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COMO CONTABILIZAR O VALOR DA MARCA?

O que: Google, Coca Cola, Nike, McDonald’s, Itaú, Natura e Havaianas tem em comum? A resposta é óbvia: todas estas corporações são proprietárias de marcas valiosas, que se tornaram o grande diferencial de seus negócios. Que a marca de uma empresa, alvo de grandes aportes, é um ativo intangível, não há dúvidas entre os contadores, especialistas e tributaristas. No entanto, a discussão é: como contabilizar a marca e, caso ela vire ativo, é possível depreciar algo que não tem vida útil?

“É preciso que haja adequação do conceito contábil, do jurídico e do fiscal ao fático”, destaca Joaquim Rolim Ferraz, sócio fundador do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados.

Marcas e nomes de fantasia são destinos de investimentos significativos de grande número de empresas que buscam potencializar seus negócios por meio da divulgação de suas atividades e produtos perante seus públicos-alvos.

Porém, há controvérsias sobre como tratar esses aportes nas demonstrações contábeis e na apuração dos impostos. “Há discussões em diversas jurisdições sobre o potencial reconhecimento de marcas como um ativo das entidades. É inegável que em grandes corporações, como prestadoras de serviços, manufatura de produtos eletrônicos, bebidas, entre outros, o nome da marca associado ao produto reflete uma vantagem competitiva para o grupo que o detém, seja oriundo de uma concentração de mercado, qualidade do produto ou quaisquer outros fatores”, explica Clinton Fernandes, diretor de Comunicação do Ibracon (Instituto dos Auditores Independentes do Brasil).

O Ranking das Marcas Brasileiras Mais Valiosas de 2017, elaborado pela Interbrand, demonstra que, enquanto o PIB brasileiro praticamente não cresceu no último ano, o valor total do portfólio das empresas que se destacaram no levantamento se valorizou 6,4%, totalizando R$ 116,7 bilhões. Das 25 marcas do ranking, apenas cinco não apresentaram crescimento e a vigésima quinta marca ultrapassou o valor de R$ 400 milhões, uma valorização de 10% em comparação ao estudo de 2016. “Esses números ainda parecem tímidos quando comparados ao Best Global Brands 2017, onde a centésima marca vale mais de US$ 4 bilhões. No entanto, se olharmos para o histórico da nota de corte do ranking brasileiro, houve um crescimento de 375% em comparação a 2010”, diz o estudo.

O setor financeiro se destaca entre as marcas mais valiosas do Brasil. A do Itaú, que lidera o ranking, foi avaliada em R$ 28,2 bilhões. Em segundo lugar está o Bradesco que detém uma marca com valor de R$ 22,1 bilhões, seguido pela Skol (R$ 16,0 bilhões), Brahma (R$ 11,2 bilhões) e Banco do Brasil (R$ 10,3 bilhões). Em suas demonstrações contábeis de 2017, o Itaú contava com um ativo total de R$ 1,5 trilhão ao final de dezembro de 2017. A demonstração do banco destaca que o intangível no balanço corresponde a “ativos não monetários identificáveis sem substância física, adquiridos ou desenvolvidos pelo Itaú Unibanco Holding Consolidado, destinados à sua manutenção ou exercidos com essa finalidade, conforme Resolução nº 4.534, de 24/11/2016, do CMN. “Está composto por: (i) Valor de ágio pago na aquisição de sociedade, transferido para o ativo intangível em razão da incorporação do patrimônio da adquirente pela adquirida, conforme determina a Lei nº 9.532, de 10/12/1997, amortizável conforme prazo estipulado em laudos de avaliação; (ii) Direitos de uso bem como direitos na aquisição de folhas de pagamento e contratos de associações, amortizados de acordo com os prazos dos contratos ou na medida que os benefícios econômicos fluem para a empresa, e (iii) Softwares e carteiras de clientes, amortizados em prazos de cinco a dez anos”. Não há referência ao valor da marca.

CPC
A definição de ativo estabelecida pela Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro do CPC, que reflete o documento relacionado nas Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRS), determina que “ativo é um recurso controlado pela entidade como resultado de eventos passados e do qual se espera que fluam futuros benefícios econômicos para a entidade”. “É fato que determinadas entidades possuem benefícios econômicos (sob a forma de volume de vendas) que são bastante afetados pela natureza do seu nome. Isso fica visível, por exemplo, pelo incremento de vendas de determinado produto quando há uma joint venture, por exemplo com uma outra marca de renome no mercado de atuação ou mesmo pela simples observação das reduzidas despesas com publicidade de determinadas entidades bem posicionadas no mercado e com marcas fortes quando comparadas com competidores menos estabelecidos”, explica Fernandes.

No entanto, de acordo com o pronunciamento 4 do CPC (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), os gastos incorridos com marcas, títulos de publicações, listas de clientes e outros itens similares não podem ser separados dos custos relacionados ao desenvolvimento do negócio como um todo. Dessa forma, esses itens não são reconhecidos como ativos intangíveis. “O entendimento do CPC não é de que marca não é ativo intangível, mas o de que marca não tem vida útil. É um intangível que não é passivo de tributação. Para considerar efeito fiscal é preciso um período para depreciar o ativo. Mas a marca não tem vida útil”, diz Eduardo Tomiya, diretor geral da Kantar Vermeer para América Latina.

As normas de contabilidade adotadas no Brasil (especificamente o pronunciamento CPC 04 (R1) – Ativo intangível, equivalente à norma internacional IAS 38) foram emitidas contendo determinadas limitações para o reconhecimento destes ativos. De modo geral, a norma permite tão somente o reconhecimento de ativos intangíveis (como a marca) na medida em que estes se relacionem a custos que tenham sido incorridos pela Entidade e que estes estejam relacionados a transação envolvendo partes independentes ou que de outra forma se beneficiem da operação, ou seja, que não represente uma transação “forçada” por alguma das partes. “Por este motivo, não se reconhece contabilmente marca para a qual a empresa não tenha incorrido em custo diretamente atribuível, por mais que a ‘construção’ desta marca tenha sido suportada por determinados custos que inerentemente e indiretamente foram gerados internamente (como estudos, custos de promoção da marca, inovação tecnológica, por exemplo)”, complementa Fernandes.

O principal racional considerado pela norma levando-se em conta tais requerimentos é o de evitar que seja reconhecido, na prática, um ágio por expectativa de rentabilidade futura gerado internamente, o que é estritamente vedado pelo CPC 04. Para Emerson Ferreira, sócio de Auditoria na Deloitte, só é possível registrar um ativo intangível (caso das marcas) se for provável que irá gerar benefícios futuros a favor da entidade e se o custo deste ativo possa ser mensurado com confiabilidade.

Ele acrescenta que, a criação de uma marca própria torna difícil a mensuração desta, impossibilitando qualquer registro. “Se eu comprar uma marca de um concorrente, então passamos a ter um preço da transação e, consequentemente, existe um valor a ser registrado (desde que comprove que a marca trará benefícios futuros na utilização da mesma). No entanto, algumas empresas compram uma marca apenas para matar o concorrente, mas não pretendem usar a marca. Dessa forma, a marca comprada, apesar de ter preço, não poderá ser ativada, pois não gera benefício futuro”, explica.

CVM
O assunto já foi avaliado e discutido em diversas jurisdições. No Brasil a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que também chancela os pronunciamentos contábeis adotados às Entidades por ela reguladas, como no caso do CPC 04, já se posicionou sobre o assunto, pois foram recebidas consultas de companhias listadas a esse respeito. No Ofício Circular/CVM/SNC/SEP Nº 01/2006, a autarquia se posicionou de forma consistente com a avaliação do CPC 04, indicando que somente são contabilizados os intangíveis adquiridos, desconsiderando-se ativos criados internamente e ainda não reconhecidos em transações de mercado, ou seja, sem custo atribuível a partir de uma transação não forçada.

“A CVM ainda esclareceu à época que o fato de se poder avaliar a marca corporativa ou mesmo de produtos por meio de avaliações não significa que deva ser contabilizada. Esta última passagem refletia o fato de que entidades interessadas em reconhecer o ativo haviam feito consulta à CVM incluindo valores que entendiam ser atribuíveis ao ativo de marca obtidos através de análises e projeções de valuation elaboradas por especialistas de mercado”, explica Fernandes.

Controvérsias
O conceito estabelecido pelo CPC é questionável. O órgão observa que os custos de desenvolvimento de uma marca que sejam incorridos no curso normal das operações não podem ser mensurados de forma confiável e segregados dos demais custos relacionados ao desenvolvimento do negócio. Entretanto, há diferentes metodologias e premissas utilizadas para a valorização de uma marca e que são utilizadas de forma consistente em diversas jurisdições. Outro argumento é de que estes ativos de marcas possuem influência relevante na tomada de decisão de consumidores e, naturalmente, influenciam os resultados, gerando receitas.

A visão é de que as marcas são integrantes do ativo intangível das empresas e devem ser submetidas aos devidos tratamentos tributário e fiscal. Não é somente possível, mas crível e material, a mensuração econômica dos custos relacionados ao desenvolvimento de uma marca daqueles relacionados ao desenvolvimento do negócio em si. “A alegada indissociação não se sustenta perante os laudos técnicos de especialistas em avaliações de marcas, provas incontestes neste sentido. A prática da valoração das marcas é comum em outros países e praticada em toda a Europa, origem do IFRS, padrão contábil adotado no Brasil”, critica Ferraz.

Diante do entendimento do CPC, o tratamento que se dá aos aportes de marketing para a valorização da marca na contabilidade das empresas que apuram o resultado pelo lucro real é de que são despesas. Mas há controvérsias. “Na verdade, estes dispêndios se tratam de investimentos que valorizam a marca. As marcas são integrantes do ativo intangível das empresas e devem, como tal, serem submetidas ao tratamento tributário e fiscal decorrentes desta condição”, contesta Ferraz.

O tributarista destaca que a avaliação da marca serve para valorizar o patrimônio da empresa. “Esse lançamento contábil faz com que o patrimônio da corporação tenha um tratamento adequado. O patrimônio com a marca vale mais. A marca é um dos mais relevantes bens intangíveis da empresa. Não raramente, empresas que avaliam as suas marcas são surpreendidas pelo seu valor de mercado. Exemplo notório é a Coca-Cola, cujo maior patrimônio é um ativo intangível, sua marca. É um ativo intangível capaz de gerar ganhos superiores a qualquer elemento do ativo tangível. Se a marca não for lançada como um ativo, a empresa tem um valor de mercado muito menor e a diferença é absurda. Esta postura reduz o patrimônio líquido e piora a saúde financeira da empresa”, observa.

A fim de que seja lançada contabilmente, a valoração desses ativos deve ser tema de laudos técnicos elaborados por empresas especializadas. “É desta forma que o impacto dos aportes direcionados a marketing, publicidade, produção de vídeos, divulgações, patrocínios e afins sobre ativos intangíveis é mensurado”, observa. As variações dos valores das marcas possuem repercussão econômica na apuração dos impostos de empresas que estão no lucro real. Nestes casos, a valorização de marcas e nomes de fantasia entre um exercício e outro gera abatimentos nas alíquotas de PIS e COFINS.

O fundamento legal para o aproveitamento desses créditos sobre a Contribuição para o PIS e a COFINS, em face de bens intangíveis, decorre do dispositivo da Lei Federal n. 10.833/03, em seu art. 3º. “Do valor apurado na forma do art. 2º, a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: XI - bens incorporados ao ativo intangível, adquiridos para utilização na produção de bens destinados a venda ou na prestação de serviços”. “Assim, pelo ordenamento jurídico, não pesa qualquer discussão, contábil ou tributária, sobre o aproveitamento de créditos da Contribuição para o PIS e COFINS em relação ao ativo intangível”, argumenta Ferraz. O fato de tais gastos com marcas (que não sejam adquiridas) não serem incluídos no ativo acaba por limitar a possibilidade de aproveitamento destes créditos determinados em Lei.

A Lei de Propriedade Intelectual n. 9279/96 estabelece que qualquer bem ou direito intangível pode ser avaliado. Ferraz acrescenta que a Lei das Sociedades Anônimas informa no mesmo sentido sobre a avaliação do elemento intangível marca. “Apesar da clareza da legislação quanto a investimentos que valorizam ativos intangíveis – no caso, as marcas –, o tratamento generalizado que se dá aos aportes em marketing é diferente”, acrescenta.

Ele lembra o caso de uma empresa que começou a investir pesado em marketing, com propaganda em TV e patrocínio a um time de futebol. “Foi feita uma pesquisa após estas ações e o número de pessoas que lembravam da marca era muito maior. Este investimento gerou valorização da marca que é mensurável, assim como acontece com outros ativos intangíveis. A marca é um bem transferível comerciável”, defende.

Fernandes destaca que, embora seja importante refletir sobre a visão e motivação de um relatório financeiro, como apresentado na Estrutura Conceitual, este não é elaborado com o intuito de apontar o valor da entidade que reporta a informação e sim fornecer subsídios que auxiliem o investidor ou outros interessados a estimar esse valor e considerá-lo em sua tomada de decisão. “A CVM quando se pronunciou a respeito também esclareceu que o propósito explícito do relatório contábil é apresentar uma medição do resultado e dos fluxos de caixa de uma entidade em um certo período e não produzir uma estimativa do valor dessa mesma entidade. Nesse contexto, não há necessariamente uma identificação de quem está correto, mas para fins de aplicação das políticas contábeis nas demonstrações contábeis, o entendimento estabelecido pela IFRS e pelo CPC é soberano.”, diz.

Já para o advogado, a discussão deve ser aprofundada. “É uma questão sensível com divergências na discussão técnica. Mas que precisa ser levada adiante e ser submetida ao judiciário com segurança, com depósito judicial. Se ao final prevalecer o entendimento do CPC, o empresário não tem prejuízo algum. Se for provado que a tese está correta, há um dinheiro para se levantar”, afirma Ferraz. O lançamento da marca nas demonstrações de resultados é diferente do que a de outros ativos, que somente depreciam para baixo. “Com a marca é diferente. Ela pode crescer em valor ou pode ser depreciada. Se ela é depreciada gera crédito. Se é valorizada gera tributos a serem pagos. É uma via de duas mãos”, explica.

Depreciação
No que diz respeito à depreciação – ou amortização, como descreve a nomenclatura da norma para ativos intangíveis –, a empresa deve avaliar se a vida útil de qualquer ativo intangível como marcas é definida ou indefinida e, sendo definida, essa vida útil refletirá o período no qual o ativo se amortizará, levando em consideração o período no qual se espera que o uso do ativo traga benefícios econômicos. Segundo Fernandes, no caso de marcas adquiridas, ou seja, aquelas as quais a contabilização é prevista pelas normas, comumente são avaliadas como ativos de vida útil indefinida, uma vez que se espera que o produto com a marca comercial gere fluxos de caixa líquidos para a entidade indefinidamente no pressuposto de que terá continuidade no futuro.

Neste caso, embora não haja a amortização periódica, este ativo precisa ser avaliado ao menos anualmente para determinar se houve perda por redução do valor recuperável (também conhecido como “impairment”). Nesta avaliação, a empresa determina se o valor recuperável (tido como “valor justo menos as despesas de venda” ou o “valor em uso” – entre os dois, o menor) é inferior ao valor contábil. Sendo inferior, uma perda no montante da diferença é reconhecida.

Há também situações nas quais marcas podem possuir vida útil definida - por exemplo, a marca adquirida está associada a um determinado segmento de negócios que será descontinuado em cinco anos - e neste caso, a amortização deve ocorrer dentro do período no qual cessarão os benefícios econômicos ao detentor da marca. “Há diferentes métodos que podem ser aplicados para a amortização, sendo o mais comum o método linear, onde parcela igual é apropriada mensalmente ao resultado do exercício. Demais métodos que podem ser utilizados consideram obrigatoriamente uma apropriação sistemática ao resultado”, explica o diretor do Ibracon.


Continua...