Educação Financeira

ONDE ESTÁ A LINHA DE CHEGADA?

O Jornal Hoje da Rede Globo fez uma pesquisa para saber o que pensa e como age a mulher nos dias atuais. Segundo a pesquisa, as jovens na faixa de 25 aos 35 anos têm um sentimento de urgência, têm pressa para crescer profissionalmente, melhorar a condição social e sonham com uma existência espetacular. Para conseguir tudo isso, elas estão dispostas a adiar a felicidade e a mergulhar de cabeça no trabalho.

A reportagem convidou dez mulheres para discutir os resultados da pesquisa. Entre elas, Juliana, administradora de empresas, 29 anos, que tem como foco o trabalho. Reconhece que tem indicação de remédio para ansiedade, mas ainda não toma. Diz que não consegue dormir direito e que a dedicação à carreira atrapalhou um casamento, que chegou ao fim. Questionada sobre aonde gostaria de chegar, ela responde: “Não tem limite. Eu quero ganhar tudo o que eu puder, quero conquistar tudo o que eu puder!”.

A afirmação da jovem profissional me fez lembrar um antigo cliente que atendi como planejador financeiro. Na primeira consulta ele questionou se eu achava possível alguém ficar rico de forma honesta no Brasil. Respondi que sim, pois conheço muitas pessoas que enriqueceram de forma honesta. Ele pediu, então, que eu o ajudasse a ficar rico.

Quando o questionei sobre quanto ele precisaria para ficar rico, a resposta foi que precisaria de muito dinheiro. “Quanto dinheiro?”, eu quis saber. Ele respondeu apenas que precisava de muito dinheiro, pois dinheiro nunca era demais.

Não tinha como ajudá-lo. Sem saber onde estava a linha de chegada, ele correria por toda uma vida.

Problema antigo
À primeira vista este parece ser um problema da atualidade. O centenário “De quanta terra um homem precisa”, escrito por Leo Tolstoy em 1886, mostra que não se trata de um problema tão recente assim. A história conta a saga de Pakhom, um camponês russo que vivia com a família em uma pequena fazenda e dividia com os vizinhos o pasto para os animais.

Um dia a esposa dele recebe a visita da irmã, que conta as maravilhas da cidade e critica a miséria em que vive a anfitriã. Incomodada, a esposa de Pakhom passa desdenhar a vida na cidade e a defender o modo de vida camponês. O marido, que escutava a conversa, diz a certa altura que, se tivesse mais terras, nem o diabo poderia com ele.

Segundo uma antiga lenda russa, o diabo sempre escolhe a chapa do fogão de alguma casa para pernoitar. Naquela noite, ele estava na casa de Pakhom e, ao ouvir as palavras, resolve aceitar o desafio.

A partir daquele dia, o camponês passa a multiplicar suas terras e ganha uma prosperidade sem precedentes. Recebe, então, de um desconhecido, a notícia de que os povos Bashkirs, que viviam em um lugar distante, vendiam excelente terra a um preço baixo. Pakhom vende seus bens e, com a ajuda de um criado, empreende longa viagem para a terra dos Bashkirs.

Ao chegar é bem recebido pelo chefe da aldeia e, tão logo é possível, inicia a conversa sobre a compra de terras. O chefe diz que vende “um dia de terra” por um preço que o camponês podia pagar. Mas que forma era essa de medir a terra?

O chefe diz que bastava que eles fossem ao topo de uma colina antes do nascer do sol. Depois de entregar ali o valor combinado, o camponês teria o dia inteiro para marcar a terra que quisesse. O que marcasse, seria seu. Mas caso não voltasse ao topo da colina antes do pôr do sol, perderia o dinheiro e ficaria sem terra.

Antes de o sol nascer no dia seguinte, Pakhom observou lá do alto, no local combinado, as mais belas terras que jamais tinha visto. Assim que o sol nasceu, ele começou a caminhar e a marcar com pequenos montes de terra seu novo domínio. A cada colina que vencia, via terras ainda mais bonitas, que não poderia deixar de fora.

Depois de muito caminhar, percebeu que o sol marcava meio-dia e que era hora de voltar. Mas durante o caminho via terras importantes para compor seu patrimônio. Um belo lago, um pasto que seria perfeito para as vacas ou um vale para o cultivo de cevada. Em um dado momento, já bastante exausto, notou que o sol começava a se recolher rapidamente. Correu para chegar ao ponto inicial da caminhada.

Quando estava ao pé da colina, o sol lançava os últimos raios do dia. Desanimado, deixou-se cair prostrado ao chão. Lá do alto os índios gritavam e o incentivavam a continuar. O sol se punha, mas os raios ainda alcançavam o topo da colina. O camponês buscou o resto de suas forças e se lançou a um desesperado esforço para chegar ao cume.

Quando alcançou o destino, uma última nesga de sol ainda resistia no horizonte. Os Bashkirs comemoravam e cantavam alegres a coragem daquele homem. Pakhom, porém, via o horizonte ficar turvo. Com um filete de sangue correndo no canto da boca, caiu nos braços do chefe, que agora se parecia muito com o homem que havia lhe informado sobre as terras baratas. O valente Pakhom estava morto. O leal criado enterrou o corpo do patrão abaixo de sete palmos de terra – toda a terra que ele precisava.

A nossa corrida diária
A história do pobre Pakhom ilustra a rotina diária de executivos, médicos, empresários, bancários, professores e também a do meu antigo cliente e da jovem Juliana, entrevistada do Jornal Hoje. Tolstoy certamente não conheceu a realidade atual, mas compreendia a alma humana. Como o camponês que acreditava que seu sucesso estava em possuir mais terras, o homem de hoje crê que sucesso está no tamanho do patrimônio que tem.

O vale e o lago que não podiam ficar fora das terras de Pakhom são hoje o belo carro, a casa de praia ou de campo, o clube de golfe, a lancha e tantos outros bens que acreditamos serem fundamentais. A crença quase inconteste de que o dinheiro e os bens materiais podem trazer a felicidade está impregnada em nossa sociedade de tal forma que, em determinados momentos, esquecemos que a vida é finita. Esquecemos que talvez não tenhamos tempo para aproveitar todo o patrimônio que gastamos a vida para acumular.

Se Pakhom não tivesse vontade e disposição para conquistar mais terras, teria passado a vida toda como miserável, sem poder oferecer conforto para a família. O que o fez progredir foi a vontade de ter mais terras para trabalhar, de produzir para matar a fome da família e de gerar excedentes para vender a outros. Mas esta mesma força descontrolada lhe levou à morte.

É graças a milhares de Pakhoms descontrolados que vivemos em uma sociedade de tanto progresso material e humano. São insatisfeitos crônicos que constroem grandes grupos empresariais, que descobrem formas de tratar novas doenças e maneiras mais rápidas de nos transportarmos, de nos comunicarmos, de explorarmos o espaço e tantas outras maravilhas da sociedade atual.

Porém, são alguns dos mesmos descontrolados que provocam os golpes financeiros, a corrupção assustadora, os lares sem pais para educar os filhos e uma sociedade de excluídos que frequentemente se revolta e investe contra quem os exclui.

O caminho
A vontade de progredir e realizar é fundamental para a felicidade humana e para o progresso de uma sociedade. Pessoas acomodadas e sem vontade de mudar a vida e o mundo tendem a não ser muito felizes. O trabalho, de fato, é uma das fontes de significado para a vida. Não trabalhamos apenas para ganhar dinheiro, mas porque temos a vocação inata de contribuir para a vida de nossos semelhantes.

É justo que as pessoas busquem melhorar suas vidas. É desejável que as pessoas acumulem bens que lhes permitam ter tranquilidade material. A busca do progresso individual, se feita com ética e serenidade, possibilita o progresso de todos. Mas é fundamental estabelecer limites para os desejos compatíveis com as possibilidades de cada um.

Se saímos para uma viagem sem saber aonde queremos chegar, nunca chegaremos. Como sabem os andarilhos, se não temos destino precisamos aproveitar o caminho. Se o caminho gera angústia e sofrimento, é fundamental que exista um ponto de chegada. Já se a linha de chegada não existe, é fundamental aproveitar o trajeto.

Por uma feliz coincidência, no mesmo dia em que o Jornal Hoje levou ao ar a reportagem com a jovem Juliana, o Jornal Valor Econômico publicou a história da quase centenária professora Cleonice Berardinelli, dona Cleo, que ainda hoje mantém uma ativa rotina de trabalho. Perguntada sobre o balanço de sua longeva carreira, dona Cleo responde: “Valeu, pois sempre trabalhei naquilo que muito gosto, tendo receptividade que sempre me aqueceu o coração”.

 

Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br


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