Orquestra Societária

GOVERNANÇA & SUSTENTABILIDADE E AS BASES DA ORGANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL

Realidades são, em geral, complexas de serem entendidas; por essa razão, constroem-se modelos, que são representações da realidade, as quais objetivam facilitar seu entendimento. Se por um lado os modelos facilitam o entendimento e o estudo de dimensões e eventos da realidade de maneira estruturada, por outro lado, eles também omitem, propositalmente, outras visões que não sejam aquelas focalizadas, criando, portanto, simplificações.

A figura 1, a seguir, mesmo não tendo a pretensão de ser um modelo, constitui-se em uma tentativa de representar as três dimensões da realidade de um sistema econômico capitalista, associadas de forma clássica à sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Sobre a figura em questão, apresentamos as reflexões a seguir:

1) O sistema econômico capitalista, especialmente a partir da Revolução Industrial, tem tido um papel importante – para não dizer crucial - na democratização de produtos e serviços oferecidos por empresas a milhões de consumidores.

2) Entretanto, o sistema é imperfeito e seus mecanismos de governança, que têm virtudes importantes, também têm defeitos importantes, os quais precisam ser tratados. Em que pesem os benefícios citados no item 1, há grandes desequilíbrios e forte assimetria de oportunidades, educação, saúde e qualidade de vida, de maneira mais ampla.

3) A expansão da capacidade produtiva imposta pelo sistema tem levado, gradativamente, a uma degradação ambiental sem precedentes e à necessidade de mudar, já que o meio ambiente não é um supermercado gratuito com estoque infinito de recursos naturais. Amplas áreas do Planeta podem se tornar - e têm se tornado! - fragilizadas e mesmo impróprias para a vida, em função da deterioração ambiental.

4) Existe a necessidade de um novo up grade no sistema econômico – a Revolução Industrial foi um exemplo de mudança importante! – questionando a fundo o pensamento baseado exclusivamente no crescimento e nos retornos financeiros, consoante uma visão exclusivamente econômica.

5) Um novo status para o capitalismo, baseado no conceito de desenvolvimento sustentável, torna-se, portanto, necessário e deve ser buscado com sentimento de urgência. Indicadores econômicos e sócio-ambientais precisam medir o sucesso da sociedade capitalista, não apenas os econômicos.

Figura 1 – A realidade capitalista nas dimensões econômica, social e ambiental

PONTOS DE ATENÇÃO

1.

As três dimensões ilustradas – econômica, social e ambiental – representam extratos do sistema econômico, mais complexo e com várias dimensões não representadas. A representação baseia-se em trabalhos do sociólogo John Elkington, dos quais emerge o Triple Bottom Line (TBL), correspondente às três dimensões clássicas da sustentabilidade.

2.

As três dimensões acima permitiram trazer, ao nível organizacional, as recomendações do Relatório Brundtland (Our Common Future, 1987), produzido no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), quando se disseminou pela primeira vez, em âmbito global, a expressão desenvolvimento sustentável.

3.

A sustentabilidade, sinônima da expressão desenvolvimento sustentável, corresponde ao “desenvolvimento econômico que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (Relatório Brundtland).

4.

 

Modelos podem ser descritos por meio de diagramas, formas de quantificação e outros meios de representação. A figura acima não se constitui em um modelo, mas facilita o entendimento, para fins deste artigo, de que as três dimensões propostas por Elkington focalizam partes importantes da realidade capitalista.

Após essas considerações, indagamos: quais são as bases de uma organização sustentável? Como as organizações podem ser governadas e geridas segundo a lógica da sustentabilidade?

A resposta a ambas as perguntas, sintonizada com a lógica específica da Orquestra Societária, está representada, na parte superior da figura 2:

Figura 2 – Bases da organização sustentável, consistentes com a Orquestra Societária

Em relação à figura 2 (parte superior), apresentamos as reflexões adicionais subsequentes.

1) CONSCIENTIZAÇÃO
A conscientização dos cidadãos que integram tanto o governo das organizações de todos os tipos e tamanhos quanto a sociedade, de forma mais ampla, é crucial para que a vida no Planeta não fique sob ameaça, como já ocorre. Vários desafios existem, resumidos na figura 3:

Figura 3 – Alguns desafios da realidade capitalista nas três dimensões da sustentabilidade

  DESAFIOS SÓCIO-ECONÔMICOS A SEREM ENFRENTADOS
 
  • Ainda existe forte assimetria de oportunidades e mesmo abismos entre várias classes sociais.
  • Há múltiplas ineficiências de todos os mecanismos de governança da economia: organizações do estado, empresas, associações, redes de parceiros, mercados, comunidades e demais.
  • Sistemas de governança e gestão organizacionais permitem, em grande medida e escala, más decisões, desperdícios, fraudes e outros eventos negativos para a sociedade e a economia.
  • Guerras que, embora ocorram não exclusivamente em função de fatores econômicos, podem ter esses fatores como pano de fundo. Seus efeitos são nefastos para os atingidos e a humanidade.

Desafios ambientais, que aprofundam os anteriores

Água Alimentos Energia
Biodiversidade Resíduos (lixo) Aquecimento Global
Efeitos combinados entre os problemas nas seis frentes acima


  • O consumo de água vem crescendo bem mais do que o crescimento populacional: entre 1900 e 2000, a população mundial aumentou 3,6 vezes; no mesmo período, o consumo de água cresceu 10 vezes.
  • Subnutrição e obesidade são questões globais de saúde pública, que podem até estar presentes juntas em uma mesma pessoa.
  • O crescimento econômico faz crescer as necessidades energéticas. Cada fonte energética provoca poluição, não existindo realmente uma fonte “100% limpa”, ainda que algumas fontes sejam proporcionalmente mais poluidoras, como por exemplo, os combustíveis fósseis.
  • A poluição industrial e, de forma mais ampla, a poluição causada pelo ser humano onde quer que ele viva, além de deteriorar o meio físico em áreas urbanas, rurais e oceanos, provoca a contaminação de lençóis freáticos, coloca a vida sob forte ameaça (por vezes quase instantaneamente) e intensifica a acidificação oceânica.
  • O desmatamento é a principal causa da poluição do ar e dos oceanos, além de ameaçar reservas de água doce. A ausência de vegetação amplia os Gases de Efeito Estufa (GEEs) na atmosfera.
  • O volume de GEEs amplia-se consideravelmente na atmosfera, sendo o desmatamento é o principal vilão.
  • A acidificação dos oceanos, pulmões planetários ao lado das florestas, pelos GEEs, intensificada pela poluição das águas oceânicas, colocam a vida marinha, que não convive com ácido, sob forte risco. Além disso, as mudanças climáticas colocam em risco vastas áreas do Planeta e podem criar a necessidade de evacuar populações, especialmente em cidades marinhas.

2) ÉTICA, GOVERNANÇA E SUSTENTABILIDADE
A Orquestra Societária baseia-se precipuamente na ética como fundamento essencial, na necessidade de boas práticas de governança corporativa e na inserção do conceito de sustentabilidade nas organizações. Nesse sentido, recomendamos aos leitores os artigos “O Império da Ética” (edição no 192) e “Governança e Sustentabilidade na Base do Modelo de Gestão” (198) desta prestimosa Revista RI.

Destacamos ainda, entre os princípios éticos clássicos da governança corporativa – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa –, que a sustentabilidade, presente em todos, está mais fortemente explicitada no princípio da responsabilidade (Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, IBGC, 5ª edição, 2015).

3) INTERVENÇÕES NA ARQUITETURA ORGANIZACIONAL
A construção de uma organização sustentável se concretizará, na prática e no âmago organizacional, por meio de intervenções em cada um dos cinco vértices da estrela de Galbraith, representada na figura 5 e presente na Orquestra Societária (figura 2, parte inferior).

Figura 5 – A Arquitetura Organizacional, integrante da Orquestra Societária


Fonte: GALBRAITH, J. R. Designing organizations – an executive briefing on strategy, structure and process.
San Francisco: Joney Bass, 1995.

Note-se que tanto na figura acima quanto na Orquestra, as formas de inserção do conceito de sustentabilidade em cada um dos cinco vértices da arquitetura organizacional – o desenho ou projeto da organização – serão aquelas representadas na figura 6:

Figura 6 – Inserção da Sustentabilidade na Arquitetura Organizacional

Os elementos estratégicos acima representados devem ser explicitados de maneira a contemplar as três dimensões clássicas da sustentabilidade: econômica, social e ambiental. Projetos estratégicos criarão práticas de trabalho e até novos negócios.

  INSERÇÃO NOS DEMAIS VÉRTICES DA ARQUITETURA ORGANIZACIONAL
 

Estrutura
Estruturas devem ser criadas para fortalecer a governança e a gestão, favorecendo decisões, projetos e práticas organizacionais sustentáveis, de acordo com as dimensões econômica, social e ambiental.

Processos
Processos devem ser criados para dar sustentação aos trabalhos das estruturas supracitadas, assegurando melhores resultados, nas três dimensões em questão.

Pessoas
Pessoas devem ser conscientizadas, capacitadas e conduzidas a atuarem profissionalmente segundo a lógica da sustentabilidade e buscando resultados em todas as três dimensões.

Sistema de Recompensas
Sistemas de compensação profissional, com recompensas tangíveis e intangíveis, devem estar alinhados a resultados nas três dimensões. Nem sempre isso ocorre, inclusive e com maior nível de impactos, no nível do governo da organização, o que destrói valor na esfera econômica e não contribui para a criação de uma organização sustentável.

Após as reflexões aqui apresentadas, prometemos aos nossos leitores retornar, em 2016, com novas visões e insights sobre a Orquestra Societária, desejando a todos que 2016 seja um ano com saúde, paz e alegrias.

Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


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