Comunicação

O PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA EXECUÇÃO DA ESTRATÉGIA

De acordo com a literatura atual (IBGC, 2017), o processo da estratégia deve envolver o pensar estratégico (reflexão e ponderação contínuas)(formulação e decisão) e a sua execução (implementação e monitoramento). Embora todas essas dimensões sejam relevantes para o sucesso das estratégias pretendidas, a temática relacionada à execução tem despertado especial interesse em anos recentes. Isso, naturalmente, não ocorre sem razão: estratégias podem ser parcial ou totalmente implementadas, produzir diferentes níveis de alcance de resultados e o seu grau de aceitação, pela organização, também pode variar.

De fato, estudos nessa área mostram que uma alta porcentagem de iniciativas estratégicas ainda falha em cumprir com suas promessas. Pesquisa conduzida pela revista The Economist (2013), com 587 executivos sênior, globalmente, revelou que, em média, apenas 56% das iniciativas estratégicas das organizações são bem implementadas, o que significa que boa parte das estratégias, ainda hoje, não cumpre com o seu propósito de modelar a forma como as organizações devem operar no dia a dia. No contexto desse artigo, define-se como iniciativa estratégica qualquer projeto ou ação necessários à implementação ou à continuidade da execução de uma estratégia. Isto inclui alguns dos projetos de alta prioridade de uma organização, porém não todo o seu portfólio de projetos.

Algumas das razões comumente apontadas indicam:

(i) falta de buy-in, atenção e suporte por parte das lideranças;

(ii) necessidade de maior investimento de tempo e recursos, tendo em vista maior complexidade, riscos e restrições envolvidos no processo de execução;

(iii) dificuldade em se traduzir decisões estratégicas em ação pela falta dos conhecimentos e habilidades necessários; e

(iv) incapacidade de conduzir processos de mudança, de forma efetiva, ao longo do ciclo de vida dos projetos.

Além das razões acima indicadas, outro fator – muitas vezes esquecido ou subestimado em sua importância – também concorre para o sucesso ou insucesso das estratégias deliberadas, qual seja: a capacidade das organizações de se comunicar, de forma adequada e tempestiva, e de envolver um grupo crescente de partes interessadas – como colaboradores, fornecedores, clientes, consumidores, parceiros de mercado, ONGs, entes públicos, associações de classe, investidores e, até mesmo, concorrentes – no processo de articulação das estratégias, ao invés de limitá-lo a um círculo restrito de executivos e gestores.

Ao incluir, em suas discussões estratégicas, seus públicos mais relevantes, as organizações podem enriquecer a reflexão e ponderação sobre questões-chave que permeiam o exercício da estratégia – como, por exemplo, “onde estamos?”, “aonde queremos chegar?” e “quais caminhos deveremos percorrer para alcançar esses objetivos?” – gerando, desde o princípio, entendimento e engajamento nos seus públicos internos e externos com relação às suas escolhas estratégicas.

Em um mundo caracterizado por mudanças aceleradas, complexidade e incertezas, estratégias importam mais do que nunca. Nessa perspectiva, deixar de monopolizar o processo da estratégia, e abri-lo para incorporar a contribuição das partes interessadas mais relevantes de uma organização, pode ser parte da receita para minimizar riscos e aumentar as chances de sucesso dessas estratégias.

Conquistando o engajamento dos públicos internos
Indiscutivelmente, uma estratégia bem formulada, e alinhada entre Conselho de Administração e C-Level da empresa, cumpre com parte relevante de seu propósito. Outra parte, igualmente importante, contudo, tem a ver com os níveis de compreensão, aceitação e apropriação dessa estratégia pelas demais esferas da organização. Se os colaboradores da linha de frente, ou aqueles que operam processos geradores de valor para os clientes, estiverem desinformados ou desconectados da estratégia da companhia, como poderão implementá-la efetivamente? E se essa estratégia central não for traduzida em iniciativas, planos, indicadores, metas e sistemas de reconhecimento e recompensa – no nível empresarial, das unidades de negócio, áreas funcionais, equipes e colaboradores – como garantir que será priorizada e monitorada no dia a dia? E, finalmente, se não houver uma comunicação fluida e bidirecional, entre as equipes internas e as de campo com os níveis executivos e de decisão da organização, como assegurar que os sinais internos e o feedback do mercado e de clientes irão retroalimentar a estratégia, testando seus pressupostos e permitindo sua adaptação e evolução contínuas?

A operacionalização de uma estratégia é o resultado de milhares de decisões, tomadas todos os dias, por colaboradores que atuam de acordo com o nível de informação de que dispõem e de seu grau de conexão com a estratégia da organização. Tratar de forma isolada ou fragmentada, perspectivas tão relevantes como a estratégia empresarial, por um lado, e a gestão e o relacionamento com clientes, os processos operacionais, as pessoas, seus papéis, responsabilidades e competências, e a tecnologia e infraestrutura necessários, por outro, só pode aumentar o gap entre a ambição de uma organização e seus resultados, frustrando as expectativas das partes envolvidas.

Uma empresa só será capaz de executar sua estratégia, de forma consistente e sustentável, se tiver a habilidade de promover alinhamento, engajamento, disciplina, diligência e foco em todos os níveis da organização. Do contrário, a estratégia empresarial não será mais do que uma retórica empresarial. Como bem destacou um alto executivo de instituição financeira multinacional (Stedler, 2021) “uma estratégia simples, porém bem compreendida por todos, sempre será melhor do que uma estratégia complexa, assimilada por poucos”.

Há diversas maneiras de se comunicar uma estratégia – como transmiti-la através de comunicados ou de modo top-down por meio da hierarquia. Mas, poucas formas serão tão carregadas de poder simbólico, motivacionais e efetivas como ter o próprio CEO e a diretoria executiva orquestrando o processo, comunicando e esclarecendo a visão geral e conquistando o buy-in e o comprometimento da organização. Tendo em vista a criticidade desses processos, perceber que a liderança da empresa também está envolvida em sua execução, fará toda a diferença. Nesta perspectiva, a participação, de forma seletiva, do presidente e membros do conselho em eventos, em conjunto com a liderança executiva, também pode gerar impacto positivo e relevante na demonstração de coesão e coerência em torno das estratégias pretendidas.

Em resumo, ao abandonar modelos tradicionais de comando e controle – em que parte da organização é responsável por pensar (thinkers) e, outra, por executar o trabalho (doers) – mais e mais empresas têm tornado o processo de planejamento da estratégia (formulação e decisão) mais inclusivo e colaborativo, ou bottom-up, através do envolvimento de grupos de trabalho formados por profissionais das mais variadas áreas. Além disso, muitas delas têm utilizado ferramentas gerenciais, tais como mapas estratégicos e o Balanced Scorecard, para tornar, também, a execução da estratégia (implementação e monitoramento), responsabilidade e tarefa de todos, retroalimentando a empresa com a leitura continuada da realidade.

Materializando a estratégia para os públicos externos
Conforme já mencionado, uma importante atividade da agenda do CEO está relacionada ao alinhamento das partes interessadas relevantes, ou key stakeholders, com a estratégia empresarial e isto, naturalmente, envolve, além dos públicos internos, também, os externos – cada vez mais numerosos e críticos ao sucesso das organizações.

Hoje – consumidores, clientes, fornecedores, parceiros de negócio, investidores, ONGs, governo e comunidade em geral – todos desejam ampliar sua perspectiva sobre a organização: como ela está operando, quais são seus desafios atuais e quais planos têm para o futuro. As empresas, com uma frequência cada vez maior, sofrem o escrutínio e são julgadas conforme são percebidas externamente – o que pode, não necessariamente, ser favorável à sua imagem reputacional ou à percepção de seu valor pelo mercado.

Nesse sentido, é primordial comunicar-se de forma contínua, transparente e eficaz também com os públicos externos. Atuando dessa forma, além de corroborar com a sua necessária licença social para operar*, a empresa pode ganhar apoio de analistas e investidores, o interesse de um maior número de consumidores e clientes e aproximar novos parceiros de negócios, criando valor de longo prazo para a organização. Em um mundo inundado, diariamente, por um fluxo incessante de informações, a comunicação institucional com públicos externos selecionados nunca foi tão importante para a preservação e valorização dos negócios.

(*) A expressão licença social para operar (LSO) foi utilizada primeiramente, em 1997, durante conferência sobre mineração realizada no Equador pelo Banco Mundial. Atualmente, a sigla é utilizada por diversos órgãos e normas internacionais. Apesar de abstrata, é consenso que a LSO trata de uma licença intangível, não concedida por meio de documento, mas sim por meio de contrato tácito realizado com a sociedade ou grupo social, que legitima, aceita e permite que a organização inicie e continue as suas operações. (IBRAM, 2017).

A orquestração dessa comunicação com os públicos externos é, normalmente, o foco das áreas de comunicação corporativa e de relações com investidores, as quais são responsáveis por condensar dados, fatos, informações e mensagens relevantes e os veicular por meio de múltiplos canais a uma grande variedade de audiências, mas a participação do CEO, do CFO ou, até mesmo, de representante(s) do conselho, em certas situações, pode fazer diferença nos processos de construção de credibilidade e capital reputacional para a organização. É recomendável, também, a criação de políticas claras, capazes de orientar a companhia em suas interações com o mundo externo, bem como na gestão e mitigação de riscos empresariais.

De acordo com pesquisa recente (Lancefield, 2022), a responsabilidade de comunicar a estratégia geralmente é restrita a alguns poucos gestores, com base em duas crenças errôneas: somente a equipe de ponta tem responsabilidade pela estratégia e a estratégia é complexa demais para ser comunicada por outras pessoas. As informações empresariais também são comunicadas de forma restrita com base em duas outras crenças equivocadas: muitos detalhes irão distrair as pessoas e os concorrentes terão uma vantagem ao saber mais sobre a estratégia. Embora possa haver conteúdos que uma organização legitimamente não queira divulgar, as práticas de não comunicar, ou comunicar de forma fragmentária, limitam a oportunidade para que funcionários, parceiros, fornecedores e outras partes interessadas relevantes contribuam, executem ou mesmo defendam a estratégia.

Em resumo, para que uma estratégia empresarial possa, de fato, se tornar efetiva, deve ser capaz de estabelecer, e cumprir, objetivos de comunicação tanto no relacionamento com seus públicos internos quanto externos.


Cláudia Pagnano, Deborah Patrícia Wright, Eliane Lustosa, Henri Vahdat, Paulo Iserhard e Roberto Faldini são membros da Comissão de Estratégia do IBGC - Instituto Brasileiro de Governança Corporativa.
www.ibgc.org.br


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