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Conselho de Administração

DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA PARTICIPAÇÃO DOS EMPREGADOS EM CONSELHO DE EMPRESAS ESTATAIS

Passados dez anos da publicação da lei 12.353, que reservou aos empregados um assento no conselho de administração das empresas estatais, persistem dúvidas e questionamentos sobre a efetividade desta cota na composição dos conselhos.  Neste período, porém, é inegável que muitas empresas alcançaram a maturidade da representação dos empregados, com contribuições valiosas para o desenvolvimento da estratégia corporativa e do relacionamento com partes interessadas.

Existe um amplo campo de trabalho ao representante dos empregados no conselho de administração, permitindo levar ao colegiado mais qualidade em suas decisões, contribuindo com seu conhecimento e informações sobre o funcionamento da empresa e provocando a revisão de assuntos estratégicos.  A pessoa eleita para ocupar o assento destinado aos empregados no conselho de uma empresa, com a inevitável assimetria de informações por estar imersa em sua cultura e vivenciar diariamente as atividades, negócios e resultados, deveria ser sua maior conhecedora entre os integrantes do colegiado.  Ter capacidade de articulação e comunicação a coloca em posição privilegiada, capaz de fazer perguntas e jogar luz sobre assuntos relevantes que estejam fora do radar do board e até mesmo do management da empresa.  Além disso, pode assumir uma posição de mediação informal entre conselheiros e executivos, apoiando o processo decisório, sem se sobrepor à estrutura hierárquica da organização ou ferir a liturgia do cargo, elementos essenciais em análises de auditoria e responsabilidade típicas do mundo corporativo.

Ter clareza sobre as atribuições e responsabilidades dos órgãos de administração auxilia a desmistificar o papel de representante dos empregados no conselho, muitas vezes confundido com uma segunda instância sindical, à qual são submetidas reclamações e sugestões sobre questões trabalhistas, de atribuição das entidades sindicais.  Ainda que a realidade dos fatos se imponha e distancie as duas atividades, somente tivemos uma evolução significativa neste aspecto, com a segregação definitiva das funções, em 2016, com o veto à participação de dirigentes sindicais em conselhos de empresas estatais, a partir da promulgação da lei 13.303, a Lei das Estatais.

Diferentemente da Lei das S.A., onde o legislador optou por um dispositivo aberto para abarcar todas as possibilidades de conflito de interesses na atuação dos administradores, a lei que criou a cota para empregados na formação dos colegiados de empresas estatais acertadamente apresenta um rol educativo e exemplificativo das hipóteses em que se configuraria o conflito de interesses do conselheiro-empregado, impondo que este “não participará das discussões e deliberações sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais”, reforçando a distinção entre as atividades de administrador de empresa e representante sindical e rechaçando o papel do conselho de administração como um tribunal de segunda instância para questões relacionadas a acordo coletivo de trabalho.

A Lei das Estatais contribui também para maior equilíbrio do processo eleitoral, à medida em que os recursos aplicados nas campanhas dos candidatos apoiados por sindicatos e associações, como carros de som, viagens, faixas, panfletos, sites e equipes de apoio, são incomparáveis em relação ao que dispõe a maioria das pessoas que participam da eleição.  A capacidade econômica e o alcance geográfico destas instituições favorecem a campanha. Contudo, não garantem a eleição dos seus candidatos, como ocorrido em momentos de desconexão entre empregados e pautas político-partidárias defendidas por suas entidades representativas, mas também em pleitos mais recentes, em que as redes sociais, ágeis e gratuitas, mostraram-se ferramentas muito eficientes de propaganda.

A comunicação é um ponto chave na atividade.  Há grande cobrança dos eleitores por transparência no mandato do conselheiro eleito, o que muitas vezes gera conflito com as restrições impostas à circulação de informações, principalmente as estratégicas e em empresas de capital aberto.  Há notícias de conselheiros que transmitiram reuniões em tempo real por suas redes sociais ou publicaram relatos completos sobre as reuniões. É certo que a relação eleitor-eleito demanda prestação de contas, seja numa eleição de síndico de condomínio ou de Presidente da República, mas as regras de sigilo e divulgação de informações são aplicáveis a todos os dirigentes, independentemente de quem os elegeu.

Uma maneira eficiente e legítima de atender a expectativa dos empregados é compartilhar explicações sobre conceitos de gestão e macroprocessos típicos de qualquer empresa, como quais são as atribuições do conselho de administração, o que é um sistema de integridade, um planejamento estratégico, uma emissão de dívida ou um EBITDA, de forma que cada pessoa dentro da empresa seja capaz de compreender o desempenho da organização.  Para tal, a pessoa eleita deve se empenhar em estudar previamente temas principais, em especial aqueles que estão distantes de sua formação e experiência profissional e que tangenciam praticamente todas as decisões de um board. São essenciais o conhecimento prévio sobre responsabilidade dos administradores, melhores práticas de governança corporativa, gestão de riscos e compliance, os principais indicadores de desempenho empresarial e a leitura atenta dos relatórios corporativos publicados nos últimos exercícios.

A responsabilidade do cargo, inclusive com repercussão sobre patrimônio pessoal, e suas limitações na esfera executiva são pontos que devem estar permanentemente no campo de visão da pessoa eleita, assimilando o poder do voto refletido e instruído nas deliberações colegiadas e os efeitos destas decisões.  Como consequência desta postura diligente, pode surgir um conflito de agenda.  Posicionar-se contrariamente em pautas de interesse dos executivos, ou mesmo de seus líderes imediatos, coloca o conselheiro-empregado em posição sensível, mais do que os demais membros do conselho de administração, e exige salvaguardas de proteção contra assédio moral e de estabilidade no emprego após o término do seu mandato.

Devemos entender que o interesse coletivo dos empregados é a perenidade da empresa, com desempenho de suas atividades de maneira sustentável.  A transparência do caminho trilhado e a convergência de interesses com os demais stakeholders facilitam o trabalho da pessoa eleita.  Da mesma forma, quando os demais atores da governança compreendem o papel desta representatividade, a posição se torna estratégica para alinhamento de forças em busca dos melhores resultados.


Bruno Cesar de Paiva e Silva
é Advogado e Diretor da Nictheroy Business, é Conselheiro de Administração Certificado CCA+ pelo IBGC e foi eleito representante dos empregados por três mandatos no Conselho de Administração da BR Distribuidora.
brunopaiva@nictheroybusiness.com.br


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