Orquestra Societária

GOVERNANÇA & SUSTENTABILIDADE NA BASE DO MODELO DE GESTÃO

Como prometemos na edição anterior aprofundar a discussão da Orquestra Societária e do modelo de gestão, que lhe confere imprescindível suporte, considerando dois importantes pilares - as práticas de Governança Corporativa e Sustentabilidade - entrevistamos: Helmut Bossert e Anna Maria Cerentini Gouvea Guimarães, profissionais altamente qualificados, que há anos defendem as boas práticas de governança, empreendendo esforços na condução sustentável dos negócios das grandes empresas em que atuaram, respectivamente, como executivo de Relações com Investidores (RI) e Chief Executive Officer (CEO).

As entrevistas apresentadas a seguir constituem efetivas provocações à reflexão dos nossos leitores.

Entrevista: Helmut Bossert
Sócio-diretor da Valor Partners e membro do CODIM, ex-RI da Natura e SABESP

Helmut sugere uma atuação em RI avançada e que vá além das práticas convencionais, buscando entender a fundo como pensam os acionistas qualificados e os potenciais investidores, que acompanham efetivamente a empresa e que possam agregar ideias para uma performance empresarial superior.

RI: À luz dos conceitos introduzidos pela Orquestra Societária e seu modelo de gestão, quais são as suas contribuições às relações entre os administradores da empresa e os acionistas para garantir os princípios da governança corporativa - transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa?

Helmut Bossert: Como executivo de RI, eu sempre me preocupei muito em conversar com meus pares, em questioná-los sobre como funcionavam seus processos, seus conselhos e cheguei à seguinte conclusão (figura 1A): de um lado, ficam o Conselho de Administração e a Alta Administração, do outro lado, o mercado, os bancos, corretoras, firmas de asset management, agências de rating, BNDES e no meio, o RI, não na figura do profissional, mas do conceito de relações com investidores. Para intermediar o fluxo de informações entre ambos os lados, é comum a utilização das ferramentas básicas - site da empresa, release trimestral, fatos relevantes, assembleia e a própria comunicação constante do RI com o mercado. Mas existe uma figura dentro da organização que às vezes trava o fluxo dessas informações, faz uma censura, define o que deve ser falado, obstruindo o processo normal e sadio da comunicação. Falta nesse processo de comunicação com o mercado o uso de ferramentas inteligentes. O que precisamos fazer? Colocar um stent, abrir a veia, criar o arejamento da administração (figura 1B). Para viabilizar o uso das ferramentas inteligentes, é necessário um processo, uma metodologia e treinamento não só da área de RI, mas de toda a empresa.

Figura 1: Fluxos de informações com ferramentas básicas (A) e com ferramentas inteligentes (B).

Fonte: Estudos de Helmut Bossert.
Nota: As ferramentas inteligentes operam como um stent, dilatando o canal de informações, que é bidirecional, e favorecendo uma circulação informacional superior e com maior densidade de conteúdo.

RI: Quais são essas ferramentas inteligentes e quais são os seus benefícios?

Helmut Bossert: Citamos algumas: (i) implementar um programa de RI bem estruturado e potencializar sua atuação; (ii) definir um targeting de acionistas especializados em sua indústria, visando 50/60 investidores focados; (iii) elaborar um perception study a partir de uma metodologia avançada e com base no targeting predefinido e, em conjunto com a Alta Administração, criar o questionário que será aplicado aos analistas. E contribuir para que o Conselho conheça melhor a sua base acionária e saiba quem são aqueles que não compram as suas ações e por que; (iv) elaborar uma peer analisys de alta performance. Isto é, não só mostrar o giro do estoque ou os índices dos seus pares, mas fazer uma análise profunda do MD&A (Management Discussion & Analysis) que empresas concorrentes apresentam em seus Annual Reports; e, (v) implantar um sistema de surveillance e realizar uma análise crítica da base acionária.

O uso dessas ferramentas inteligentes em conjunto com a Alta Administração, incluídos o Conselho de Administração e a Diretoria Executiva, permite à empresa estruturar adequadamente sua estratégia de comunicação com seus acionistas/investidores, saber o que o mercado “pensa” sobre a empresa e, principalmente, permitir a execução de ações proativas pelo responsável na área de relações com investidores em alcançar o valor adequado/correto da empresa.

Utilizando essas ferramentas inteligentes, não há o cerceamento das informações e a principal função da área de RI é propiciar o fluxo informacional de uma maneira fácil. As informações coletadas do mercado devem ser utilizadas principalmente no planejamento estratégico, propiciando que a empresa se beneficie dessa comunicação com os milhares de analistas que estão no mercado de capitais, que conhecem profundamente o setor e empresas semelhantes.

RI: Falando em sustentabilidade da empresa, como os pilares econômico, social e ambiental se conectam às práticas de governança corporativa? Como promover tal conexão?

Helmut Bossert: Em minha opinião, os três pilares se conectam através de uma metodologia instrumentalizada no modelo de gestão, em que é possível medir as variáveis que interferem no processo de sustentabilidade dos negócios, considerando os efeitos sociais e ambientais.

O que deve ser feito? Implantar, dentro da organização, uma metodologia de gestão integral, que requeira a utilização de uma matriz na análise de viabilidade de seus produtos e serviços, que inclua a visão de sustentabilidade e seus impactos sociais e ambientais, englobando desde a cadeia de suprimentos – matéria-prima, transporte e logística – até a entrega final do produto ao cliente.

Para viabilizar a implantação dessa metodologia, é preciso ter líderes comprometidos, como cita Alexandre Di Miceli da Silveira, professor da Universidade de São Paulo (USP) em sua entrevista para o jornal Estadão na seção de governança corporativa, em 8 de setembro deste ano, no artigo intitulado “Empresários do País pararam no tempo, afirma especialista”.

Di Miceli estuda o tema governança corporativa no Brasil há 15 anos e para ele: “é preciso moldar ambientes que induzam as pessoas a pensar no longo prazo de maneira voluntária”. Essa mudança, na visão de Di Miceli, depende essencialmente de novos líderes acostumados à transparência e receptivos a críticas, características que ele não vê em boa parte das empresas brasileiras.

“Assim como sustentabilidade e responsabilidade social, governança se tornou uma das expressões-chave que empresas não podem ignorar; embora a governança seja tema popular, é preciso avançar em matéria de conteúdo. Em primeiro lugar, é preciso ter líderes comprometidos com a boa governança.” Recomendo a leitura da íntegra desse artigo do Di Miceli.

 

Entrevista: Anna Maria Guimarães
Diretora da Saint Paul, CEO de multinacionais holandesa e franco-italiana

Anna Maria sugere que os conselhos de administração estabeleçam parâmetros mais elevados de governança empresarial, cobrando resultados, e que os CEOs sejam capazes de orquestrar iniciativas dos talentos humanos, com ética e coragem, definindo o caminho de sucesso empresarial.

RI: À luz dos conceitos introduzidos pela Orquestra Societária e seu modelo de gestão, quais são as suas contribuições às relações entre os administradores da empresa e os acionistas para garantir os princípios da governança corporativa - transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa?

Anna Maria Guimarães: Primeiro é necessário ter harmonia, simetria de propósitos, nem sempre de ideias, mas de propósitos, o que é muito importante. Outro tema fundamental em governança é evitar o conflito de agência em que, no limite, o gestor possa estar muito preocupado com seu bônus de curto prazo e se esquecer do seu compromisso com a perenidade da organização, sustentabilidade corporativa.

Como CEO, nunca me aventou o fato de existirem interesses individuais mais fortes do que o interesse da organização. Existem casos em que isso acontece. Em minhas experiências em multinacionais, sempre tínhamos o bônus de curto prazo menor e bônus muito maiores de longo prazo. Esta é uma prática nas multinacionais, que já detectaram tal possibilidade de conflito de interesses. Em minha opinião, atualmente, o processo seletivo do CEO é muito criterioso, devendo ser capaz de capturar esse e outros tipos de desvios de conduta, que são totalmente incongruentes e assimétricos com a missão da organização.

Citando a sinfonia corporativa, às vezes o conselho de administração determina que ele mesmo contrate e demita o CEO e os demais membros da diretoria executiva. Eu sou totalmente contra essa prática, porque, é muito simples: se o conselho vai dispor, contratar, definir quem serão os diretores comercial, de RH e o CFO, quer dizer que o CEO ficará em uma posição muito cômoda, de dizer que se não derem certo os rumos da companhia, se não se atingir o nível de crescimento e lucratividade esperado, a explicação pode ser que o CEO não tinha toda a diretoria executiva com ele e que não pode ser totalmente responsabilizado.

Eu sempre defendi, como CEO e conselheira também, que essa prerrogativa de escolher a diretoria executiva seja sempre do CEO. Talvez para mitigar riscos, o conselho possa interpelar, fazer uma sabatina, mas a decisão final tem que ser do CEO. Pode-se ter um critério de seleção definido pelo conselho, mas os candidatos devem ser indicações do CEO, cabendo a ele orquestrar e responder pelos resultados.

Cabe ao conselho de administração ou conselho consultivo definir os rumos da companhia, determinar as taxas de crescimento, a rentabilidade e outros critérios que julgar importantes, mas quem determina a estratégia, o caminho de sucesso, tem que ser a diretoria executiva. Hoje, quem ocupa as diretorias, tem que ser supercapacitado, high potencial, gerar resultados sustentáveis, ter liderança, saber trabalhar em equipe. Quando o conselho de administração define a estratégia, é um desperdiço de talentos. Cabe ao conselho uma função maior, de justamente orientar a diretoria em grandes linhas e cobrar pelos resultados.

Já participei como conselheira de reuniões em que o(a) CEO queria discutir com o conselho como ele(a) chegaria ao crescimento determinado. Nossa posição no conselho foi solicitar que ele(a) definisse como chegar ao crescimento proposto e nos apresentasse a estratégia e os respectivos planos, por que o nosso papel era o de validar e deliberar.

A propósito, eu vejo, na maioria dos conselhos, em grande medida, a visão do retrovisor e, quase nunca, a visão do para-brisa. Por quê? Talvez porque falar de estratégia, de futuro e de tendência é complexo e olhar pelo retrovisor é mais simples, porque basta analisar os números e eventos registrados. Entretanto, a visão de para-brisa do conselho é fundamental para a sustentabilidade do negócio e acredito que deve ser sempre orquestrada pelo Presidente do Conselho.

Outra questão que eu aprendi na prática também é a importância da dedicação do tempo do CEO em cerca de 40% para o conselho (prestação de contas) e de 60% para a operação (geração de resultados); sem falar em ter uma equipe muito competente, para ter tempo de discutir, trocar ideias, o que é muito benéfico para potencializar os resultados da empresa.

Sobre praticar os princípios de governança corporativa, está muito claro que faz parte do papel do CEO. Concordo plenamente com vocês que, dentro da Orquestra Societária, deve-se buscar a harmonia e a transparência, ali é o lugar comum dos princípios de governança corporativa, como transparência, equidade, prestação de contas (accountability) e responsabilidade corporativa que, se forem adotados e praticados, a chance de sucesso é muito grande.

Eu aprendi também que, além de uma simetria entre a diretoria executiva e o conselho de administração, é preciso se preocupar também com a simetria do próprio conselho. Eu sempre digo que é interessante um conselho de administração novo, um conselheiro independente. O conselho não é espaço para fogueira de vaidades, até porque todos são pagos para produzirem resultados.

Além disso, os conselhos não devem ter espaço para interlocking, um termo internacional, aprofundado em estudo do IBGC, que trata do seguinte fenômeno: como a comunidade de conselheiros é pequena, um indica o outro e vice versa; no final, cria-se uma simetria ou mesmo uma simbiose tão elevada - eu não diria uma conivência, este seria um termo forte -, que deixa de existir espaço para a diversidade. O interlocking empobrece a atuação dos conselhos; tanto é que o IBGC se preocupa em formar cada vez mais conselheiros e nós, da Saint Paul, nos preocupamos em formar conselheiras, o que é fundamental para a diversidade de gênero e preparação técnica. Conselheiros independentes potencializam a sustentabilidade corporativa.

Um levantamento com 3.211 profissionais brasileiros da ICTS Protivit, empresa especializada em gestão de riscos, auditoria, ética, compliance e segurança, mostra que só 20% das pessoas tinham um baixo risco de desvios de conduta ética. Outros 11% apresentavam alto risco, e a maior parte, 69%, tinha um perfil flexível – ou seja, se comportava de acordo com o ambiente. Eles utilizam uma metodologia própria, em que aplicam um questionário bem elaborado. Assim sendo, sabendo que 11% das pessoas têm desvio de conduta na organização, então você tem que blindá-la, por meio da governança corporativa.

Assim, criar uma Orquestra Societária e produzir uma sinfonia corporativa, com boa governança corporativa, requer alguns cuidados, alguns olhares. E como CEO, eu consegui orquestrar todo o meu trabalho, primeiro, estando consciente de que o aprendizado é contínuo, de que é preciso ter humildade, por que você não consegue ser assertivo 100% do tempo. Você precisa estar consciente de que existem pessoas com desvio de conduta, sem se esquecer de que existem diferenças culturais. Precisa entender que está sempre evoluindo e que é necessário ter coragem para lutar contra algo que esteja errado.

RI: Avaliando sua atuação profissional, qual foi a sua diferença – sua contribuição específica - para garantir a governança corporativa, em termos de harmonia, rentabilidade, transparência?

Anna Maria Guimarães: Possivelmente ter tido coragem de mudar, de criar mudanças imprescindíveis, na segunda empresa em que atuei como CEO, assumindo o grande desafio de orquestrar a atuação dos profissionais do Brasil e da Colômbia, pois os dois grupos estavam substancialmente desalinhados entre si nas operações. Ao mesmo tempo, as expertises dos profissionais dos dois países eram complementares. Identificando essa condição, após observar os grupos com grande atenção, foi possível planejar e implementar uma mixagem empresarialmente adequada de executivos. No curto prazo, o efeito foi negativo na rentabilidade do negócio, mas a médio e longo prazos, o investimento se demonstrou correto.

Também aprendi o valor de ter uma visão aberta do cliente, do olhar para o cliente. E de gostar de gente, de estar com gente, de pequenas atitudes como deixar a porta aberta, conversar, compartilhar refeições e caminhar junto, partilhando problemas e alternativas. Eu sempre fiz isso. Tive humildade, minha porta sempre esteve aberta para a produção, quando havia um problema técnico para ser resolvido; primeiro, eu discutia com operadores, trocava ideias com a área técnica e falava com o corpo gerencial, depois tomávamos a melhor decisão.

E aprendi que é preciso ter coragem também nessa orquestração, para assumir o posto de capitão e não ser tão democrático algumas vezes. O consenso é alcançado até certo ponto, após o qual você tem que ter coragem e decidir, porque o risco está tão alto que você tem que tomar a direção e definir o caminho.

RI: E a sua proximidade com os minoritários?

Anna Maria Guimarães: Minoritários são importantes, em certos momentos, poderosos, principalmente sindicatos e é preciso ter um olhar para os minoritários; afinal, não podemos esquecer os dois princípios importantes da governança corporativa - equidade e responsabilidade corporativa; portanto, os minoritários têm que ter vez. Quando eles pedem para instalar um conselho fiscal, não devemos ver essa reivindicação com um olhar crítico, mas construtivo. E o minoritário tem que estar bem preparado.

RI: Você percebe que o mercado está se sofisticando, que os minoritários estão se preparando melhor?

Anna Maria Guimarães: Eu consigo ver as empresas de capital aberto que estão no Novo Mercado, como por exemplo, a Embraer, em que os representantes dos minoritários e dos funcionários estão no conselho. Para eles se candidatarem, a Empresa exige a certificação do IBGC.

RI: Falando em sustentabilidade da empresa, sobre os pilares econômico, social e ambiental, para os acionistas, o pilar evidente é o econômico? Como os pilares econômico, social e ambiental se conectam às práticas de governança?

Anna Maria Guimarães: Essa pergunta é bastante interessante, porque nós estamos caminhando para o relato integrado - um novo modelo de prestação de contas que busca atender às expectativas dos stakeholders quanto à transparência, conectividade e visão de futuro dos aspectos econômicos, sociais, ambientais e de governança. E isto é fundamental quando vemos os investidores manifestando dificuldade de ler e analisar uma grande massa de informações, para decidirem se investem ou não na empresa.

Na minha opinião, o relato integrado é muito benéfico, porque permite uma visão mais ampla do que se passa com a empresa. Eu estive nos Estados Unidos no ano passado e assisti a uma palestra com o responsável pelo relato integrado dos EUA. Enquanto temos aqui entre a 40 e 50 empresas com relato integrado, naquele País, cerca de 700 empresas produzem esse documento. É claro que o mercado de capitais dos Estados Unidos é muito maior do que o brasileiro e, portanto, o ritmo de adoção é mais acelerado. Mas enfim, o relato integrado permite maior visibilidade para tomada de decisão, ampliando o olhar além do financeiro para o ambiental e social.

RI: Como você acha que vamos chegar lá?

Anna Maria Guimarães: O Brasil é inovador e criativo, mas lento na entrega de resultados e isso é cultural. O grupo do relato integrado é liderado pelo BNDES e tem empresas relevantes que já aderiram, como por exemplo, o Itaú, que tem como objetivo liderar e ampliar o engajamento sobre o relato integrado no Brasil e no mundo, sendo referência de mercado sobre o tema.

 

Após essas provocações iniciais sobre a governança corporativa e a sustentabilidade, encerramos este artigo prometendo aos nossos leitores aprofundar, em breve, suas potencialidades de aplicação concreta à Orquestra Societária.

 

Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão
tem atuado como profissional de finanças e estratégia, conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...