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Entrevista

LEONARDO PEREIRA, PRESIDENTE DA CVM

O engenheiro e economista Leonardo Pereira, a frente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desde novembro de 2012, está empenhado para acelerar o trâmite dos processos sancionadores e, também, para que as punições às companhias que cometem irregularidades sejam mais rigorosas, desencorajadoras de novos atos prejudiciais ao mercado. A autarquia já preparou um projeto de lei que, entre as sanções, prevê valores de multas atualizados e compatíveis com as dimensões das infrações. Com um mandato vigente até 14 de julho de 2017, Leonardo afirma, com entusiasmo, que a CVM tem conseguido cumprir as metas estabelecidas em seu plano estratégico. 

Antes de assumir a CVM, Leonardo Pereira foi vice-presidente executivo e de Relações com Investidores da Gol Linhas Aéreas, além de ter sido conselheiro e presidente da Companhia Vale do Araguaia. Foi também diretor de planejamento corporativo e de relações com investidores da Globopar e diretor executivo financeiro da Net Serviços de Comunicação. Formou-se como engenheiro de produção e como economista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade Cândido Mendes, respectivamente, tendo cursado o programa de Executivo Sênior na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

A seguir, acompanhe a entrevista concedida por Leonardo Pereira, com exclusividade, à Revista RI:

RI: Neste mês de julho, a Lei no. 4.728/65 - que disciplina o mercado de capitais, completa 50 anos de sua promulgação. O primeiro objetivo dessa Lei é facilitar o acesso do público a informações sobre os títulos ou valores mobiliários distribuídos no mercado e sobre as sociedades que os emitirem. Outros dois relevantes intuitos são: proteger os investidores contra emissões ilegais ou fraudulentas de títulos ou valores mobiliários e regular o exercício da atividade corretora de títulos mobiliários e de câmbio. Como o senhor avalia a evolução do nosso mercado ao longo desses 50 anos?

Leonardo Pereira: Com essa pergunta, me lembrei de quando comecei a trabalhar no mercado há mais de trinta anos. O mercado de capitais era mais frágil porque as noções de transparência eram ruins e as questões ligadas aos direitos equitativos entre acionistas não eram discutidas, desta forma, havia muitos conflitos de interesses. Eu comecei a trabalhar logo após a criação da CVM. De lá para cá, considero que houve uma evolução tremenda. Paralelamente, o mercado anda muito com a economia. Nos últimos anos, a economia brasileira se desenvolveu bastante. Hoje, não se tem dúvida de que é uma economia chamada emergente, porém, dentro do grupo de países emergentes, o Brasil tem uma economia muito forte, a sétima do mundo. O Brasil é membro ativo do G-20. O mercado de capitais também evoluiu ao longo dos anos. Atualmente, estamos discutindo problemas complexos de governança corporativa, de conflito de interesses, de abuso de poder de controle, do papel dos conselheiros e as responsabilidades dos administradores. Está em andamento o debate sobre o código nacional de governança corporativa. Eu não tenho dúvidas de que houve uma transformação positiva e esse movimento continua. Recentemente, o fato de terem ocorrido casos ruins, não representa retrocesso. Sempre vão existir casos ruins, o problema é como lidar com eles. E cada vez mais, essas situações têm representado amadurecimento, um aprendizado, isto é, uma reflexão mais profunda. O mercado brasileiro vive um momento fruto da evolução dos últimos 50 anos.

RI: Como está o evoluindo a execução do Plano Estratégico da CVM que lista objetivos a serem perseguidos pela autarquia até 2023?

Leonardo Pereira: O andamento vai muito bem. Eu fiz vários planos estratégicos ao longo da minha vida profissional mas esse especificamente, não pelo fato de ser o mais recente, tem um diferencial. A parte de acompanhamento está sendo feita de uma forma muito positiva. Contamos com um Comitê de Gestão Estratégica que se reúne uma vez por mês, religiosamente na segunda semana de cada mês, e discute os projetos e as prioridades. Fizemos a mudança do site da CVM, uma coisa que se debatia há muito tempo. Há uma mobilização intensa, as áreas estão se falando, se integrando. No ano passado, o investimento em capacitação do corpo funcional foi quase 9 vezes maior do que o aportado em 2013. Em termos de supervisão e sanção, as metas de 2014 foram plenamente atingidas no sentido de limpar estoques. Quanto as metas de 2015, estamos totalmente focados e certamente iremos atingi-la. Até junho, tudo correu bem. Outra coisa interessante é que estamos promovendo um debate sobre um projeto para lidarmos melhor com insider trading, inclusive o IBRI participa desse grupo de discussões. Avaliamos o que podemos fazer para evitar essa prática extremamente negativa para o mercado. Ainda temos muitos desafios em relação ao planejamento estratégico mas já registramos progressos satisfatórios.

RI: Em relação à transparência, como o senhor avalia o fato de ainda 33 grandes empresas listadas na bolsa, amparadas por uma liminar judicial, não publicarem informações relativas a “Remuneração de Executivos”, requeridas no item 13.11 do Formulário de Referência? Como a CVM tem lidado com essa questão?

Leonardo Pereira: Respeito a opinião das empresas. Na época que saiu a medida, eu mesmo achava necessário um período de adaptação, porém, esse tempo passou. As preocupações que se tinha naquela época em fazer a divulgação, na minha visão, não são mais pertinentes. Ao longo do tempo, muitas companhias passaram a discutir essa questão das remunerações de maneira muito formal. Avalio que é muito importante os investidores entenderem como os administradores estão sendo remunerados. Afinal, os administradores estão ali para criar valor para a empresa e para os investidores.

RI: Como a CVM tem agido para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados? O presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Cunha, por exemplo, tem afirmado que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários consistem em forte empecilho ao desenvolvimento do mercado de capitais...

Leonardo Pereira: Sim, a CVM tem trabalhado para que os direitos dos acionistas minoritários sejam respeitados. Observe as normas. Houve o aperfeiçoamento da Instrução 480, promovemos mudanças em dispositivos do formulário de referência. A Instrução 358 também sofreu alterações com a flexibilização da forma de divulgação de ato ou fato relevante, ou seja, uma adaptação aos novos meios de comunicação, muitas vezes, mais rápidos e eficientes. Por sua vez, a Instrução 561 é uma nova norma que auxilia os acionistas em decisões da companhia ao possibilitar a participação e o voto à distância em assembleias gerais. Posso mencionar ainda a reforma da indústria de fundos, alteração da instrução 409.Tudo isso foi feito com o objetivo de assegurar mais transparência e informações equitativas. Claro que ainda existem questões a serem resolvidas, no entanto, a partir dos processos sancionadores também buscamos dar orientações ao mercado. No ano passado, tivemos 42 processos sancionadores e, em 2013, foram 58.

RI: Mas pode-se considerar que os tratamentos não-equitativos entre acionistas controladores e minoritários sejam obstáculos ao desenvolvimento do mercado?

Leonardo Pereira: Esse conflito sempre vai existir, ocorre em todos os mercados do mundo, por esse motivo, as coisas têm que ser discutidas com os reguladores. É natural que se tenha duas visões e, por isso, as regras merecem ser cada vez mais aprimoradas. Considero fundamental essa discussão sobre governança corporativa, de criação de um código único.

RI: O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) tem se manifestado e preparado artigos sobre a necessidade de melhoria da governança corporativa das sociedades de economia mista de capital aberto. Recentemente, o IBGC suspendeu temporariamente a Petrobras de seu quadro por considerar que a empresa não apresenta práticas de governança adequadas. Como o senhor analisa essa situação?

Leonardo Pereira: Estamos, justamente, tratando desse assunto. A CVM atua de duas formas. Primeiro, a autarquia está participando de um trabalho que a BM&FBovespa está desenvolvendo de discussões abertas na sociedade sobre como deveria ser a governança nas companhias de economia mista de capital aberto. E, em segundo lugar, estamos investigando a Petrobras. Cada vez que lidamos com esses temas, damos orientações. Nos últimos 12 meses, tivemos dois julgamentos, um envolvendo a Petrobras, especificamente em relação às assembleias e como deveria ser a votação dos minoritários, e o outro, o caso da Eletrobras.

(Nota: A CVM condenou a União no final de junho por conflito de interesses na administração da Eletrobras, empresa estatal de capital misto com ações na bolsa. A autarquia atribuiu multa de R$ 500 mil, a mais alta que pode ser aplicada. A CVM entendeu que a União, no papel de acionista controlador da Eletrobras, atuou contra os interesses financeiros da companhia durante o processo de redução das tarifas de energia elétrica a partir de 2012. Cabe recurso).

RI: As punições às empresas que cometem irregularidades são muito brandas? Há algum projeto para atualização dos valores das multas e sanções administrativas, assim como, para agilizar as investigações?

Leonardo Pereira: Existe um projeto de lei que já saiu da CVM e está em Brasília (o Ministério da Fazenda está terminando a análise e encaminhará à Casa Civil). Estamos propondo, do ponto de vista de proteção dos investidores, que haja melhor proporção nas penalidades. Os valores devem ser atualizados. A função da penalidade é desencorajar as irregularidades e há um sentido pedagógico. Quando as penalidades são muito baixas acabam sendo incluídas no custo das transações, sem querer.

RI: O ano de 2015 teve até o momento apenas uma abertura de capital (IPO) da Par Corretora, no entanto, ocorreram fechamentos de capital (OPAs). O que explica essa situação e como revertê-la?

Leonardo Pereira: Em todos mercados do mundo ocorrem fechamentos de capital, isso é muito comum. Mas o que também acontece em outros mercados é um volume considerável de aberturas de capital. Quanto ao Brasil, não fico apreensivo com os recentes fechamentos de capital, o que preocupa é não ocorrerem aberturas de capital em número suficiente. Agora, devemos ponderar que o país passa por uma fase de transição. A CVM não tem deixado de trabalhar, continua aperfeiçoando as normas para remover barreiras para que o mercado de capitais seja, cada vez mais, uma ferramenta do desenvolvimento econômico do país. Por exemplo, a atualização da Instrução 476 que insere ações no rol de ativos de ofertas públicas com esforços restritos. Temos que ficar otimistas de que a economia vai estabilizar e voltar a crescer. As empresas não abrem capital por conta da volatilidade da bolsa, das incertezas em relação à economia, mas isso, certamente, vai passar.

RI: O senhor acredita que o mercado de capitais se fortalecerá e terá espaço importante no país nos próximos anos, sobretudo, com a diminuição da capacidade de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)?

Leonardo Pereira: Realmente, não vejo outra alternativa. Os bancos estarão cada vez mais restritos em termos de fornecer crédito e, ainda, há compromisso das economias do G-20 para os próximos anos, de criação de empregos e realização investimentos, respeitando-se o equilíbrio nas contas dos governos. Então é natural que o mercado de capitais seja uma fonte complementar, alternativa e forte de financiamento. É a solução matemática para o Brasil continuar crescendo. O país tem grandes oportunidades de investimentos em infraestrutura e um enorme setor de pequenas e médias empresas que precisa se desenvolver. As médias empresas de hoje serão as grandes companhias de amanhã.

RI: O mercado de capitais pode ser o canalizador de recursos para a infraestrutura do país? Por quê? Isso é fundamental para o Brasil próximos anos?

Leonardo Pereira: Para o Brasil crescer de forma sustentável e equilibrada, o mercado de capitais tem que ser utilizado. Hoje, o nosso mercado de capitais é o 11º do mundo, no entanto, o Brasil é a 7ª. maior economia global. Há muito espaço para crescimento, o país precisa de mais empresas listadas e mais investidores. A bolsa é um dos indicadores, um dos termômetros, mas temos ainda a indústria de fundos, debêntures e estruturas de dívida, há outros componentes importantes que vão trabalhar juntos.

RI: Considerando que hoje no Brasil, apenas um número irrisório de pessoas físicas investem na Bolsa, como o senhor vê a necessidade e a importância de um amplo e permanente programa de educação voltado à criação de uma verdadeira Cultura de Investimento em Ações entre investidores individuais, e como a CVM pode contribuir para isso?

Leonardo Pereira: A educação é importante e deve ser um processo contínuo, mesmo que o país passe a contar um dia com muitos investidores na bolsa. Hoje já são aproximadamente 10 milhões de investidores em fundos de investimentos, pessoas que estão dentro do mercado de capitais, se não olharmos só a bolsa propriamente dita. A educação financeira é fundamental e está em evolução. Na CVM, entendemos que a educação financeira passa pelas redes sociais e temos um núcleo de estudos comportamentais como se fosse um advisory board onde temos antropólogos, sociólogos, médicos, psicólogos e professores trabalhando juntos. O objetivo é identificarmos as melhores formas de regulação e direcionamento da nossa atividade educacional. Em dezembro, vamos promover um congresso internacional de educação financeira com ênfase em finanças comportamentais.

RI: Quais as suas considerações a respeito do profissional de relações com investidores?

Leonardo Pereira: O profissional de relações com investidores assume importância cada vez maior diante de negócios complexos e da tecnologia da informação. Ele assegura a informação correta e tempestiva, sendo que o mercado de capitais é fundamentado em transparência e confiança. Por isso, o papel do IBRI é fundamental. A profissão foi regulamentada recentemente e, certamente, está evoluindo...


Continua...