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Ponto de Vista

DIVULGAÇÃO DE RELATÓRIOS TRIMESTRAIS: RETROCESSO À VISTA?

Em 18 de agosto, o Valor publicou uma reportagem sobre a recomendação do presidente Trump à Securities Exchange Commission (SEC) que colocasse em discussão a obrigatoriedade das companhias abertas com ações em bolsa divulgarem resultados trimestrais. Posteriormente, no "Financial Times", foi relatado que o presidente do J.P. Morgan, Jamie Dimon, e o ícone do mercado americano, Warren Buffett, se manifestaram em defesa da ideia.

A justificativa básica é que essa prática seria responsável por uma visão empresarial de curto prazo. Além disso, a mudança para seis meses economizaria dinheiro e permitiria maior flexibilidade. Não consegui compreender bem o que líderes empresariais mundiais entenderiam por maior flexibilidade.

Um estudo de equipe da City University e de Duke concluiu em 2014 que a divulgação de balanços, com maior frequência, contribuía para uma "miopia administrativa"?

Não consigo visualizar com nitidez a lógica dessa argumentação. Será que os empresários são capazes na gestão de suas empresas de sacrificar a visão de longo prazo em função de dar uma revelação trimestral de resultados aos seus acionistas? Será que a existência de "stock options", que muitas dessas empresas oferecem aos seus executivos, os motivariam a maior preocupação com a evolução da cotação de suas ações, baseado nos trimestres, sacrificando assim uma visão de longo prazo, em que eles seriam diretamente os maiores beneficiados?

Se alguns empresários estão imbuídos de tais objetivos, em que seus ganhos imediatos são mais importantes que a agregação de valor a longo prazo para a empresa, eles não seriam as pessoas certas para estar ocupando posições executivas de liderança na empresa.

Lembro que em vários conselhos em que participei, as remunerações variáveis, que representam parte substancial dos executivos, tem um forte componente nos resultados de longo prazo.

A questão de custos envolvidos não me parece argumento sedutor. Difícil acreditar que a companhia aberta não produza balanços e demonstrativos trimestrais internos, ou mesmo o apresentando ao seu conselho de administração. Os balanços trimestrais não precisam ser auditados e, portanto, não implicam em custos adicionais e dispensam relatórios descritivos.

Certamente a revelação do comportamento da empresa aberta num trimestre foi um dos grandes avanços da transparência e um dos pilares da governança corporativa.

Num país como o nosso, com razoável volatilidade em diferentes índices econômico-financeiros, que podem se alterar rapidamente em função de dados conjunturais, ou mesmo de comportamento setoriais, o lapso de seis meses pode ser excessivo para ter uma sensibilização do comportamento da empresa no cenário de mudanças.

Intervalos maiores podem fornecer aos que têm acesso informações privilegiadas que poderão ser utilizadas na compra ou venda de valores mobiliários de emissão da empresa. É o caso do "insider trading" que tantos malefícios trouxe ao mercado e certamente uma das maiores preocupações de qualquer órgão regulador.

Ainda no nascedouro da CVM, muito dos primeiros casos de processos administrativos que foram a julgamento estavam ligados a executivos que fizeram o uso de informações privilegiadas em benefício pessoal e se defendiam com uma argumentação deprimente. 19/10/2018 Divulgação de relatórios trimestrais: retrocesso à vista?

Lembro-me que quando fui visitar o saudoso Eliezer Batista, na época presidente da Vale, comentei que as ações da companhia flutuavam com inusitada volatilidade ao saber de informações internas de procedência duvidosa.

Ele imediatamente se propôs a divulgar resultados mensais, o que me pareceu partir para outro extremo. Fiz recomendações expressas de regras internas emanadas da presidência, mostrando a responsabilidade do sigilo absoluto de todos aqueles que teriam acesso ou manipulassem informações confidenciais.

Desde o início da CVM, estivemos comprometidos com a questão da transparência, preocupados com que o mercado somente adquiriria respeitabilidade se aqueles que nele operam tivessem acesso, a tempo, de todas as informações necessárias a uma avaliação das oportunidades de compra e venda de valores mobiliários. Era a regra de ouro do primeiro colegiado da CVM.

Em meu livro recente, "Valeu a Pena! - Passado, presente e futuro do mercado de capitais" ao mencionar as transformações vividas pelo mercado, dei a necessária ênfase ao tema da governança corporativa, em que tivemos sensíveis evoluções após a criação do Novo Mercado (2000), com o Código de Governança Corporativa editado pela CVM e também a relevância da autorregulação e do comportamento ético.

Em minha opinião, acabar com os relatórios trimestrais seria um retrocesso, com benefícios bastante questionáveis. Ainda há muito que se fazer pelo mercado para que tenhamos mais do que 700 mil investidores (pessoas físicas) registrados, contra um numero estimado de mais de 1 milhão que "investem" em bitcoins!


Roberto Teixeira da Costa
é presidente da Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM) e foi o primeiro presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
teixeiradacostaroberto@gmail.com


Continua...