operação de Blended Finance por uma organização que ainda não tem experiência no tema?

Inspirado em um framework da OCDE, é possível identificar um caminho a ser adotado por organizações (públicas ou privadas) que desejem fazer uso do Blended Finance, com uma estimativa inicial do tempo de conclusão para cada etapa. Assim, cada organização pode avaliar a sua maturidade, ambição e preparo para a estruturação de operações dessa natureza.

Passos para estruturação de uma operação de Blended Finance
Passos para estruturação de uma operação de Blended Finance
Figura 1: Produção Rachel Sampaio e Resultante ESG, inspirado no Guia da OCDE.

1. Diagnóstico: reconheça o nível de engajamento da sua organização. A primeira etapa consiste na compreensão do nível de engajamento que a organização possui com o tema e do comprometimento com o atingimento e mensuração de impacto socioambiental. Aqui, a organização deve reconhecer se tem experiência, conhecimento e interesse no tema, o que permitirá a compreensão das suas capacidades e limitações, e será essencial na definição de metas consistentes e alinhadas à sua missão. Ao final desse diagnóstico, a organização precisa ser capaz de perceber se há alguma barreira regulatória, legal, mercadológica, cultural ou de qualquer outra natureza, assim como a sua capacidade de implementar as iniciativas e monitorar o impacto socioambiental pretendido.

2. Engajamento: aumente o nível de informação e engajamento na sua organização. Para que a organização possa ingressar nessa jornada, é fundamental compreender os conceitos envolvidos, os potenciais benefícios e desafios. Devem ser avaliadas e ponderadas as prioridades dos líderes, assim como o objetivo do uso do mecanismo de Blended Finance. Recomenda-se a comunicação sobre o tema com o máximo de pessoas da equipe, a fim de colher impressões, riscos e oportunidades.

4. Alinhamento: estabeleça um conjunto preliminar de objetivos e princípios. Com o entendimento e engajamento da liderança, é importante alinhar os objetivos e princípios que serão incorporados na estratégia. Esses objetivos devem ser específicos, realistas, ancorados em um prazo previamente definido e com atividades e atribuições direcionadas a membros determinados da organização. Nesta fase, é possível trabalhar na Teoria da Mudança do Projeto, documento no qual ficará claro quais são as metas no curto, médio e longo prazo e quais são as atividades a serem realizadas. Ainda, segundo a OCDE, nesta etapa é preciso endereçar cinco dimensões:

POR QUÊ?
Apresentar estratégia ancorada no desenvolvimento sustentável. Propor objetivos de desenvolvimento e impacto socioambiental claros e precisos, idealmente relacionados ao desenvolvimento sustentável de um território ou de um mercado incipiente – os ambientes mais propícios ao uso do Blended Finance.

QUEM?
Mobilização do capital comercial. O capital de desenvolvimento deve criar o nível de segurança e rentabilidade ideal para a atração do capital comercial com base no contexto local, setorial e condições de mercado.
Parcerias eficientes. As estruturas devem:
a) Permitir que cada parte se engaje nas bases do seu mandato e obrigação, enquanto respeita o mandato dos outros;
b) Alocar riscos em uma base balanceada e sustentável; e
c) Visar sempre a escalabilidade.

ONDE?
Endereçar o contexto local. Nessas operações, é fundamental compreender as especificidades do mercado ou o contexto local que se pretende desenvolver.

COMO?
Governança. A estrutura deve apresentar governança capaz de atuar sobre os desafios financeiros e de impacto aos quais o projeto será submetido ao longo do tempo. É essencial a criação de conselhos consultivos ou deliberativos (com representatividade dos atores locais), fluxos e processos compatíveis com o objetivo do projeto.

MONITORAMENTO
Transparência. As operações de Blended Finance devem ser monitoradas com frameworks claros, que contenham tanto os fluxos e taxas de retorno financeiro, como as métricas de acompanhamento dos impactos social e ambiental almejados.

4. Formalização. Esta é a fase de formalização dos acordos necessários para a execução do projeto com os parceiros de fora da organização. É importante formalizar, em linguagem acessível a todos, quais são as responsabilidades de cada parte e como os fluxos operacional e financeiro funcionarão. Quando bem desenhada, esta etapa detalhará as expectativas de todos os envolvidos e poderá evitar o surgimento de conflitos ao longo do projeto.

5. Piloto. Inicie um projeto piloto, preferencialmente pequeno, a fim de ganhar experiência e testar se as premissas assumidas estão corretas, assim como quais são os elementos que devem ser ajustados em uma próxima abordagem. É preciso agir com pragmatismo e liderança, e colher os aprendizados e pontos de melhorias em todas as fases do projeto.

Após o primeiro piloto, recomenda-se, na medida do possível, compartilhar esses aprendizados publicamente, a fim de estimular e apoiar mais organizações a passarem por essa jornada.

O mecanismo de Blended Finance tem o potencial de atrair o capital privado para o financiamento de projetos rentáveis que contribuam para o desenvolvimento econômico sustentável. Porém, antes de decidir se sua organização utilizará essa abordagem, é necessário entender se seus objetivos e mandato são compatíveis com a proposta. O Blended Finance pode ser uma abordagem estratégica para a ampliação do impacto da organização, a partir da estruturação de operações com uma relação de risco e retorno equilibrada e compatível com os padrões de mercado. Por outro lado, requer comprometimento com os princípios da OCDE, engajamento de múltiplos stakeholders e acompanhamento de métricas de impacto. Este artigo oferece um panorama dos primeiros passos para o uso do mecanismo e te ajudará a identificar se essa é uma estratégia adequada à realidade da sua organização.

Rachel Sampaio
é bacharela em Direito pela PUC-Rio. Atuou por mais de 15 anos na área societária e de mercado de capitais, com especialização em fusões e aquisições, venture capital e private equity, reestruturação patrimonial e finanças corporativas. Atualmente, é head de ESG & Impact Investments na Resultante ESG, coordenadora do Grupo de Trabalho de Impacto do LAB de Inovação Financeira e sócia da Plataforma Investimentos Platta.
rachel.sampaio@resultante.com.br

 
 
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