Em Pauta

3 MILHÕES DE INVESTIDORES E NÚMERO RECORDE DE IPOs: SERÁ FINALMENTE A POPULARIZAÇÃO DA BOLSA NO BRASIL?

Com a taxa de juros baixa - e o conseqüente aumento do interesse do brasileiro em diversificar seus investimentos, entendendo e participando da dinâmica da bolsa de valores - o mercado de ações no Brasil vive um momento único na sua história. A grande questão é saber se este movimento veio para ficar, fazendo com que o mercado cumpra seu papel de financiador da atividade econômica, ou será apenas uma onda diante da falta de opções na hora de investir. A resposta depende de outros questionamentos: a Selic a 2% ao ano é sustentável? O brasileiro aprenderá a conviver com a volatilidade do preço das ações? Como andarão as variáveis macroeconômicas? Quanto aos IPOs, há solidez na formação dos preços? Como o profissional de Relações com Investidores (RI) deve lidar com toda esta mudança de cenário?

O movimento dos recém-chegados tomou tração em 2020. Até agosto deste ano, a B3 atingiu 2.958.442 registros, número 75% maior que no final do ano passado e recorde na história do mercado de capitais brasileiro. Mas o potencial é muito maior e a perspectiva é de que, a se manter a política econômica liberal e os juros baixos, a migração para renda variável continue a aumentar rapidamente.

Apesar do forte incremento nos últimos meses, a participação da pessoa física no Brasil é relativamente pequena, 1,5% do total da população. “Ainda é pouco. Se pensarmos que o Brasil tem 200 milhões de habitantes e estimarmos que deste total, 50 a 60 milhões sejam das classes A, B e C, e que a metade seja de adultos, temos 30 milhões de pessoas. Tem chão para crescer muito mais. Tudo depende da política, do cenário econômico e internacional, que são variáveis fora de controle”, ressalta Alfredo Setubal, presidente da Itaúsa.

Projeções dão conta que, em até um ano, mais 2 milhões de pessoas devem entrar na B3. “A gente acredita que facilmente a bolsa bate os 5 milhões de CPFs, mas ainda há muito espaço, quando comparamos o mercado brasileiro com o de países como Bolívia, Peru e Colômbia”, projeta o especialista em ações da Levante, casa de análise independente e autor do livro 'Bolsa de Valores ao seu Alcance', Eduardo Guimarães.

A projeção da Levante está em linha com levantamentos antigos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Há cinco anos fizemos um estudo junto com uma universidade americana para estimar o número de investidores que poderemos ter no Brasil. Seriam pessoas com capacidade de poupança que, sem fazer muito esforço, viriam para o mercado de capitais. O número que eles nos deram na época foi 5,5 milhões de pessoas”, diz José Alexandre Vasco, da Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores da autarquia.

A taxa de juros em um nível tão baixo é o grande impulsionador do mercado acionário, que se beneficia pela busca da diversificação, assim como o mercado imobiliário. Os fundos Imobiliários negociados na B3, por exemplo, bateram um milhão de investidores, segundo dados do Boletim Mensal dos FIIs da B3 de 15 de setembro. Ao todo são 327 fundos que somam um total de R$ 105 bilhões.

De acordo com levantamento da B3, que analisa a evolução dos investidores pessoas físicas na bolsa e foi publicado em abril deste ano, em 2018 havia em média 200 mil CPFs negociando ao mês. Já em março de 2019 registrou-se 1,3 milhão de CPFs. Houve crescimento de 1,1 milhão na base de investidores pessoas físicas no mercado de equities (ações, BDRs, ETFs, FIIs, índices) entre 2019 e os três primeiros meses de 2020.

Apesar das pessoas físicas ainda representarem 17% do volume diário total, mesmo patamar dos anos 2016 e 2017, em valores a situação é bem diferente. Enquanto naqueles anos a negociação diária somou R$ 2,5 e R$ 3,0 bilhões respectivamente, nos primeiros meses deste ano foi de R$ 10,4 bilhões.

O mercado se encontra num ponto de inflexão. “É óbvio que o brasileiro com o cenário macroeconômico em que a taxa de juros era de 15% ou 20% estava acostumado a ficar sentado com rendimentos garantidos. Estamos vivendo uma realidade macroeconômica que chacoalhou esse público e fez com que as pessoas buscassem informações porque querem retornos maiores para sua poupança acumulada ao longo do tempo”, destacou Felipe Paiva, diretor de Relacionamento com Clientes e Pessoas Físicas da B3, durante a Webinar Evolução dos Investidores Pessoa Física na B3 e os Desafios dos Profissionais de RI.

Mas, mesmo com o aumento dos investidores em busca da diversificação, o número de pessoas físicas no mercado acionário nacional ainda é relativamente baixo. “O brasileiro nunca teve a cultura de investir em renda variável e estamos vendo esta dinâmica mudar por conta dos juros baixos. Os títulos públicos sempre pagaram um prêmio elevado. Então, investir em renda variável era muito complicado. Agora com Selic a 2% e permanecendo num patamar baixo, vemos essa migração, mas é preciso ter cautela. Bolsa não é cassino. Há uma mudança de mentalidade. Primeiro entram com uma parte pequena e vão aumentando aos poucos”, analisa Carlos Eduardo Daltozo, co-head de Renda Variável da Eleven Financial.

As pessoas físicas ainda estão experimentando o mercado e com a cautela recomendada por Daltozo. Segundo os dados da B3, quem recém entrou “arriscou” valores pequenos. Dos 223 mil novos investidores em renda variável até março de 2020, 30% fizeram o primeiro investimento com menos de R$ 500,00. Ampliando a amostra, 70% colocaram menos de R$ 10 mil.

“A gente já vinha vendo este movimento de pessoas físicas. Passado o impeachment, o mercado começou a subir, os juros ainda estavam altos, mas começaram a cair e, com a guinada do governo Temer para uma linha mais liberal, houve uma injeção de ânimo no mercado para que a bolsa iniciasse um processo de alta e isso trouxe muitas pessoas físicas já naquele momento”, observa Alfredo Setúbal.

O crescimento das pessoas físicas na B3 começou a ocorrer em 2016, de forma muito modesta. Naquele ano, o número de investidores atingiu 564.024, um pequeno aumento de 1,24% em relação a 2015 e em linha com os dados registrados em anos anteriores. Para se ter uma ideia, em 2010, a bolsa contava com 610.915 investidores, número que foi recuando até o final de 2015, devido à crise política-econômica brasileira. Em 2017, a chegada de novos acionistas fez a quantidade de CPFs aumentar para 619.625, 9,86% a mais que em 2016. Já 2018 registrou um incremento de 31,22% para 813.291. No ano seguinte, os investidores mais que dobraram (+106,7%) para 1.681.033.

Com a vitória do Bolsonaro e o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, houve um ânimo ainda maior do mercado. O cenário internacional estava mais benigno. As bolsas externas exibiam alta, o que ajudou o movimento. Assim, à medida em que os juros iam caindo, a transferência de recursos para a renda variável ia aumentando. “Nunca estivemos nada nem próximo disso. Na época em que eu era do Conselho da Bovespa, tínhamos um programa liderado pelo então presidente da bolsa Raymundo Magliano Filho para popularizar o mercado. Nosso objetivo era chegar a um milhão de investidores”, relembra Setúbal.

A taxa de juros deve permanecer baixa no médio-longo prazo, ao menos é o que projeta grande parte dos agentes de mercado. Pode até ser que a Selic fique um pouco acima do nível atual, mas os juros na casa de dois dígitos, não estão previstos para o futuro próximo. “A gente vai conviver com uma taxa Selic de 2% por um bom tempo. Podemos vivenciar, inclusive, uma taxa de juros real negativa. Não dá para saber se veio para ficar, pois há muitas incertezas como o lado fiscal, cenário internacional, retomada da economia brasileira e internacional, após a Covid-19. Não enxergo ao final de 2021 que os juros estarão muito diferentes dos atuais a não ser que haja uma conjuntura econômica e política muito ruim. O quadro agora é bem diferente do que nós tínhamos”, resume Alfredo Setúbal.

Para Daltozo, a taxa de juros vai permanecer em nível baixo. “Esse movimento é sem volta. A Selic a 2% é um exagero e com essa pressão inflacionária deve subir. Mas, mesmo estando a 5 ou 6% ainda é um patamar saudável. O que não dá é juros a 14% porque as coisas mudam muito”, complementa.

O movimento dos investidores não é apenas “fogo de palha”, pois o mercado passou a se configurar como alternativa de diversificação. Prova disso foi o comportamento do investidor em março. A queda das ações devido à pandemia poderia assustar muitos, mas, pelo contrário, atraiu o público. “Ficamos com a lupa ligada porque, desde 2019, já vínhamos registrando um crescimento acentuado de novos investidores e olhando o que ia acontecer. O que vimos foi o maior incremento mensal de investidores em bolsa. As pessoas físicas estão investindo. Os especuladores, na verdade, são uma minoria. Grande parte dos investidores está comprando e acumulando recursos”, complementa Felipe Paiva, da B3.

Outra demonstração de que a perspectiva é que o movimento veio para ficar, é a portaria de regulação da CVM que estabelece o processo regulatório. No ano passado, ela foi modificada para prever estudos comportamentais sobre como as normas podem impactar o investidor. Assim, a autarquia passou a fazer estudos juntos aos investidores para entender quais são as suas perspectivas, como aconteceu recentemente na mudança de legislação das BDRs.

Nada de leigos
Ao contrário do que muitos possam pensar, as novas gerações que chegam ao mercado não começam a investir sem informação e seguem princípios básicos. “A maioria dos investidores que está entrando não é formada por pessoas desinformadas. É um exagero afirmar que o investidor é leigo. Isso é tentar dizer que ele não sabe o que está fazendo. Se isso fosse verdade a quantidade de casas de análises e informações que estão no mercado não teria aumentado tanto. O investidor está exigindo isso e vai haver uma seleção natural entre os bons profissionais”, afirma o superintendente de RI do Itaú, Geraldo Soares.

Na pesquisa, por exemplo, a B3 identificou a preferência pela diversificação: 48% das pessoas físicas investidoras têm hoje cinco ou mais ativos em carteira. Em 2016, essa base representava apenas 26%. “Antigamente nós víamos as pessoas aplicando em um único ativo e em uma única ação. Hoje elas têm mais de cinco ações em suas carteiras e há uma combinação com outros instrumentos financeiros. Acredito que a gente está vivendo um momento de transição, de inflexão. As pessoas que estão vindo para o mercado em busca de informações e o mercado está oferecendo essas informações”, avalia Paiva.

O aprendizado no mercado também envolve erros e acertos. “A primeira queda da bolsa de 120 mil para 63 mil pontos já foi bastante educativa para o investidor. Aí tivemos um período ruim para o aprendizado porque a bolsa saiu de 63 mil para 93 mil. Agora estamos na terceira onda de 105 mil para 95 mil pontos que está sendo ainda mais educativa. E acho que vai cair um pouco mais e o capital é covarde. Vai para onde tem segurança. Com a bolsa caindo, vai diminuir o fluxo de ações e vai levar dinheiro para investimentos menos voláteis e menos líquidos, como imóveis e obra de arte”, resume Setúbal.

A tecnologia facilitou o acesso à informação. “O investidor interage muito em cima do que ele está acompanhando. Mas acompanha o mercado”, lembra Soares. O Itaú conta com 500 mil investidores, um crescimento de 110% em relação a 2019. A participação nas conference calls do banco aumentou 10 vezes e o atrativo está relacionado à governança corporativa, solidez da instituição financeira e à política de dividendos mensais.

O mesmo se pode afirmar da holding Itausa. A companhia, uma das três maiores empresas brasileiras em número de acionistas, deve encerrar 2020 com cerca de 900 mil investidores. Hoje registra 850 mil e, há três anos, detinha apenas 70 mil (2017). “Em 92% dos municípios brasileiros moram acionistas da Itausa. O mercado está atingindo públicos novos”, ressalta Setúbal.

A política de pagamentos trimestrais de dividendos é apenas um dos motivos da preferência pelo papel. “Somos um grupo sério, ético com participação em empresas relevantes e transparente. As pessoas percebem isso na gente como empresa, o que tem um peso grande. Não se vira acionista só por causa dos dividendos. Tem empresa que eu não compraria as ações mesmo que me pagassem 100% de dividendos”, observa o presidente da holding Itausa.

Historicamente, o investidor de Itaúsa tem a característica de ser mais de longo prazo, mas com o ingresso dos mais jovens (pessoas entre 20 e 35 anos), isso tem mudado. Em agosto, por exemplo, 300 mil pessoas movimentaram ações da Itausa na Bolsa. A negociação ocorre em pequenos lotes. Antes se movimentava, em média, em cada negócio cerca de R$ 5 mil. Agora a movimentação média está em torno de R$ 1500.

No atacado
O forte incremento dos investidores na bolsa impacta diretamente as áreas de Relações com Investidores (RI), que precisam mudar sua forma de comunicação. Agora, qualquer falta de clareza vai ter como consequência uma enxurrada de ligações e contatos, provocando um excesso de demandas no setor.

Roberto Pezzi, diretor Regional Sul do IBRI, vê o cenário como desafiador para o RI. “Com o aumento das pessoas físicas, o volume de atendimento cresce bastante. Um dos desafios, portanto, é criar uma estrutura que possa dar um atendimento de qualidade para todos quando querem acessar a área de RI”, observa. A segunda questão está relacionada a alcançar o máximo número de pessoas possível. Então é sair um pouco do quadrado e buscar novas alternativas, tornando os materiais mais palatáveis.

“Muda bastante a comunicação porque ela precisa ser mais autosserviço. O site deve ser muito competente, temos que entregar uma informação mais completa e isonômica. A gente precisa se preocupar com o que está fazendo e discutir o fato relevante porque se 2% dos acionistas ficarem com dúvidas, o departamento de RI terá que atender 1.500 ligações. A comunicação é proativa e busca clareza. Usamos tecnologia para nos comunicarmos com esse novo público”, resume o Gerente de Relações com Investidores e Controller na Itaúsa e diretor presidente do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI), Bruno Brasil.

Para ele, o mercado ainda tem muito que aprender a como lidar com a base nova de acionistas. “Antes eram algumas poucas dezenas de fundo. A gente viveu muito isso em RI. Agora as ações devem ser voltadas ao investidor individual. A ferramenta vídeo, por exemplo, era muito pouco usada. Mas entre ler um relatório de 15 páginas, pegar uma transmissão de meia hora de teleconferência ou assistir um vídeo sucinto de 5 ou 8 minutos explicando a mesma coisa, o investidor claramente vai preferir a última opção”, diz.

Tudo é questão de adaptação. “É impossível a gente acertar tudo de primeira. Então, naturalmente, quando as coisas desenvolvem, você vai ter mais acertos do que erros. O importante é você ir corrigindo esses pequenos desvios. Tudo isso é parte do amadurecimento. Mas, quando falamos de RI seguimos aqueles mesmos princípios que a gente sempre adotou. É não privilegiar banco A ou banco B; ter isonomia e passar uma mensagem integra. As práticas são as mesmas”, resume.

Bruno Brasil lembra que algumas empresas estão percebendo valor e atuando mais com os influenciadores, fazendo mais testes incorporando na sua comunicação e há empresas um pouco mais observadoras, vendo como esse mercado se acomoda e sendo mais cirúrgicas nas interações. “Em maior ou menor grau dá para dizer que uma boa parcela das companhias já tem interagido ativamente ou até passivamente porque elas estão recebendo ligação dessas pessoas, os influenciadores estão participando nas teleconferências e eventos. Existe, é impossível negar”, alerta.

Uma nova comunicação
A proliferação das Casas de Análise independentes, sites especializados e influenciadores digitais dão uma pista de quanto estes novos investidores estão sedentos por informação. “O movimento passa sim pela educação financeira. Porque você precisa qualificar melhor o público que está aí. Na verdade, você tem mais acesso à informação ligada a investimentos. Há uma profusão de fontes diferentes que vão desde influenciadores, Youtubers e Instagram a até empresas como a nossa, de recomendação”, afirma Caio Mesquita, CEO e sócio fundador da Empiricus, que conta com quase 400 mil assinantes.

Para ele, além da taxa de juros, os influenciadores digitais, as casas de análise e plataformas de investimentos como a XP atraíram as pessoas físicas ao mercado, pois fizeram com que a bolsa, que era uma coisa distante, para poucos, fosse popularizada. “De repente as pessoas físicas perceberam que tem um mundo, um universo fora do que elas estavam acostumadas”, observa.

Carlos Lazar, RI da XP Investimentos, lembra que a educação faz parte do DNA da instituição, que hoje conta com cerca de 2,3 milhões de clientes ativos e R$ 436 bilhões sob custódia. “Nosso modelo de negócios é voltado para essa linha e esse é um dos motes do crescimento. Esse ano crescemos de forma consistente”, destaca.

A mudança do comportamento do investidor com relação à informação e os novos players influenciaram os tradicionais. “Eu observo hoje não só as corretoras, mas os bancos falando de uma maneira absolutamente inimaginável alguns anos atrás”, observa Caio Mesquita.

A Empiricus foi pioneira em inspirar o mercado. “A gente chegou, novidade que causou estranheza e houve uma certa resistência, mas no final teve uma aproximação. A gente, de alguma forma, amadureceu a linguagem e o mercado também foi perdendo aquela rigidez da comunicação que afastava as pessoas”, ressalta Mesquita.

Outras Casas de Análise mais recentes têm conquistado o mercado, como a Levante Ideias de Investimento. Criada em 2018 por analistas certificados, sua receita provém da venda de assinaturas de relatórios e projetos de educação financeira e é crescente. Tanto que a Levante tem a pretensão de abrir capital na bolsa. A empresa também disponibiliza conteúdos gratuitos para os investidores. Ao todo são 650 mil leitores não pagos e 20 mil assinantes.

Responsabilidade
A comunicação com o mercado envolve responsabilidade e os órgãos reguladores estão atentos ao movimento. Afinal, recomendar a compra de determinado ativo é bem diferente do que fazer propaganda de um cosmético ou outro produto qualquer. “Há excesso? Sim. Você tem a liberdade de expressão, mas quando entra em uma atividade comercial, tem limites estabelecidos pelo regulador do direito do consumidor que tem que ser respeitado”, alerta Mesquita.

A profissão do analista de investimentos é regulada pela Instrução CVM 598 e regida pela autorregulação do próprio mercado, através da APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), que, desde 2010, exerce a função. “A CVM e APIMEC sempre procuram o lado educativo. Não querem punir ninguém, ao menos que seja extremamente necessário, mas sempre com o critério de orientação para que o mercado seja salutar”, afirma o presidente da APIMEC Nacional, Ricardo Tadeu Martins. Ele enumera algumas infrações que podem ser cometidas por influenciadores digitais. Uma delas é ser remunerado por essa atividade. Neste caso, a pessoa está se valendo de uma função que não é dela. “Esta é uma preocupação diante da proliferação de canais nas redes sociais. A gente nem sempre consegue ter acesso a tudo, mas conta com os profissionais do mercado e outros agentes que tenham interesse que tudo esteja certo. Porque quem tem a perder além do investidor é o profissional que tem um nome a zelar”, afirma.

Caio Mesquita acredita que todo o tipo de comunicação é válida. “Sou um defensor da liberdade de expressão. As pessoas precisam contar com estilos diferentes de abordar o tema, pois vão se identificando com os influenciadores e despertando sua curiosidade. Esse é um caminho natural. Depois vão procurar fontes de informação que consideram que sejam mais confiáveis para iniciar de verdade a sua vida como investidoras”, ressalta.

Mas, mesmo diante da regulação, há uma linha tênue entre o que é recomendação e o que é simples liberdade de expressão. Comentar o que está fazendo, ou seja, comprando determinada ação é ou não uma recomendação de investimento? Pela atual legislação não é. “Debatemos muito isso com a CVM e enxergamos da seguinte forma: se ele não vive disso, mas simplesmente aproveita a oportunidade de expor os seus investimentos e mostrar sua taxa de sucesso, não podemos fazer nada quanto a isso”, explica Martins.

No entanto, o investidor pode ser enganado ao acreditar que tem a capacidade de obter a mesma rentabilidade que o influenciador, ou seja, de entrar e sair na hora certa. Existem na CVM em torno de 50 processos contra influenciadores fora as denúncias anônimas recebidas que não viram processo e são investigações sigilosas. “As pessoas estão comunicando a CVM. Tudo que a gente recebe é encaminhado para a área de supervisão que faz uma análise”, afirma José Alexandre Vasco, da Superintendência de Proteção e Orientação aos Investidores da autarquia.

Polêmica
Um dos influenciadores mais polêmicos atualmente é o investidor Rafael Ferri, co-fundador do Traders Club, que conta com mais de 230 mil seguidores no Instagram. Em suas lives, Ferri não faz recomendações de compra ou venda de ações, mas abre sua carteira de investimentos.

Diante deste fato, ele já recebeu várias denúncias na CVM e foi acusado de praticar front running - prática ilegal de obtenção de informações antecipadas sobre a realização de operação nos mercados de bolsa que influenciarão a formação dos preços de determinados produtos de investimento. Neste sentido, os críticos afirmam que Ferri compra a ação, recomenda a seus seguidores e este movimento impulsiona o preço de venda, gerando lucro para o influenciador. Sua resposta a esta acusação é bem simples: “Por quê os papéis da Cogna que ele comprou caíram?

Segundo Ferri, o seu canal é acusado equivocadamente e ele enumera alguns aspectos que comprovam isso: para ser analista de investimentos, é preciso fazer uma análise econômico-financeira detalhada, o que não é feito no canal; ele não é remunerado pela atividade e não há recomendação de preço-alvo. “Eu não digo o preço-alvo. Falo da ação como a do Bradesco, que está de graça e estou comprado até as tampas. Isso é uma recomendação? Não é, não foi, nem nunca vai ser”, defende.

Ele acredita que por conta da linguagem mais clara e acessível, as pessoas preferem seguir o seu canal do que as recomendações dos analistas. Além disso, ao falar do papel, ele realmente compra, o que os analistas não fazem. “Eu só falo o que faço na minha carteira e perco e ganho ao vivo. Os analistas não põem “a pele em risco”, diz.

Efeito bolha?
O mercado de ações brasileiro ainda é muito pequeno e restrito. O volume negociado diariamente passou de cerca de R$ 17 bilhões no ano passado para R$ 30 bilhões. “É um aumento substancial e, se continuarmos restritos a esta quantidade de empresas, sim, teremos um movimento de bolha. O fluxo migratório da renda fixa para variável acaba afetando só o preço e não o valor das companhias”, avalia Daltozo.

Na visão de Vasco, o movimento atual é muito diferente daquele que ocorreu na década de 70. “Naquele momento, a crise foi provocada porque havia muitas empresas de papel. Nós não vivemos isso agora. Temos hoje um mercado regulado com uma infraestrutura sólida e eficiente e uma regulação bastante atenta e com várias regras”, lembra. “Me parece que a CVM, ao longo do tempo, foi construindo uma regulação que preparou para esse momento de uma renovada. Talvez a surpresa tenha sido acontecer junto com uma crise de pandemia como essa no mundo”.

A abertura de capital de novas empresas, é um fator positivo que pode dirimir o risco de bolha. “A gente vê esse movimento como saudável e o mercado acaba financiando a economia não como um movimento especulativo inflando os preços artificialmente dado o fluxo de migração. O mercado de IPOs vem para desinflar ou reduzir o risco de bolha à frente”, afirma Daltozo.

Hoje, o mercado brasileiro conta com apenas 337 companhias listadas na B3, um dos menores patamares da história. Para se ter uma ideia, o Brasil contava com 19.289.284 empresas ativas no fim do segundo quadrimestre deste ano, segundo dados do Ministério da Economia. Nos Estados Unidos existem mais de 6.000 companhias com ações negociadas. No último pico do mercado, ao final de 2007, a bolsa tinha mais de 400 empresas e, em dezembro de 1996, eram 550.

O número de companhias listadas na bolsa brasileira ainda é pequeno, pois muitas fecharam o capital e realizaram fusões. “A taxa de juros no patamar atual significa uma grande oportunidade para as empresas se capitalizarem, reforçarem seus balanços e buscarem uma aceleração do seu crescimento. O mercado de capitais ficava estrangulado por uma taxa de juros muito alta. Na medida em que ela se desloca, coloca um horizonte diferente para as empresas se capitalizarem via mercado de capitais de forma saudável, investindo em crescimento, produção, emprego. Isso gera uma cadeia muito produtiva para o país”, ressalta o RI da XP, Carlos Lazar.

Invasão dos novos
O boom dos IPOs nos últimos meses e o momento atual revelam um certo esgotamento do mercado. A janela de oportunidades parece estar se fechando. Há um aumento da seletividade dos investidores em relação às ofertas. A lista de pretendentes segue extensa, com mais de 40 prospectos divulgados na CVM, mas as ofertas mais recentes têm tido certa dificuldade para emplacar. Enquanto algumas delas nem chegaram a sair, outras ficaram ou no piso da faixa de preços ou até mesmo abaixo delas. O volume das ofertas adicionais e suplementares também está se reduzindo.

“Alguns casos são exceção, com o da Petz (PETZ3), que veio no centro da faixa e colocou à venda os lotes suplementares e adicionais. Nesse contexto, o mercado segue propenso às ofertas, mas a atratividade deve ser grande e superior ao das companhias que já estão listadas em bolsa. Como alguns setores seguem descontados, somos céticos a companhias que insistem em se precificar com prêmios sobre seus pares listados, já consolidados e com histórico de entregas (track record)”, observa o especialista em ações da Levante Ideias de Investimentos, Eduardo Guimarães.

Na visão de Guimarães, o mercado segue seletivo na escolha de ofertas públicas, mostrando que os juros baixos e liquidez não são suficientes para emplacar um bom IPO. A BR Partners já vinha tendo dificuldades em explicar o seu modelo de negócios para atrair investidores, sendo a única atuante pura no mercado de atacado, sem um braço de varejo, aquecido com entrada de fintechs.

O caso da Hidrovias não é diferente. Guimarães ressalva que a oferta secundária não configura aporte de caixa direto na empresa, recebendo ainda “vista cautelosa” pelos investidores, o que gera um certo desconto no preço das ações, pela dúvida em relação ao plano de expansão e rentabilização do modelo de negócios.

Lazar lembra que o IPO pode ser visto como o atalho para as empresas conseguirem seus objetivos. Assim, a empresa pode também até aceitar valer menos para não mudar sua estrutura de governança. “Não há muito certo ou errado. Se a empresa não faz a lição de casa, o mercado vai precificar esse IPO e não vai aceitar as condições impostas pela empresa dentro daquela conjuntura”.

Se o IPO sai, sempre tem o day after e é aí que entra as relações com investidores. “É no day after que o mercado vai cobrar a governança que você vai ter. Muitas empresas maduras têm problemas de governança. Algumas com mais velocidade ou com menos tentam buscar e, quando não o fazem, são penalizadas”, finaliza.


Continua...