Voz do Mercado

ASSEMBLEIAS DIGITAIS, BOLETIM DE VOTO A DISTÂNCIA E A OPORTUNIDADE DE FAZER A DIFERENÇA

O regime jurídico aplicável às Assembleias Gerais passou por substanciais modernizações recentes, que adequaram o Brasil às melhores práticas internacionais e trouxeram novidades para promover maior engajamento dos acionistas nos eventos societários, por meio de mudanças sistêmicas nas assembleias.

Primeiro, a Lei 12.431 havia previsto em relação às companhias abertas a possibilidade de que os acionistas participassem e votassem a distância, conforme regulado pela à época vigente Instrução CVM 561, que fez modificações na então Instrução CVM 481. A Instrução CVM 561 tratava o voto a distância como um direto do acionista das companhias abertas, que poderia ser exercido por meio do envio do Boletim de Voto a Distância (BVD).

Mais recentemente, a Lei 14.030 (fruto da conversão da Medida Provisória 931) introduziu no Brasil as Assembleias Digitais - aquelas em que todos os rituais e procedimentos assembleares são realizados eletronicamente, valendo-se de tecnologia e comunicação remota. As Assembleias Digitais podem assumir diversas formas, e, na maioria dos casos, não há encontro físico entre os acionistas, substituindo-se os elementos típicos do sistema tradicional das assembleias por interações virtuais.

Por conta destas mudanças, atualmente, fala-se que as Assembleias Gerais podem se organizar basicamente em três formatos:

  1. Assembleia Tradicional, realizada de maneira exclusivamente presencial, sem interfaces de participação e/ou votação a distância;
  2. Assembleia Digital, realizada integralmente a distância, valendo-se da tecnologia; e
  3. Assembleia Híbrida, combinando as características das Assembleias Tradicionais com elementos das Assembleias Digitais.

No ano de 2020, eu tive o privilégio de publicar o livro ‘Assembleias Digitais e outros Reflexos das Tecnologias nas Assembleias de S/A’. O trabalho correspondeu à versão final, com revisões posteriores, da minha tese de doutorado em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo.

O tema me rendeu a oportunidade de contribuir nas iniciativas legislativas que resultaram nas já citadas Medida Provisória 931 e Lei 14.030. As formulações acadêmicas da tese puderam ser, em grande parte, transpostas ao direito posto, em um tema atual, mas também desafiador, em especial, por conta dos riscos de se tornar obsoleto rapidamente diante dos avanços tecnológicos – capazes de simplificar e promover exercício de direitos dos investidores do Mercado de Capitais.

É inegável que o uso da tecnologia no Direito Societário e, especialmente no ambiente do Mercado de Capitais, tem ganhado cada vez mais intensidade. Igualmente, as normas editadas pela CVM estão em constante evolução. Neste sentido, a Resolução CVM 81, que regula a temática das assembleias de acionistas, está aberta para refinamentos. A CVM está extraindo aprendizados das experiências práticas e das evoluções tecnológicas, buscando melhorias e ajustes em temas pertinentes à participação e votação a distância, inclusive por meio do BVD, da mesma forma que pretende aprimorar os contornos sobre as escolhas e os efeitos das formatações modernas das Assembleias Gerais.

A Consulta Pública iniciada pela Autarquia em setembro apresenta sugestões de alterações da Resolução 81, tais como: (i) a ampliação das hipóteses de obrigatoriedade de divulgação do BVD para todas as assembleias de acionistas – gerais ou especiais, ordinárias ou extraordinárias; (ii) a inovação na forma de participar e votar a distância, facultando à companhia disponibilizar locais físicos acessórios para participação de acionistas nas assembleias em tempo real; (iii) o aperfeiçoamento do BVD em diversos temas, incorporando a experiência da CVM na aplicação da Resolução CVM 81 nos anos recentes; (iv) a inclusão de casos de dispensa da obrigatoriedade de disponibilização do BVD, reduzindo o custo de observância para companhias nos casos em que os investidores não estejam se beneficiando do mecanismo; (v) ajustes no fluxo de transmissão das instruções de voto, de modo a otimizar a utilização do prazo para coleta, processamento e contagem de votos pelos entes regulados envolvidos no processo; e (vi) inclusão de explicações sobre a formatação assemblear a ser adotada (tradicional, digital ou híbrida).

A reforma sugerida pela CVM abre caminho para a modernização e a ampliação das formas de realização das assembleias de acionistas, facilitando não apenas a votação, mas, também, a efetiva participação a distância. Estamos, ainda, diante de mais uma oportunidade de fazer bom uso da tecnologia com o objetivo de reduzir os ônus financeiros suportados por acionistas para participação em assembleias, sem gerar ônus financeiros maiores para companhias e demais prestadores de serviço envolvidos no processo de votação a distância.

Os aperfeiçoamentos indicados pela Autarquia também buscam promover maior engajamento e empoderamento dos acionistas, em especial, dos investidores de varejo. Eu acredito que empoderar, dar voz e vez aos investidores de varejo, é sinônimo de inclusão, o que está diretamente alinhado ao que tenho chamado de Open Capital Markets, a democratização do Mercado de Capitais, que tem como base um conjunto de ações com o propósito de facilitar a jornada do cidadão, com mais entendimento, confiança e agilidade em suas operações.

E por falar em propósito, eu entendo que a evolução das Assembleias Gerais deve seguir em direção a alguns princípios básicos. É fundamental incentivar e valorizar a participação ampla e efetiva dos acionistas nas assembleias, assim como promover um tratamento equitativo e igualdade de oportunidades para todos os acionistas e participantes, respeitadas as especificidades de direitos detidos por cada um. Precisamos criar mecanismos para que exista uma interação entre os participantes presenciais e os remotos. É importante a geração de oportunidades concretas para um engajamento efetivo entre acionistas e membros da administração e as devidas comunicações e esclarecimentos, por parte das companhias, aos acionistas e demais participantes sobre os benefícios do formato escolhido para a assembleia. E, independentemente da formatação escolhida, as assembleias devem ser utilizadas como um mecanismo efetivo para promover diálogo aberto entre acionistas, membros da administração e a própria companhia.

Concluo este artigo estimulando você, leitor e participante do Mercado de Capitais brasileiro, a compreender que a sua palavra tem força. Pegue o seu celular, acesse o QR Code abaixo, verifique a íntegra da Consulta Pública aberta pela CVM e envie, até o dia 24 de novembro, seus comentários e contribuições por meio do e-mail conpublicaSDM0123@cvm.gov.br.

Um Mercado de Capitais forte é aquele construído a diversas mãos. Que tal fazer parte desse movimento?

João Pedro Nascimento
é presidente da Comissão de Valores Mobiliários - CVM.
joao.pedro@cvm.gov.br


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