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Educação Financeira

A BOLSA EM BAIXA: INVESTIR MAIS OU LIQUIDAR?

Comprar boas empresas em momentos de conjuntura macroeconômica desfavorável é muito diferente de comprar ações apenas porque seus preços caíram. Os casos dos jovens Marcelo e Marina podem ajudar os investidores a descobrir como agir na crise.

Marina foi criada em uma fazenda no Mato Grosso, de onde saiu ainda muito jovem. Com o objetivo de estudar fora, deixou para trás muitos amigos e familiares. Levou consigo, porém, o imenso amor pela terra e a vontade de um dia voltar para o campo.

Ela se formou em uma boa universidade, fez MBA no exterior e tem hoje uma carreira de muito sucesso no mercado financeiro. Nesse período, o pai de Marina sofreu perdas na agricultura e precisou vender terras. Conseguiu manter apenas a casa da antiga fazenda, onde continuou morando com a esposa. Com o valor recebido pela venda da fazenda e com auxílio de Marina, o pai dela montou uma boa carteira de investimentos, que permite ao casal viver de forma digna, mas sem luxos.

O revés financeiro da família tornou mais distante o sonho de Marina, de voltar a viver na fazenda. Certo dia, em visita aos pais, Marina conversou com o vizinho, seu José, fazendeiro dono de milhares de hectares de terra. Contou a ele seu sonho de ter na aposentadoria uma fazenda que viabilizasse sua vida.

Na conversa, combinou com o vizinho o direito de comprar dele mensalmente um hectare de terra ao longo dos 30 anos seguintes, sempre pelo valor de mercado. Marina ficou muito feliz, pois sabia que poderia reservar todo mês o valor de um hectare de terra para pagar seu José. Faria como alguém que investe em um plano de aposentadoria para que, ao final de 30 anos, tivesse uma fazenda com 360 hectares ao lado da casa onde nasceu.

Colocando-se no lugar da Marina, você iria torcer para o preço de mercado da terra subir ou cair?

Todos os anos faço esta pergunta aos meus alunos da disciplina de Finanças Pessoais na universidade. Quase todos dizem que torceriam para o preço da terra cair para poder desembolsar menos todos os meses. Muitos dizem, de forma lógica, que quem deveria querer que o preço da terra subisse seria seu José. Para Marina, só interessaria que o valor subisse quando já tivesse terminado de comprar toda a terra.

Investir com mercado em alta ou em baixa
É relativamente fácil de entender que, para Marina, se o preço da terra subir no curto prazo ela terá um patrimônio maior. No entanto, precisaria gastar muito para fazer as compras mensais. Agora, será que é possível utilizar a mesma lógica para o mercado de ações?

Para responder essa pergunta, apresento o caso de outro jovem: o ambicioso Marcelo. Ele começou a trabalhar em março de 1998, no mesmo mês e ano em que a Revista RI foi lançada. Decidiu que aplicaria mensalmente 10% do seu salário para formar um fundo de aposentadoria, sendo que metade do valor seria direcionado à compra de ações.

Naquela época, o IBOVESPA estava próximo dos 11 mil pontos. Não demorou para que o jovem Marcelo tivesse surpresas. A moratória da Rússia levou o IBOVESPA a cair abaixo dos 5 mil pontos e os investimentos dele pareciam derreter. Em outubro daquele ano ocorreu a quebra do Fundo LTCM e, somado à desvalorização do Real em janeiro de 1999, o mercado foi tomado por um desânimo que por pouco não contaminou o jovem investidor.

A crise, porém, acabou mostrando uma oportunidade interessante para Marcelo: desembolsando os mesmos 5% de salário ele conseguia comprar um volume cada vez maior de ações. De forma curiosa, a queda dos preços o assustava pela aparente perda de patrimônio, mas por outro lado o animava pela chance de comprar ativos mais baratos.

Os preços logo voltaram a subir. Dois anos depois da estreia de Marcelo na bolsa, o IBOVESPA se aproximava dos 20 mil pontos. O patrimônio subia, mas Marcelo comprava cada vez menos ações todos os meses. Antes mesmo de atingir os sonhados 20 mil pontos, o IBOVESPA mergulhou em uma nova e persistente queda. Em 2002 voltou a ficar abaixo dos 10 mil pontos.

Em seguida, o IBOVESPA entrou na maior alta da sua história, chegando a 72 mil pontos em maio de 2008. Com os preços das ações subindo, o patrimônio de Marcelo não parava de crescer. Ele ficava cada dia mais convicto de que tinha feito a escolha certa! Contente, passou a compartilhar com os amigos as histórias de seus investimentos em ações e muitos deles logo passaram a seguir seu exemplo.

Mesmo empolgado com o crescimento do patrimônio, o jovem se preocupava com o fato de as ações estarem cada vez mais caras. Comprava menos a cada mês. Ainda em 2008, Marcelo tomou um susto quando, de uma hora para outra, seu patrimônio despencou em decorrência da quebra do Lehman Brothers. Não foi fácil ver o patrimônio acumulado durante os oito anos anteriores derretendo de repente. Os amigos que tinham acabado de entrar no mercado de ações venderam todos os papéis na mesma hora. Marcelo, porém, manteve o sangue frio e, além de não vender, seguiu firme com a política de compras mensais.

Ao final de 2009, parecia que tudo voltaria ao normal. O preço das ações voltou a subir. Naquele momento Marcelo teve a clara percepção de que crises do mercado proporcionam a possibilidade de conseguir comprar mais ações. Até hoje ele cumpre com rigor a estratégia de compras mensais, mesmo diante da atual queda que os preços vêm sofrendo.

Nem tudo são flores
Tenho convicção de que uma política de compras constantes de ações de boas empresas ao longo de muitos anos é a melhor forma para se investir na bolsa. É como a situação da Marina: comprando lentamente a fazenda que gostaria de usufruir na aposentadoria.

É importante, porém, entender o que motiva a queda dos preços. O que muito sobe logo volta a cair. Mas muitas vezes os preços caem intensamente e depois a empresa vai à falência ou é salva por uma capitalização que dilui a participação dos acionistas antigos.

Atualmente os preços das ações vêm caindo por conta de problemas políticos e econômicos. Para quem acha que estes problemas são insolúveis, a única saída é investir fora do Brasil. Já para quem acredita que os problemas serão superados e que o Brasil vai voltar a trilhar o caminho do desenvolvimento, esse é o momento ideal para formar uma boa carteira de ações.

Há boas empresas com preços atrativos, mas é importante investir apenas quando se pensa no longo prazo - como é o caso do Marcelo, que busca formar uma carteira para a aposentadoria.

É como o velho ditado que diz: se você quer ganhar dinheiro, compre guarda-chuvas nos dias de sol para vender nos dias de chuva.

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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