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Enfoque

UMA PONTE LONGE DEMAIS PARA O FUTURO?

17 de setembro de 1944, II Guerra Mundial: "I think we may be going a bridge too far", reage Frederick “Boy” Browning (marido da escritora Daphne du Maurier), general inglês, quando o 1º. Exército Aerotransportado aliado (1ª. Div. britânica, 82ª. e 101ª. Div. norte-americanas e 1ª. Brig. polonesa) recebe a missão de tomar e manter pontes que assegurem o tráfego na rodovia apelidada de Hell’s Road em Eindhoven, Nijmejen e Arnhem, na Holanda, até que cheguem os tanques Cromwell do XXX Corpo Blindado inglês. O objetivo final é invadir a Alemanha.

A missão, carimbada como Operação Market Garden, avançará mais de 100 milhas da linha de partida do XXX Corpo, e os paraquedistas deverão manter a estrada aberta por pelo menos quatro dias.

Este exército de paraquedistas está mal informado sobre a resistência que os alemães oporão à sua missão. E é surpreendido ao ter que lutar contra o II Corpo Panzer SS (divisões Panzer Lehr, 9ª. Panzer SS Hohenstauffen e 10ª. Panzer SS Frundsberg), além de tropas de infantaria das divisões 59ª. e 245ª, todas dispostas ao longo da Hell’s Road.

A ponte de Arnhem ficará realmente longe demais. Os paraquedistas lutarão contra essas forças alemãs até o dia 25, serão forçados a abrir mão do sucesso e recuarão, com severas perdas. A divisão britânica deixará de existir. O XXX Corpo só invadirá a Alemanha meses depois.

Uma Ponte Política
15 de novembro de 2015, Congresso do PMDB: Os políticos do PMDB mais chegados à análise da situação nacional - não são tantos assim - lêem e aplaudem o documento produzido pela Fundação Ulyssses Guimarães, chamado “Uma Ponte para o Futuro”, que busca oferecer soluções estruturais para a retomada da governança política do país. É um documento que poderia perfeitamente ser da posição tucana para arrumar as coisas no país, que diz que “o sistema político brasileiro deve isso à nossa imensa população”, e destaca, em resumo:

  • O país precisa de novo regime orçamentário, com o fim de todas as vinculações constitucionais, como no caso dos gastos com saúde e com educação, e a implantação do Orçamento inteiramente impositivo;
  • O novo Orçamento tem que ser o fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais;
  • Deve consagrar o princípio do “orçamento com base zero”: todos os programas estatais serão avaliados por um comitê independente, que poderá sugerir a continuação ou o fim do programa, de acordo com os seus custos e benefícios;
  • Finalmente, uma espécie de Autoridade Orçamentária, com competência para avaliar os programas públicos, acompanhar e analisar as variáveis que afetam as receitas e despesas, bem como acompanhar a ordem constitucional que determina o equilíbrio fiscal como princípio da administração pública.

A “ponte” cuida ainda de propor que se alongue a idade mínima para aposentadoria (“no Brasil se aposentam jovens de 54 anos”), e sugere a redução drástica na política do juro primário, como forma de incentivar a formação de capital.

Evidentemente, a proposta revê o papel do Estado, e coloca em xeque o ativo político de 66.845 pessoas com mandato recebido em eleições. Na semana seguinte à leitura desta agenda, as casas do Congresso desarmam uma pauta-bomba - criada por elas - que esburacaria de vez os cofres federais, confirmam muitos vetos da presidente Dilma Rousseff, e fica a pergunta: por que senadores e deputados criam tantas maldades, que precisam depois ser desfeitas por eles mesmos?

2016: Longe Demais?
Quando se abrirem as cortinas dos cenários de 2016, os números que configuram as projeções dos economistas ficam na conta de meras conjecturas, aguardando o verdadeiro primeiro ato do ano no Brasil: como se resolverá a crise política. Com Dilma ou sem Dilma, será preciso dar um basta na guerrilha dos partidos, e começar a trabalhar para realizar mudanças, viabilizar a execução do Orçamento, corrigir os tremendos desajustes fiscais e melhorar o ambiente regulatório para a atividade empresarial. Sem o ajuste fiscal, ficaremos sempre em má situação. Um primeiro passo será conciliar as posições relacionadas à CPMF: o governo entende que precisa do seu retorno, mas muitos no Congresso e o mercado todo dizem “não”!

O ajuste não deve perder de vista a necessidade de manter a classificação de investment grade das duas agências que ainda não nos carimbam como especuladores. E os impactos que levam a inflação de 2015 acima dos 10%, enquanto reduzem drasticamente a evolução do produto para mais de 3%, não devem repetir-se com a mesma intensidade em 2016.

Mas o Brasil corre o risco de registrar nova queda no PIB neste novo ano. São reais os dados que demonstram a perda do rendimento das famílias, a chegada do desemprego à difícil marca dos 10%, o fechamento de postos de trabalho e a queda na receita tributária, que resulta da baixa na atividade empresarial.

A luta contra a inflação deve manter o juro Selic elevado, e mesmo assim o próprio Banco Central não vê condições de atingir a meta de 4,5% de resultado primário em 2016, e dificilmente em 2017. A título experimental, o BC fixa em 6,5% (número-teto da meta de inflação) a expectativa de inflação para o ano, mas está alertado de que os analistas que colaboram em sua pesquisa semanal Focus já ultrapassaram essa expectativa, e o número mais consistente fala em 7% de inflação no ano de 2016.

O mercado cambial está sujeito a movimentos bruscos, a situação do crédito não é convidativa em face do alto custo nas operações de financiamento empresarial, e os retornos dos financiamentos existentes se recompõem com dificuldades, em face dos níveis de atraso no pagamento de parcelas de empréstimos e na grande participação do mercado imobiliário, o que significa maiores prazos de retorno.

A formação de capital das empresas precisa ter seu custo reduzido, já que ele é muito caro, levando o setor privado a uma dieta na taxa de investimento, há mais de cinco trimestres em queda. Mas o estoque da DPF (Dívida Pública Federal), ao redor dos R$ 3 trilhões, não permite vislumbrar essa redução de custo.

São todos fatores que determinam as incertezas de um ano em que o Brasil precisará se mexer para cruzar a ponte que o levará à outra margem e a uma situação de superação das atuais dificuldades.

Até agora, essa ponte parece estar ainda longe demais.

Luiz Fernando Rudge
é consultor financeiro, foi editor de Economia e Finanças do jornal Folha de S. Paulo e do jornal “Investimento”, da Gazeta Mercantil; e autor de livros sobre mercado financeiro, mercado do ouro e dicionário de finanças.
rudge@enfin.com.br


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