Conselho de Administração

O PAPEL DO CONSELHO EM FUSÕES & AQUISIÇÕES

M&A como opção estratégica
O Conselho de Administração precisa praticar o pensar estratégico para estar atento aos sinais de seu ambiente de negócios, que podem definir eventuais mudanças nas ações e no planejamento estratégico em curso, o que inclui a revisão de seu portfólio de negócios e, consequentemente, a possível decisão de seguir com o plano de M&A (mergers and acquisitions, em inglês e fusões e aquisições, em português).

Trata-se de um processo que exige disciplina, estado de alerta permanente e abertura para reconhecer potenciais rupturas advindas de tecnologias emergentes, alterações na arena competitiva, mudanças nas tendências do mercado, contextos legais e regulatórios, entre outras questões.

Além de fusões e aquisições propriamente ditas, potenciais desinvestimentos e estruturas alternativas, como alianças estratégicas ou joint ventures, também são consideradas operações de M&A sobre as quais o conselheiro deve se informar e refletir, podendo, a qualquer momento, ser chamado a deliberar ou a contribuir no processo decisório. Até onde vai o papel e a responsabilidade do conselheiro nesse contexto?

Independentemente do previsto no estatuto da empresa (que pode ou não determinar a obrigatoriedade dessa deliberação pelo colegiado), o conselheiro deve sempre contribuir para a preservação e/ou geração de valor e a mitigação dos riscos envolvidos numa operação desta natureza, em linha com os deveres de diligência e lealdade previstos na Lei das Sociedades Anônimas (LSA).

A pergunta-chave é “Qual o papel do M&A na estratégia corporativa?”, ou seja, em quais negócios a empresa deve estar presente e como cada negócio pode contribuir para a posição competitiva da empresa com um todo. É fundamental que esta questão seja cuidadosamente avaliada antes de se avançar em qualquer movimento de M&A. Crescimento, aceleração da entrada em novos mercados, monetização de ativos para investimentos ou pagamento de dívidas, melhoria do desempenho operacional, reforço da posição competitiva, reposicionamento estratégico, busca de capital para sustentar a execução da estratégia? Essas são algumas das possibilidades, mas não as únicas. Estratégia e visão de longo prazo estão no cerne da missão de um Conselho diligente. Embora surpresas boas e más sempre possam existir, elas deveriam ser a exceção, não a regra.

Uma vez que o M&A ganhe protagonismo nessa estratégia, ele deveria contar com um planejamento próprio. As empresas devem saber articular por quê precisam do M&A para endereçar os objetivos em suas estratégias. “Quando não há uma conexão clara entre a estratégia de M&A e a estratégia corporativa, os negócios podem falhar” (Clarke, Uhlaner & Wo, 2020, p. 2). Essa necessidade se torna ainda mais premente em holdings – ou seja, nas organizações que têm o mandato de gerir portfólio de unidades de negócio. Neste caso, a estratégia corporativa deve conter a implementação de um conjunto de M&As no horizonte de planejamento em questão.

As principais escolhas estratégicas são exatamente o momento oportuno de entrar e/ou sair de setores de atuação, ou alterar a “configuração” com que as unidades de negócio estão estruturadas para “entregar” a mais valia aos stakeholders. Para que isto ocorra de maneira consistente, o plano estratégico corporativo deve estar totalmente alinhado com a dinâmica de cada setor de atuação, visando obter maior clareza em relação ao momento de se iniciar investimento e/ou desinvestimento e, desta forma, aumentar as chances de maximizar o valor do portfólio de negócios.

Um efetivo plano de M&A deve estabelecer os parâmetros que definem as condições de contorno de certos tipos ou tamanhos de negócios desejados, no intuito de estreitar o escopo de potenciais alvos, refletindo, assim, as melhores oportunidades de criação de valor para a empresa, focadas na sua tese de investimento. Deve-se identificar os critérios-chave de negócios, o que pode ser feito por meio da categorização de alvos potenciais por geografia, canal de vendas, tipo de produto etc., bem como utilização de métricas de triagem dos alvos, considerando, por exemplo, tamanho da empresa, número de funcionários, acesso a novos mercados, crescimento de receita, portfólio de produtos (Clarke et al., 2020). A partir daí, as oportunidades podem ser devidamente mapeadas e, dificilmente, uma delas surgirá “do nada” como mencionado acima.

Muitas empresas estão expandindo suas abordagens tradicionais de M&A para incluir uma visão multifacetada e expansiva, voltada para alcançar uma gama mais ampla de estratégias de crescimento. Esta é uma mudança sistêmica e não meramente incremental. Alternativas a M&A, que demandem menos comprometimento de longo prazo, tais como alianças estratégicas, parcerias (baseadas em contratos de cooperação ao invés de posse de ativos e hierarquia), joint ventures e empresas de aquisição de propósito específico (SPACs – Special Purpose Acquisition Companies), expandem o papel estratégico que os M&As podem desempenhar.

Novos contextos socioeconômicos também impactam os movimentos de M&A. Nos últimos anos, os aspectos ambientais, sociais e de governança (ESG - Environmental, Social and Governance) têm influenciado, por um lado, desinvestimentos em unidades de negócio que que não atendam aos novos propósitos das organizações ou até a certas imposições regulatórias; e, por outro, tornam atraentes ativos com características ESG, antes ignorados, para empresas que precisam acelerar sua jornada ESG de transformação, incorporando produtos, tecnologia e cultura de sustentabilidade. O “M&A continua sendo uma opção estratégica crítica para aumentar as capacidades em tecnologia, talento e inovação, bem como estratégias ambientais, sociais e de governança” (EY, 2022, p.1).

Dentre as inúmeras abordagens para se analisar estrategicamente oportunidades de M&A, o uso de lentes de estratégias “ofensivas” e “defensivas” pode ser uma forma de aferir se a empresa precisa proteger a posição que possui, buscar ganhos ou visar progresso transformador. As estratégias defensivas visariam preservar o valor e a posição da empresa, enquanto as estratégias ofensivas teriam como objetivo avançar em sua posição e reescrever o jogo de acordo com seus planos (Deloitte, 2022). Em ambas as abordagens poderíamos incluir a aquisição ou desinvestimento de negócios por motivações ligadas a sustentabilidade.

Objetivos estratégicos adicionais, que justificariam adquirir outra empresa, incluem aumento da eficiência das operações atuais da compradora, tais como economias de escala e/ou de escopo, redução da competição, exercício de poder de mercado; e/ou transformação do modelo de negócio da empresa compradora, que contemplaria acesso a tecnologia, aprendizado ou cultura organizacional (Christensen, Alton, Rising & Waldeck, 2011). Operações bem-sucedidas de M&A, além de bem precificadas e com uma integração pós-fusão bem estruturada, devem ter sua lógica estratégica claramente definida. Quanto à tese da escalabilidade, é importante estar atento aos riscos de não se concretizarem as sinergias esperadas, especialmente em grandes empresas que já operam na escala eficiente mínima. Esses objetivos adicionais devem levar em conta a reação de stakeholders, agências reguladoras, órgãos de defesa da concorrência, entre outros.

Good deal. Not any deal
Uma oportunidade de aquisição não pode ser avaliada como boa ou ruim em essência. Diante de uma oportunidade de M&A, planejada ou emergente, o Conselho precisa se certificar de que, em curto ou longo prazo, haja perspectiva de geração de valor, ponderando-se os riscos envolvidos. Isso depende de aderência estratégica, culturas das empresas envolvidas, valuation, sinergias, avaliação dos riscos regulatórios, ambientais, trabalhistas, tributários e operacionais, dentre outros. Estas são algumas das questões que devem ser observadas pelo colegiado.

Outras questões relevantes, são em muitos casos, insuficientemente avaliadas/exploradas, em particular elementos que serão vitais no pós-deal – nomeadamente temas de natureza organizacional, governança e liderança. Todavia, não se pode minimizar as complexidades adicionadas à organização e cabe ao Conselho desafiar essas dimensões e complexidades. Quanto maior a aquisição, maiores os riscos envolvidos, especialmente se não houver uma estratégia de diversificação muito clara que a justifique. Da mesma forma, quanto mais próximo do core business, maiores as chances de sucesso.

Concluindo a operação de M&A
Para o fechamento de um negócio, os conselheiros devem considerar os componentes críticos que devem ser cuidadosamente gerenciados e executados para garantir resultado bem-sucedido. De forma resumida, alguns dos aspectos mais importantes do fechamento de um acordo de M&A incluem:

  • negociar a estrutura do deal visando bom entendimento sobre os termos do acordo, incluindo o preço e as condições de pagamento (tais como prazo, coberturas, provisão de escrow account e de earn-out), bem como as responsabilidades da compradora e da vendedora.
  • realização de due diligence é essencial para garantir que ambas as partes tenham compreensão clara do negócio, incluindo sua saúde financeira, operações e riscos potenciais. Isso envolve revisão completa das demonstrações financeiras, contratos e outros documentos relevantes, bem como entrevistas com as principais partes interessadas para se julgarem as premissas de geração de valor. Serve também para determinar limites de responsabilidades do vendedor relacionados a passivos conhecidos e não conhecidos, cujos valores e condições de indenização devem constar nos contratos da transação; 
  • havendo necessidade de aprovação do Conselho de Administração ou da Assembleia Geral dos Acionistas, é necessário deixar claro essa condição para a outra parte, para que a empresa possa se comprometer definitivamente;
  • deve-se dar atenção à confidencialidade sobre o deal enquanto as negociações estiverem em andamento, sob pena de haver riscos de pedidos de indenização de uma das partes caso o negócio não venha a ser concretizado. Ao longo deste processo, há chances de vazamento da negociação em curso (o que, para empresas de capital aberto, tem consequências de grande magnitude) e o Conselho deve estar atento a esse risco. O anúncio público da operação deve ser feito de forma coordenada entre as áreas de RI das partes compradora e vendedora; 
  • financiamento é componente essencial de qualquer negócio de M&A, ou seja, é crucial garantir financiamento adequado para concluir a transação. Isso pode envolver a obtenção de capital de investidores ou de empréstimos de instituições financeiras;
  • os acordos de M&A devem observar a conformidade regulatória, isto é, devem estar em conformidade com ampla gama de requisitos regulatórios, incluindo leis antitruste, regulamentos de valores mobiliários e leis tributárias. O não cumprimento desses regulamentos pode resultar em consequências legais e financeiras significativas;
  • uma vez que o negócio tenha sido fechado, o trabalho real começa. O planejamento de integração é essencial para garantir uma transição suave e maximizar os benefícios da transação. Isso envolve planejamento e coordenação cuidadosos em todos os aspectos do negócio, incluindo finanças, operações e pessoal. Ajustes de culturas organizacionais, particularmente entre empresas de diferentes países/regiões, e de processos operacionais e administrativos devem ser cuidadosamente realizados. Políticas de retenção de pessoas-chave devem ser cuidadosamente implementadas.

No geral, fechar um acordo de M&A requer planejamento cuidadoso, atenção aos detalhes e profunda compreensão do cenário de negócios, indústria e regulamentação. Nesse contexto, a depender da dimensão e riscos envolvidos na operação, o envolvimento e a supervisão dos conselheiros podem variar, sempre buscando equilíbrio: nem laissez-faire nem micro gerenciamento.

Os aspectos estratégicos da decisão de aquisição ou venda de ativo devem ser a prioridade dos conselheiros. Porém, não se deve perder de vista importância do planejamento pré-fechamento e da integração pós-fechamento.

Consideração finais
Em processo de M&A, o Conselho de Administração e os conselheiros devem estar atentos à criação de valor para os acionistas e, ao mesmo tempo, à gestão de riscos. Aqui nos referimos também à arte e não apenas à metodologia – ou seja, conhecimento do setor de atuação da organização, ambiente regulatório, finanças, as principais macro forças que afetam ou irão afetar a oferta de valor da organização, culturas organizacionais, banco de talentos do primeiro escalão da organização, entre outros. Estes são os diferentes blocos de informação que juntos comporão um mosaico empresarial que irá formar uma visão ampla a ser debatida para se decidir se a transação deve ou não ser fechada.

Justamente por estarem muito próximos da operação, o time de executivos nem sempre tem uma visão abrangente dos diferentes elementos e em certas ocasiões tem dificuldade em construir a visão do todo. A disposição em envolver-se em alguns temas de cunho mais técnico (p.ex.: valuation, diligência estratégica etc.) é absolutamente natural e esperada. Para isso o envolvimento dos conselheiros ao longo das diversas etapas do processo é vital para aconselhar o time de executivos, inclusive criando “pontos de saída” da operação quando a mosaico empresarial não fizer sentido em algumas de suas dimensões.

A participação atenta dos conselheiros não acaba na concretização da transação. Diríamos até que é a partir desse momento que se inicia de forma mais diligente, de vez que será tarefa importante no pós-deal assegurar a implementação das sinergias e das integrações culturais e organizacionais inicialmente identificadas. Os novos clientes e fornecedores, que agora fazem parte de uma só entidade, devem ser devidamente incorporados à dinâmica empresarial. O novo mosaico exige mudança na agenda do Conselho, nas métricas de avaliação do negócio e do time de executivos, mas, sobretudo, na forma de gerir os riscos do novo negócio e de garantir a realização das expectativas.

Nota: Este artigo é resultado de estudos desenvolvidos por grupo de trabalho vinculado à Comissão de Estratégia do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Para o a versão integral do textooriginal  que gerou este artigo, acesse: https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=24646

Cecília Andreucci
é conselheira de administração certificada pelo IBGC, é membro de conselhos em diversas empresas. Foi executiva e sócia de consultoria especializada em fusões e aquisições. Administradora (PUC- Rio), mestre em práticas de consumo (ESPM) e doutora em ciências da comunicação (USP).
cecilia.andreucci@gmail.com

Eliane Lustosa
é conselheira de administração certificada pelo IBGC, é membro de conselhos de administração em diversas empresas. Foi executiva de finanças, quando conduziu processos de M&A. Bacharel e mestre em economia (PUC Rio), doutora em finanças (PUC-Rio).
eliane.lustosa@elmoinho.com.br

Ivo Godoi Junior
é conselheiro de Administração e sócio de consultoria internacional onde lidera a prática Consumer, Industrials and Services. Graduado em ciências da computação (Mackenzie), MBA pela University of Illinois at Urbana-Champaign e mestre em consultoria e transformação (HEC Paris & Oxford University).
ivo.godoi@gmail.com

Jorge Carneiro
é conselheiro de administração certificado pelo IBGC, é professor de estratégia e negócios internacionais e coordenador acadêmico do OneMBA – MBA executivo global da FGV. Editor-chefe da Revista de Administração de Empresas. Engenheiro eletrônico e mestre em administração (PUC-Rio), doutor em negócios internacionais (COPPEAD/UFRJ).
jorge.carneiro@fgv.br

Mathias Mangels
é coordenador deste grupo de trabalho; Membro de conselhos de administração e consultivos em diversas empresas. Sócio de consultoria internacional com foco na formulação de estratégias inovadoras de crescimento e governança da estratégia. Engenheiro mecânico e administrador (Mackenzie), MBA (INSEAD).
mathias@symnetics.com.br


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