https://www.high-endrolex.com/15

Conselho de Administração

O CONSELHO COMO AGENTE DE MUDANÇA: PAPEL FUNDAMENTAL E ATROFIADO

Para mudar precisamos ter o apoio de cima”. Esta é uma frase que ouvimos várias vezes nas organizações. Faz sentido, mas é preciso lançar um olhar mais atento: as mudanças mais arriscadas são as que têm forte compromisso do topo. A razão é simples: quando se tem o apoio da alta liderança, a execução pode ser mais rápida. Porém, se a ideia não é boa ou tiver erros de execução, os resultados serão desastrosos.

As mudanças mais profundas são as mais delicadas e, normalmente, são as que têm o "apoio de cima”, mas são exatamente as que precisam do contraditório. Uma coisa é execução, papel da Gestão, outra coisa é a Governança, papel do Conselho. Para o êxito dos processos profundos de mudança é fundamental ter um Conselho consciente do seu papel de liderança, avaliando os rumos com isenção, caso contrário, as correções são tardias e a probabilidade de fracasso aumenta consideravelmente.

Alguns exemplos
Como exemplo de mudança mal conduzida, temos o caso da Usiminas ocorrido há alguns anos que culminou em uma das maiores brigas societárias brasileiras.

Tudo começou com a troca do CEO, necessária quando os sócios decidiram internacionalizar a empresa. Foi delegado ao novo presidente, então, a tarefa de conduzir essa mudança, sem dar muita atenção ao fato de que seu antecessor era uma pessoa muito respeitada por todos e bastante envolvida com a história da organização, tendo ocupado o cargo por mais de 15 anos.

A mudança foi tão brusca que gerou uma greve branca de funcionários e até de alguns diretores, afetando os resultados financeiros. A propagada internacionalização foi deixada de lado e, tempos depois, foram pressionados a reestruturar a sociedade. Nessa mudança, uniu-se ao quadro de acionistas a Ternium, que passou a dividir o comando com a Nippon Steel, mudança que aumentou substancialmente a complexidade decisória que redundou na crise – da qual a empresa só saiu recentemente.

Neste caso, o Conselho precisaria ter tido sensibilidade e compreendido que estava lidando com dois projetos de mudança simultâneos: a internacionalização da empresa e a transição da liderança. Mudanças profundas como essas devem ser lideradas pelo Conselho, que deveria ter um plano individualizado para cada uma das frentes. Poderia por exemplo, introduzir uma pesquisa de clima interno e outros indicadores específicos para acompanhar a transição do CEO, além do monitoramento da estratégia de internacionalização.

Um outro caso, mais recente, ocorreu na BRF – gerando uma perda de 50% do valor de mercado. Os acionistas decidiram empreender uma reformulação estratégica, mudando o modelo operacional no mercado interno e ainda buscando a globalização da companhia por meio de aquisições no exterior, tomando o cuidado de, além de trocar o CEO, dividir as lideranças entre o mercado interno e externo.

Neste caso, criaram-se três projetos simultâneos de mudança. E, como ocorre geralmente em mudança que vem do topo, neste caso não foi diferente. Lideranças compostas por pessoas de personalidade forte, no Conselho e na Gestão, convictas da qualidade do plano, tornaram o nível de alinhamento tão alto que, dois anos após o início das mudanças, havia sinais claros de que algo não ia bem. Notícias de evasão de talentos para o concorrente eram constantes e, ainda assim, o Conselho manteve o curso do processo.

Um Conselho cioso de que a companhia estava empreendendo mudanças desafiadoras poderia, por exemplo, pedir para entrevistar quem estava saindo, para avaliar, de forma isenta, a extensão do que estava acontecendo. Mas o habitual, nesses casos, é sempre considerar esses problemas como danos colaterais, afinal, são os resistentes à mudança que estão deixando a empresa, nunca é a mudança que está sendo mal conduzida.

Delegar ou liderar
A sucessão de um CEO sempre é uma mudança delicada. Quando associada a um movimento estratégico, passa a ser uma mudança ainda mais profunda, que jamais deveria ser delegada. No entanto, o mais comum é considerar a troca do CEO como uma simples decisão sobre quem vai executar o movimento estratégico e não como uma mudança em si.

Para que o Conselho tenha um papel efetivo como agente de mudança, é preciso observar alguns pontos relevantes, tais como: a identificação de quais são os movimentos simultâneos de mudança que estão sendo feitos na empresa; teses e crenças envolvidas, e fatores críticos de sucesso. Além disso, os conselheiros precisam estar atentos aos revezes, tais como crises com fornecedores e clientes, perdas de pessoas, lembrando-se sempre no caso da saída ou fracasso do CEO, o problema fica. 

O mais importante é que o Conselheiro deve manter e forçar o contraditório a qualquer custo: Conselheiro independente tem que explicar seu papel e ganhar adeptos e não sucumbir à corrente.

Mudanças amplas e estruturais não podem simplesmente ser delegadas à Gestão. A crença de que mudanças para serem bem-sucedidas precisam do alinhamento da “cúpula” pode fazer sentido do ponto de vista da Gestão, da Governança não. As mudanças mais arriscadas são justamente as que vêm de cima, pois o contraditório é baixo e os erros são desastrosos. Por isso, é importante que mudanças nesse nível sejam lideradas pelo Conselho.


Wilson Carnevalli
é sócio-diretor da Ekilibra.
carnevalli@ekilibra.com.br


Continua...