Regulação

PROXY ADVISOR RECOMENDAÇÃO DE VOTOS EM ASSEMBLEIAS

A Comissão de Valores americana, SEC, bateu o martelo em relação a um tema de suma importância. Ela passou a exigir que um proxy advisor, as consultorias que recomendam votos em assembleias de acionistas, passem a fornecer os relatórios que comercializam com os gestores para as companhias abertas. E que também publiquem e disponibilizem a resposta das companhias abertas antes da recomendação final de voto, para melhor discernimento dos gestores. A emenda entra em efeito tecnicamente a partir de 22 de Setembro de 2020, ou seja, 60 dias após a publicação no Diário Oficial (Federal Register), mas as firmas afetadas só entrarão em compliance da Regra 14a-2(b)(9) partir de 1 de Dezembro de 2021. Então a próxima temporada de assembleias poderá ter proxy advisor ainda oferecendo “serviços de consultoria” a companhias.

Essa regra também tem nuances e trata no seu âmago uma situação de duopólio. Mas isso na superfície, pois ela visa sanar outras incongruências. A Institutional Shareholder Services (ISS) e a Glass Lewis (GL), representam cerca de 97% do mercado.

Aparentemente, a regra visava acabar com o negócio “corporativo” da ISS, que oferece uma consultoria para companhias abertas antes de comercializar sua recomendação de voto em assembleia junto a gestores. Mas há também o fato de que as companhias abertas não tinham espaço algum para “mostrar o seu lado” em situações de disputa, por assim dizer, tanto no caso da ISS como da GL. E se sentiam prejudicadas pois a recomendação de votos, num ambiente de duopólio, levava a uma adesão gigantesca por parte de significativa parcela de gestores, sem que certos elementos fossem considerados.

Algumas companhias abertas pagam em torno de U$ 5,000 por relatório, mas muitas recebiam uma cópia grátis de seus proxy solicitors, as firmas que cabalam votos e apoio para as companhias em seus conclaves. Ficava realmente difícil policiar esse vazamento, por assim dizer.

De todo modo, essa nova regra é sim uma vitória para as companhias abertas. Não terão que passar pelo que críticos chamam de crivo extorsivo da ISS, e ainda por cima terão um tempo hábil para complementar uma recomendação e análise de voto com o seu lado da história. Isso é algo realmente histórico e um pouco curioso dado o atual ambiente regulatório. Esperava-se uma normativa nesse sentido há um certo tempo, e nada tinha sido feito. Curiosamente, investidores institucionais e representantes de investidores eram contrários a uma mudança pois alegavam que tais esforços poderiam comprometer a independência da recomendação dos proxy advisors. Aqui cabe afirmar que trata-se de prover o contraditório a todos os investidores.

Em situação extrema de disputa entre minoritários e controladores é inegável que o histórico de recomendação tanto da GL como da ISS é pró-minoritário de forma esmagadora. Daí o apoio, mesmo que ultimamente envergonhado, de investidores institucionais. Alguns críticos, portanto, afirmam que a regra é uma solução em busca de um problema, o famoso overreach de atribuições. Por exemplo, Allison Herren Lee foi a única comissária que votou contra. Em seu dissenso, a democrata mostrou preocupação com a independência dos proxy advisors. Ela se aproveitou do fato de que isso, na percepção de incautos, seria o equivalente a dar mais poderes às companhias abertas. Herren Lee também demonstrou preocupação com custos adicionais e demoras

O que ficou claro com a nova regra é que a SEC enxergou que a recomendação de voto num ambiente de duopólio, com consultoria junto a companhia pelas portas do fundo, era o equivalente a uma solicitação. Agora os fundos e investidores terão acesso às respostas das companhias abertas, junto às considerações e recomendação de voto dos proxy advisors. Torna-se obrigatória também a informação da metodologia, informação relevante, materialidade e fontes usadas para a recomendação.

Quando se fala nas “companhias abertas” e seus interesses, vemos que ainda temos uma distorção grave em termos de teoria da agência, isso independente da nova regra da SEC. Conforme é sabido, os minoritários são perfeitamente acolhidos tanto pela ISS como pela GL. E retirar um pouco do poder de fogo das duas pode ter consequências não esperadas. Ou seja, isso vai beneficiar a companhia aberta? Ou os seus administradores (management)? O que ocorre na maioria esmagadora de disputas societárias é o desalinhamento de tais objetivos e interesses. Que deveriam ser iguais. Mas o management em geral é servil em relação ao interesse dos controladores. Não creio que tal regra vá mudar a filosofia de ISS e GL. Mas veremos o aumento de apoio aos administradores atuais das companhias abertas.

Do outro lado, a comunidade e instituições que apoiam as companhias abertas, como a U.S. Chamber of Commerce, estão saudando a nova regra. Jay Timmons, CEO da National Association of Manufacturers, considerou a posição da SEC uma “grande vitória”. Ele afirma que “...poderemos empoderar as indústrias buscando a recuperação de nosso país nesse período crítico.” O NIRI publicou uma nota mencionando um estudo de 2018 que mostra que 175 instituições com cerca de U$ 5 trilhões em recursos sob gestão votaram com a ISS em mais de 95% das vezes. Gary LaBranche, presidente do NIRI, disse que “essa decisão permite que as companhias abertas e suas equipes de RI podem receber o acesso apropriado aos relatórios antes dos votos, e poderão enviar respostas que serão compartilhadas com os clientes...”.

Finalmente, vale ressaltar que a Divisão da Gestão de Investimento da SEC também publicou uma nova recomendação (guidance) para quem contrata plataformas automáticas de voto junto aos proxy advisors. Esses sistemas permitem uma espécie de “pré-população” de dados e instruções de votos sem que o cliente tome outra iniciativa. O NIRI demonstrou preocupação com o tema em 2017. Agora, essa determinação leva em conta que o sistema terá contra pesos, no caso, o input da companhia aberta em recomendação de votos por parte dos proxy advisors.


Fernando Carneiro
é diretor da IHS Markit, baseado em São Paulo.
fernando.carneiro@ihsmarkit.com


Continua...