Segurança, liberdade, status ou poder? A combinação entre sua forma de ver a vida e de interagir em sociedade pode explicar como você interpreta o principal símbolo dos nossos tempos.
Para que serve o dinheiro? Durante muito tempo trabalhando como professor de Finanças Pessoais e planejador financeiro eu me privei de fazer esta simples pergunta aos meus alunos e aos meus clientes. Não fazia esta pergunta por considerá-la elementar. A explicação era clara e eu a conhecia a priori. De forma arrogante, achava que o significado que eu dava ao dinheiro era o único possível. Não é que partisse do pressuposto de que só a minha resposta era correta, a situação era mais grave: eu não imaginava que houvesse outras respostas.
O caminho até entender os diferentes significados para o dinheiro foi longo. Já se vão mais de 15 anos de estudo em Finanças Comportamentais e Psicologia Cognitiva. Em meio a essa jornada, eu percebi que o homo Economicus, aquele ser plenamente racional imaginado pela Economia, na realidade não existe.
O modelo que vou apresentar neste artigo é uma tentativa de agrupar em quatro quadrantes os diversos significados que as pessoas dão para o dinheiro. Mesmo sabendo que o espectro de significados é muito mais amplo, o modelo serve para planejadores financeiros, gerentes de banco e todos que se dedicam a aconselhamento financeiro entenderem um pouco melhor seus clientes. Também pode nos auxiliar a entender nossa relação com o dinheiro e como ela ajuda ou prejudica nossas finanças.
O desenvolvimento desse modelo teve o auxílio de longas conversas com dois queridos amigos: o renomado psiquiatra Ercy Soar e a psicóloga Márcia Tolotti, que enveredou pelas finanças pessoais. Ambos vivenciam, em suas análises clínicas, o resumo teórico apresentado a seguir.
Os eixos
O eixo horizontal é o eixo das expectativas. Ele traça a forma como encaramos a incerteza ou o risco. Em uma ponta estão os pessimistas, que tendem a evitar situações que fogem ao seu controle e acreditam que o futuro tende a ser hostil. Do outro lado, estão os otimistas. Para eles, o futuro é amigável, o risco e a incerteza podem ser vistos como algo positivo, como oportunidades.
O eixo vertical é chamado de eixo da sociabilidade, traçado a partir da validação. Em Estatística, validação significa certificar-se de que um dado é verdadeiro. Algumas pessoas dependem de validação, outras não. As primeiras precisam constantemente do olhar alheio de aprovação. Seu valor precisa ser validado por seus semelhantes. As do segundo caso se consideram valorosas independente da opinião dos outros.
Uma pessoa com forte validação no "eu" pode ir a uma festa com uma roupa bastante diferente dos demais e talvez sequer perceba. Já uma pessoa validada nos outros ficaria extremamente constrangida ao passar pela mesma situação.
Os quadrantes
O primeiro quadrante é ocupado por aquelas pessoas pessimistas e validadas no eu. Para elas dinheiro significa segurança. O dinheiro é um meio para se proteger de um futuro hostil. Como são auto validadas, preferem que os outros nem saibam que elas têm dinheiro.
O segundo quadrante é das pessoas otimistas e validadas no eu. Para estas pessoas o dinheiro é liberdade. Ele é um meio para conseguir aproveitar a vida. Elas não se preocupam com o dinheiro, pois vivem certas de que no futuro terão muito mais do que hoje.
O terceiro quadrante é das pessoas otimistas e validadas nos outros. Para elas o dinheiro é status. Ele é uma forma de mostrar ao mundo seu sucesso, seu valor. Para elas não basta gastar, é preciso comunicar que estão gastando.
O quarto e último quadrante é das pessoas pessimistas e validadas nos outros. Para elas o dinheiro é poder. É preciso comunicar aos outros que elas têm muito dinheiro - mas sem gastar. Afinal, o poder vem da opção de gastar ou não. Uma vez gasto, o dinheiro deixa de representar poder para elas.
Características dos quadrantes
As pessoas do primeiro quadrante, segurança, costumam ser grandes poupadoras. Tendem a ter quase todos seus investimentos em opções extremamente conservadoras, com baixo risco e baixo rendimento. Sacrificam-se muito para acumular, mas por seu pessimismo não deixam o dinheiro trabalhar adequadamente para seu sucesso. Dentro de uma instituição financeira, seu foco é pagar pouco. O grande risco para estas pessoas é passar por privações auto impostas e geralmente desnecessárias.
As pessoas do segundo quadrante dificilmente poupam. Elas buscam em seu gerente ou consultor financeiro alguém que resolva seus problemas. Tudo que elas querem é não ter que pensar em dinheiro. Como não se preocupam com o dinheiro, não dedicam tempo para a formação de reserva de imprevistos ou de aposentadoria. O risco destas pessoas é a insegurança que impõem a si mesmas e a suas famílias.
As pessoas do terceiro quadrante geralmente dedicam muito esforço para ganhar dinheiro. Elas gostam do dinheiro, mas gostam ainda mais de gastar este dinheiro para comunicar aos outros o seu sucesso. Não se preocupam em pagar para as instituições financeiras, desde que sejam atendidas em ambientes sofisticados e de forma personalizada. O risco para estas pessoas é o da insatisfação. Como se julgam a partir da comparação com os outros, vão sempre encontrar muitas pessoas vivendo em patamares superiores ao seu.
No último quadrante, o do poder, identificamos pessoas que dedicam muito tempo para ganhar e guardar dinheiro. Deveriam ser pessoas muito desejadas por instituições financeiras, porém tendem a ser clientes muito difíceis. São aqueles que constantemente ameaçam romper seu relacionamento com o banco, que adoram proclamar suas relações, nem sempre verdadeiras, com diretores ou donos do banco. Frequentemente tentam mascarar sua insegurança com arrogância. O grande risco destas pessoas é o isolamento. Por terem dificuldade de compartilhar, essas pessoas tendem a afastar aqueles que se aproximam delas.
O quadrante ideal
Existe o melhor quadrante? Certamente não, até porque ninguém encontra-se 100% em apenas um deles. Uma pessoa totalmente pessimista não levantaria da cama. Uma pessoa totalmente validada no eu não poderia viver em sociedade.
Ao longo da vida podemos mudar nossa posição nos quadrantes - ninguém é apenas de um jeito sempre. Encontra-se ali até que queira mudar.
Se pudesse fazer uma escolha diria que deveríamos temperar nossa vida com doses semelhantes de otimismo e pessimismo, colocar dois punhados de validação nos outros e três de validação no eu. Será que seria esse o ideal? Não sei, mas é lá que gostaria de estar. Infelizmente minha índole me chama para a segurança.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br