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Orquestra Societária

SINFONIA CORPORATIVA & MODELO DE GESTÃO  

Em nosso 14º artigo publicado na edição 194 desta prestigiosa revista, procuramos estabelecer paralelos entre uma orquestra real e a Orquestra Societária, de maneira a identificar elementos dessa primeira que pudessem fazer sentido para transposição ao ambiente empresarial. 

Na oportunidade, mencionamos a necessidade de evoluir na direção de um modelo de gestão, representado entre outros elementos na figura 1, o qual permita aos maestros organizacionais levarem a organização do presente ao futuro:.

Figura 1 - A Orquestra Societária, a Sinfonia Corporativa e o Modelo de Gestão

Na figura, destacamos, além da equação da sinfonia corporativa, a representação em destaque do modelo de gestão, indicado como uma chave passível de ser ligada para assegurar uma sinfonia, ainda que apenas mediana - e mesmo assim, preferível à cacofonia ou barulho – e, no melhor dos mundos, produzir uma obra de grande valor. Na sequência, apresentamos breves considerações sobre modelos de gestão. O que podemos mencionar sobre eles?

Sem pretender esgotar os pontos que nos parecem relevantes sobre um modelo de gestão genérico, elencamos aqui os seguintes:

1) As palavras modelo e gestão podem ter vários significados, neste artigo, consideramos válidos: (I) Modelo – representação de uma realidade complexa, visando facilitar sua compreensão e, por vezes, criar uma referência que possa ser adaptada a outros ambientes; e, (II) Gestão – coordenação de um grupo de pessoas ou de uma coletividade mais ampla - uma organização - em prol do alcance de objetivos comuns e resultados sustentáveis.

2) A expressão modelo de gestão, ou seja, uma referência para a coordenação de atividades organizacionais, bem como as palavras e expressões estratégia, firma, governança corporativa entre outras são constructos, uma categoria que somente pode ser compreendida em ampla extensão por meio da análise de várias teorias.

3) Entre as possíveis formas de qualificar o que seja um modelo de gestão, enfatizamos aqui as seguintes:

  • Ele pode ser tratado como uma lógica que agrega e integra variáveis das teorias da organização, citando-se aqui uma tipificação interessante dessas teorias: as perspectivas mecanicista (alguns representantes: Frederick Winslow Taylor, Henry Ford e Henri Fayol), humanística (Elton Mayo, Mary Parker Follet, Rensis Likert e Douglas Mc Gregor) e integrativa ou sistêmica (Talbot Parsons, Keneth E. Boulding, P. R Lawrence e J. W. Lorsche). O livro Modelos de gestão, elaborado por vários professores e publicado pela Fundação Getúlio Vargas (2006) constitui-se em um exemplo que descreve tal lógica, alertando quanto às dificuldades de construir e implantar modelos de gestão, em um contexto complexo, integrado por pessoas imperfeitas e em que disputas de poder podem travar o desenvolvimento da organização.
  • Ele pode também ser considerado como uma lógica que agrega e integra variáveis da chamada arquitetura organizacional, construída para levar a organização do presente ao futuro, em um contexto globalizado e complexo. Definida pela literatura como o desenho ou projeto da organização, a arquitetura organizacional abrange estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas; não por acaso, elementos representadas na figura 1. A arquitetura organizacional tem sido aprofundada por autores como J. R. Galbraith, David A. Nadler e Marc S. Gerstein e o livro Modelo de gestão – uma análise conceitual, de Maria Isabel Pereira e Sílvio Aparecido dos Santos (2001) é um exemplo que descreve a lógica citada, enfatizando a necessidade de que os modelos de gestão valorizem o conhecimento.
  • Ele seria uma das múltiplas ferramentas disponíveis aos gestores empresariais, a exemplo dos modelos das cinco forças competitivas de Michael Porter, dos quatro P’s de Philip Kotler, dos seis chapéus do pensamento de Edward de Bono e de muitos outros. Pode-se, também, dentro dessa visão, focalizar ferramentas de gestão específicas e capazes de facilitar, em grande medida, se bem implantadas, a gestão da estratégia. São exemplos o Balanced Scorecard (BSC), desenvolvido por Roberto Kaplan e David Norton e o ciclo de EPM - Enterprise Performance Management, desenvolvido pela consultoria PwC, apresentados em nosso artigo publicado na edição 182 (abr/2014) desta revista.

A primeira e segunda formas de qualificação de modelos de gestão descritas são egressas da literatura acadêmica, de natureza científica e inquiridora; a terceira, com raízes acadêmicas, está disponível especialmente na literatura de negócios, frequentemente orientada para produtos e soluções voltadas à organização do trabalho corporativo.

Como agregar tamanha riqueza conceitual ao modelo de gestão representado na Orquestra Societária (figura 1), especialmente considerando a contribuição que as orquestras reais podem trazer às organizações empresariais e não empresariais? Nossa resposta está representada na figura 2 e em suas explicações:

1) O modelo de gestão ali representado, o mesmo do epicentro da Orquestra Societária (figura 1), é uma referência para a coordenação de atividades organizacionais, constituindo-se em uma chave de ignição que possibilita à organização se mover e evoluir do presente ao futuro. Esse modelo integra diversas variáveis egressas das teorias organizacionais e da arquitetura organizacional (vertentes que, afinal de contas, não são estanques) e compreende dois níveis, citados no artigo 194 da Revista RI, disseminados por toda a organização: Nível 1 - Planejamento e Controle; e, Nível 2 - Liderança.

2) No Nível 1, do Planejamento e Controle, representa-se o que aqui denominamos como Painel de Bordo, correspondente a uma matriz que combina os seguintes elementos, presentes na Orquestra Societária (figura 1): (I) os termos da equação da sinfonia corporativa, quais sejam alinhamento, mitigação de riscos e resultados sustentáveis; (II) as cinco pontas da arquitetura organizacional, ou seja, estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas; e, (III) os públicos relevantes ou estratégicos organizacionais, seus stakeholders.

Destaca-se que a estratégia observa e dispõe sobre vários elementos concomitantemente e, inclusive, está representada na Orquestra Societária (figura 1) em uma posição privilegiada em relação às demais dimensões da arquitetura organizacional. Note-se que a estratégia está posicionada de frente para o maestro e a plateia de stakeholders, o que é consistente com a ampla cobertura de temas de interesse que o planejamento e gestão da estratégia envolvem.

Outro aspecto sobre o qual aqui chamamos a atenção – são vários relevantes a observar! – corresponde ao sistema de recompensas. Em nosso próximo artigo, contemplaremos uma recente pesquisa elaborada pela PwC e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) sobre tais sistemas; para o momento, afirmamos: o descolamento entre resultados e remuneração executiva enfraquece a Orquestra Societária.

Ressalta-se ainda que o Painel de Bordo (figura 2), ponto de encontro de variáveis caras aos sócios (como a geração de caixa, o lucro, o retorno sobre o investimento e o custo de capital entre várias fundamentais) e de outras relacionadas aos demais stakeholders, é ilustrativo e na prática, pode ser desenhado de variadas maneiras. Ferramentas como o BSC e o ciclo de EPM, por exemplo, anteriormente citadas, sem ter a configuração representada na figura, podem permitir a representação dos elementos constantes na Orquestra Societária, possibilitando a criação de painéis de bordo. O mais importante não é o formato exato do Painel, mas sua lógica e existência com a representação das variáveis que importam; o próximo artigo tratará também das citadas variáveis.

3) No Nível 2, da Liderança, representa-se a contribuição das orquestras reais, ou seja, a presença do conjunto de regentes organizacionais, que agrega tanto o maestro-mor, ou seja, a Alta Administração, quanto os demais maestros que observam sua batuta, em uma cadeia que é de comando, mas também de coordenação. Aqui, cabe uma pergunta: em uma organização que tenha conselho de administração e diretoria executiva, a quem cabe o papel do maestro? A nosso ver, o conselho, uma instância colegiada, é maestro da diretoria executiva. Internamente, essas instâncias terão seus respectivos presidentes, maestros, por seu turno, de conselheiros e diretores. Supõe-se, naturalmente, a regência descendo por toda a estrutura organizacional.

Figura 2 - A Orquestra Societária e o Modelo de Gestão e seus dois níveis  





No exercício da liderança, a ética é ponto de partida, conforme temos enfatizado em artigos recentes com as preciosas contribuições do professor Lélio Lauretti e de outros leitores, sendo a comunicação a principal ferramenta de trabalho, com todos os maestros buscando, em suas esferas de competência e influência:  

  • ampliar a percepção das pessoas sob seu comando e coordenação, de forma que essas se tornem cada vez mais conscientes quanto à visão do todo;
  • atentar aos fatores realmente importantes para a qualidade dos resultados perseguidos, tais como:

 - Visão

-

Criar uma percepção do futuro a ser construído.

- Fluxo

-

Permitir que o trabalho flua, sem interferências desnecessárias.

- Observação

-

Observar não apenas o que mas também como as coisas estão sendo feitas.

- Controle

-

Discernir o que deve do que não deve ser controlado, evitando sobrecarregar o Painel de Bordo e garantir o alcance dos resultados sustentáveis;

  • repetindo o dito em nosso artigo anterior, exercer a liderança de maneira suavemente firme, como se fossem maestros diferenciados de orquestras reais, desafiando seus liderados a perseguir ideais, ajustando atividades onde e quando pertinente e extraindo o melhor que as pessoas têm a oferecer.

4) O alinhamento entre os vários públicos e entre os processos empresariais, a mitigação de riscos e a obtenção de resultados sustentáveis, presentes na equação da sinfonia corporativa e no Painel de Bordo, não serão alcançados em níveis elevados apenas por que pessoas monitoram o citado Painel, mas principalmente em função dos maestros e de sua atuação conjunta com as demais pessoas que integram a Orquestra Societária.

5) Para se obter os resultados sustentáveis planejados é necessário um adequado sistema de recompensas, que justifique a materialização de todos os esforços necessários para o atingimento das metas planejadas pelos maestros e profissionais que compõem a Orquestra Societária.

6) A partir das considerações anteriores, torna-se impossível implantar dois modelos de gestão idênticos em duas organizações distintas. Primeiramente, por que as ferramentas que o mercado oferece para ajudar empresas e outras organizações necessariamente passarão por ajustes, em diferentes níveis de complexidade para cada organização, de acordo com seus respectivos negócios. Em segundo lugar, por que os líderes poderão até ter características similares, mas como as pessoas não são iguais, a réplica ou clonagem é impraticável.

A criação e a implantação de um modelo de gestão organizacional não são simples e fáceis, pois tais modelos modificam culturas e mudar cultura não é trivial e requer uma gestão de mudanças robusta. Assim, os maestros da organização – Alta Administração e demais gestores por essa coordenados – devem se preparar: eles trabalharão muito. Será que isso pode ser feito de uma forma menos sofrida e mais estimulante? Será isso possível?

Feitas essas considerações, retornaremos, no próximo artigo, com maior aprofundamento do modelo de gestão, melhor focalizando o Painel de Bordo (o que haverá ali? Quais variáveis serão monitoradas? Como o sistema de recompensas reconhecerá as pessoas? Como se dará o alcance do Painel pela organização?) e a Liderança (o que são, afinal, líderes? Como desenvolvê-los? Como eles agregarão, ao sistema de recompensas, seu toque de maestros?), convidamos nossos leitores a uma reflexão sobre os modelos de gestão das empresas às quais estejam profissionalmente ligados, à luz do conteúdo deste singelo texto, enviando-nos eventuais insights e contribuições.


Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão
tem atuado como profissional de finanças e estratégia, conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...