Governança Corporativa

IBGC 20ANOS: DISSEMINANDO BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA NO BRASIL

O IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) completa 20 anos, neste mês de novembro, com uma extensa lista de conquistas e realizações, mas ainda com muitos desafios pela frente. Nestas duas décadas, a principal e grande conquista do Instituto foi colocar a governança no mapa do mundo dos negócios e da sociedade brasileira de modo geral.

A operação Lava a Jato, que colocou em xeque as práticas de governança na Petrobras, uma das líderes de negociação na bolsa de valores brasileira - BM&F Bovespa, evidenciou a necessidade de mudanças profundas em como lidar com a corrupção e como garantir que as boas práticas de governança não estejam apenas no discurso das empresas.

Para responder a esses desafios, o IBGC vem trabalhando para ser mais atuante e vocal em seus posicionamentos. Ao lado disso: reforçou o papel de Advocacy, que foi melhor dimensionado no seu Planejamento Estratégico; promoveu modificações estruturais para buscar maior eficiência; reforçou seu posicionamento por meio de cartas de orientação e mensagens; promoveu uma nova revisão do seu código de melhores práticas, que terá em breve uma quinta edição.

Nesses 20 anos, o IBGC evoluiu para uma posição de destaque no universo da governança, propiciando a troca de experiências entre seus atores para uma evolução continuada das boas práticas. Para tanto, desenvolveu planos e ferramentas como pareceres técnicos, literatura, fóruns, seminários, cursos, congressos e outros. No período de 2012 a 2014, por exemplo, realizou 224 cursos que atingiram mais de sete mil pessoas. Este ano realiza o seu 16º Congresso. Além disso, tem marcado presença em eventos de governança no exterior.

O IBGC nasceu em novembro de 1995, como Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração (IBCA), idealizado pelo administrador de empresas Bengt Hallqvist e pelo professor e consultor João Bosco Lodi. A ideia era fortalecer a atuação dos conselhos de administração. Com o passar do tempo, as preocupações se ampliaram para questões de propriedade e auditoria independente, entre outros, o que, em 1999, resultou na mudança do nome para IBGC.

RETROCESSO E CUSTO
A crise político-econômica, que está exigindo cortes de custos e redução de investimentos das organizações, chamou a atenção para a possibilidade de entrada do país em um processo de redução de práticas de governança, uma “desgovernança”.

Para Sandra Guerra, presidente do IBGC, isso não é provável. “Numa situação de contenção de despesas (em decorrência da crise) pode haver alguma alteração como otimização de comitês e de Conselhos de Administração, mas sem prejudicar os fundamentos e princípios da boa governança já adotados.No entanto, empresas, onde a governança ainda está mais no discurso do que na prática, poderão dar passos para trás, mas na realidade não tinham dado passos para frente”, observa.

Ao invés do perigo de uma redução de práticas de governança em decorrência da crise, especialistas na área preferem ver nela (na crise) uma oportunidade para maior valorização das práticas de governança. “O Conselho bem estruturado, com atuação e forte interação no direcionamento e apoio à gestão, é um recurso de valor inestimável neste momento”, diz José Guimarães Monforte, ex-presidente do IBGC.

Segundo Monforte, a crise é muito grave e requer das empresas que contem com a maior quantidade de contribuições possíveis para atravessar este momento - e a governança é um deles. Na sua avaliação, quem não enxergar a governança sob a perspectiva de criação de valor pode acabar não evitando perda de valor e enfraquecimento de sua capacidade de operar.

Maria Teresa Roscoe, professora da Fundação Dom Cabral, afirma que a governança se torna mais relevante em momentos de crise: ajuda as pessoas a terem uma percepção diferenciada do mercado, o que ajuda na tomada de decisões. “A governança traz inputs importantes para os gestores”. Para Maria Teresa, a adesão as melhores práticas de governança traz benefícios e a empresa precisa ter essa consciência.

Avaliando a possibilidade de retrocesso nas práticas de governança, Antônio Gledson de Carvalho, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP) destaca um ponto importante. “Empresas que estão no Novo Mercado, por exemplo, onde práticas de governança fazem parte de contrato assinado com a bolsa de valores brasileira - BM&FBovespa, seria mais custoso voltar atrás.”

Para ele, um dos maiores marcos no mercado de capitais foi a criação do Novo Mercado e do Nível 2 - níveis com maiores exigências de governança corporativa da bolsa - porque criaram espaços reais para que as empresas pudessem se distinguir das outras na adoção dessas boas práticas.

Sem o IBGC, a criação do Novo Mercado poderia ser sido muito mais trabalhosa para a bolsa de valores que na época, início dos anos 2000, tinha entre seus objetivos alavancar o crescimento do mercado de capitais no país, atraindo mais investidores e empresas para seu pregão.

No entanto, para que o Novo Mercado pudesse sair do papel era necessário que o mercado tivesse um código de melhores práticas de governança e para suprir esse requisito, a bolsa pode contar com o código de melhores práticas que o IBGC havia organizado em 1999.

Outra contribuição importante do IBGC para o crescimento do mercado foi ampliar o arsenal de informações à disposição dos investidores. Ao lado de indicadores de desempenho da empresa e enforcement, a existência de órgãos estruturados de governança funciona como um indicador a mais na avaliação de riscos para a tomada de decisões de aplicar neste ou naquele país. No Brasil, o IBGC preencheu esta função, ressalta Sandra Guerra.

Hoje os indicadores de governança que a bolsa oferece comprovam o acerto em ter espaços diferenciados para as empresas com boa governança. De acordo com Ronaldo Fragoso, sócio líder da área de consultoria em gestão de riscos empresariais da Deloitte no Brasil, investidores chegam a pagar até o dobro por empresas com boa governança.

De dezembro de 2005 a setembro de 2015, o IGC (Índice de Governança Corporativa) registrou uma valorização de 13,11% em dólares. No mesmo período, o Ibovespa perdeu 20,65% em dólares.

DEDICAÇÃO E CONQUISTA
A conquista da posição de centro de excelência em governança que o IBGC exibe atualmente exigiu muito trabalho e dedicação. No início as pessoas envolvidas em defender e promover princípios como transparência, equidade, prestação de contas, responsabilidades corporativa, que são pilares da boa governança, eram consideradas ingênuas, utópicas...

Sandra conta que as pessoas achavam que esses princípios não eram parte do mundo real, diziam que isso era coisa de americano e que nada tinha a ver com a realidade brasileira. “Sabíamos que estávamos propondo uma mudança de visão do mundo dos negócios, das organizações de mentalidade, o que não era coisa fácil e demandava muita perseverança”.

Nesse esforço alguns acontecimentos marcaram a carreira da presidente do IBGC. “Teve empresário que me ligou e disse: “Odeio governança corporativa”. De modo geral eles não conseguiam ver o lado de criação de valor que as práticas propiciavam”.

Em reuniões para falar de governança era comum as pessoas perguntarem: fica em que área da empresa? relembra. “Uma vez estava falando sobre o conceito de governança e um participante chegou para mim e afirmou: “Ah, é como reengenharia, né? “E, isso depois de uma hora e meia de reunião”, desabafa.

Em 1995 não existia sequer a expressão governança corporativa. Ela foi traduzida do inglês “corporate governance” e a própria tradução gerou muita polêmica. A mídia considerava a expressão um verdadeiro palavrão. Hoje ninguém questiona.

Entre as conquistas que demonstram a maturidade alcançada nesses 20 anos de atuação do Instituto, destacam-se a certificação de conselheiros e a independência do IBGC. A certificação atesta que o conselheiro tem expertise para exercer a função, o que é um ganho para as empresas. Muitos investidores usam a certificação do IBGC como indicador para a seleção de conselheiros. Atualmente 700 conselheiros já tem essa certificação.

Mauro Rodrigues Cunha, presidente da Amec (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais) que já esteve no comando do IBGC, enfatiza que a principal conquista foi a própria criação do IBGC e o fato dele ter se alçado como referência nacional e internacional na área de governança, que tem levado, inclusive, a uma empatia das pessoas em relação ao órgão. Conforme observa, os princípios e práticas que o IBGC defende, levam muita gente a trabalhar de graça para a instituição. “São pessoas que estão trazendo suas experiências, conhecimentos e práticas o que é muito importante.” Atualmente o instituto tem mais de 1,6 mil associados.

O sócio da Deloitte, Ronaldo Fragoso aponta mais uma conquista importante advinda da atuação do IBGC. Segundo afirma, com a formação de conselheiros e a disseminação de conhecimentos sobre governança, o órgão teve papel importante em dar guidance para a avaliação de empresas pelos agentes do mercado.

Quando o IBGC começou, todas as referências de governança no país vinham de fora. Hoje além de ser fonte de formação da grande maioria dos profissionais, o instituto também é fonte de inspiração para outros países.

Em sua lista de benchmark estão África do Sul, Ilhas Maurício, Hong Kong, Nova Zelândia, Tailândia, Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Emirados Árabes, Malásia, Suíça e Singapura. Todos são membros do GNDI (Global Network of Director Institutes).

DESAFIOS E DIFICULDADES
No mercado, as visões sobre as dificuldade e desafios da governança no país tem vários vieses. Para Monforte, que já fez parte do Conselho de Administração da Petrobras, hoje o desafio maior é encontrar a melhor forma de averiguar e auditar a efetiva prática da governança.

“As dificuldades maiores se apresentam quando os detentores do controle de empresas, abusam de seu poder em detrimento do que preceitua a boa prática da governança, decidem por ações de seu interesse em confronto ao que seria o melhor para a empresa e seus stakeholders”, enfatiza o conselheiro. Outro desafio é a gestão de risco. “O tema ainda não ocupa a o lugar de destaque que deveria ter dentre as responsabilidades principais de um sistema de governança”, acrescenta Monforte.

Para o sócio da Deloitte, hoje o desafio é ter um modelo de gestão de riscos mais integrado. “O nível de riscos e a necessidade de seu controle aumenta com a evolução tecnológica”. Fragoso ressalta que a dinâmica da gestão de riscos é maior que no passado dada a instabilidade econômica.

Marcelo Coimbra, sócio do Fleury e Coimbra Advogados, entende que o maior desafio da governança consiste em capacitar os executivos e as empresas a tomar decisões com base em valores. Ele argumenta que o movimento de governança centrou-se demais nas boas práticas e negligenciou a questão do fortalecimento da cultura empresarial baseada em valores. Na visão dele, outro ponto que merece atenção quando se avalia o futuro da governança é a sobrevalorização da figura do conselheiro independente. “A independência não garante necessariamente a atuação ética do conselheiro e menos ainda da empresa como um todo ou mesmo dos seus executivos”, observa.

Para Mauro Cunha um dos desafios para o futuro do IBGC é de capilaridade. Hoje ele ainda é muito concentrado em São Paulo. Outro desafio, na opinião dele, é que o IBGC precisa manter sua integridade, sua governança, sua independência e sua relevância sendo cada vez mais presente nas coisas que importam para a sociedade.

A presidente do IBGC Sandra Guerra acredita que o grande desafio é despertar a consciência de que governança trata de fundamentos e princípios muito mais que regras, modelos, métodos. “Isso faz parte, mas ainda há dificuldade em entender que governança se refere a princípios que devem ser inspiradores de toda a vida empresarial e ambiente de negócios.”
 
Um Código em transição

A quinta edição do Código de Boas Práticas de Governança Corporativa organizado pelo IBGC trará inovações importantes. O novo código é mais reflexivo e pela primeira vez aborda fundamentos, princípios ao lado das prescrições de práticas.

Segundo Sandra Guerra, presidente do IBGC, o objetivo da nova organização é transferir para o agente, o usuário da governança a responsabilidade de refletir sobre fundamentos e não apenas de adotar uma atitude de conformidade.

Essa transição de um código mais prescritivo para um mais baseado em princípios’, ou como brinca Sandra mais “principiológico”, passou por uma intensa discussão interna. Os defensores dos princípios argumentavam que o mais importante para os agentes é entender os fundamentos para adotar práticas de forma refletida é por isso mesmo muito mais eficazes. Na avaliação deles, aplicar regras porque estão escritas não conduz a agentes mais maduros.

Do outro lado, os defensores da prescrição acreditam que o nível de maturidade de nossa sociedade não permite que se tenha um código só de princípios porque as pessoas ainda estão começando a aprender e precisam de um nível maior de prescrição de regras. A propósito, citam que o Direito no Brasil é baseado em regras e não em princípios.

Depois de amplos debates, a conclusão foi que o melhor para a nova edição seria um Código de transição que apresentasse um equilíbrio entre prescrição e princípios. “Foi mantido o nível didático de prescrição de práticas, com a inclusão de fundamentos e princípios”, ressalta Sandra. Por exemplo, no tópico referente ao conselheiro independente, a nova edição procurou reforçar e caracterizar o indicador de independência.

Na nova edição, o Código inclui o princípio de que o conselheiro independente deve atuar de forma técnica com isenção emocional, financeira e sem a influência de qualquer relacionamento pessoal ou profissional. Na prescrição de práticas inclui regras que explicitam melhor o fundamento, mas não lista mais o que o conselheiro deve ou não deve fazer, como na edição anterior.

A questão da disponibilidade de tempo do conselheiro que era bem mais prescritiva no código anterior deu lugar a uma orientação para que possa refletir se tem de fato disponibilidade para assumir o cargo e suas responsabilidades. A nova colocação quer reforçar o protagonismo do conselheiro e do Conselho de Administração que ainda não foi totalmente compreendido no mercado de capitais brasileiro.

“Vivemos um ambiente onde há preponderância da propriedade concentrada, onde há um controlador forte, dificultando a compreensão da importância do Conselho para a companhia”, afirma Sandra. Mas mesmo em um universo em que o controlador tenha muito poder, a boa governança requer total protagonismo dos conselheiros, acrescenta.

Outro ponto de muita polêmica foi em relação ao conceito de uma ação, um voto. O Código atual já apresentava o conceito como o modelo que favorece o alinhamento de interesses entre todos os sócios. Nesse caso, as discussões giraram em torno da questão da flexibilidade que deveria ser admitida considerando-se o desempenho de longo prazo da companhia. A nova edição deixa claro que se deve evitar assimetrias perversas e ainda que é importante ter salvaguardas para mitigar e compensar algum tipo de desalinhamento, destaca Sandra Guerra.


Continua...