Sustentabilidade

INCENTIVOS FISCAIS PARA EMISSÃO DE GREEN BONDS ESTIMULA MECANISMOS DE SUSTENTABILIDADE

Acompanhando o movimento “Finanças Verdes”, estão sendo identificados, a nível mundial, emissões de títulos de sustentabilidade (títulos verdes e títulos sociais). Os denominados “Títulos Verdes” (“Green Bonds” e “Social Bonds”) têm a natureza de instrumentos de renda fixa, com objetivo de captar recursos a serem utilizados em projetos que criem impactos ambientais e sociais positivos.

Os Títulos Verdes constituem importante inovação na modalidade de instrumentos financeiros adotados pelo mercado internacional, especialmente nas últimas duas décadas, com o objetivo de incentivar o financiamento de projetos e investimentos com viés socioambientais e/ou climáticos.

No Brasil, o tema em tela já vem sendo debatido desde o início dos anos 2000, quando a B3 criou o índice de sustentabilidade empresarial (ISE), posteriormente, em 2010, ao criar o Índice Carbono Eficiente (ICO2) e em setembro de 2020, quando criou o Índice ESG, indexador que se soma ao ISE e ICO2 para trazer ao mercado uma nova opção de investimento em empresas sustentáveis. Na mesma esteira, recentemente, a dimensão Sustentabilidade foi incluída pelo Banco Central na sua Agenda BC#.

Diante da necessidade de se financiar os projetos de infraestrutura com capital privado, foi editado o Decreto nº 10.387 (Decreto), de 5 de junho de 2020, regulando o financiamento de projetos de infraestrutura dotados de benefícios ambientais e sociais, simplificando o processo de emissão de debêntures com benefício fiscal, com as chamadas “Debêntures Verdes”.

A diversidade de projetos e atividades, elegíveis para o financiamento por meio de recursos obtidos através de Títulos Verdes, possibilita que estes venham a ser emitidos no âmbito de setores tradicionalmente conservadores, submetendo seus projetos aos Ministérios setoriais responsáveis.

Nos termos do Decreto, para fins de configuração de benefícios ambientais ou sociais relevantes, foram definidos como projetos com viés ambiental e social, aqueles relacionados a:

I.
Mobilidade Urbana

a. Sistemas de transporte urbano sobre trilhos:

• Monotrilhos;
• Metrôs;
• Trens Urbanos; e
• Veículos Rápidos sobre Trilhos – VLT.

b. Aquisição de ônibus elétricos, inclusive por célula de combustível, e híbridos a biocombustível ou biogás para o sistema de transporte; e
c. Implantação de infraestrutura de Bus Raid Transit – BRT

II. Energia

a. Tecnologias renováveis de geração de energia solar, eólica, de resíduos; e
b. Pequenas centrais hidrelétricas com densidade de potência mínima de 4W/m² (quatro watts por metro quadrado) de área alagada;

III. Saneamento Básico

a. De abastecimento de água;
b. De esgotamento sanitário;
c. De manejo de águas pluviais e drenagem urbana; e
d. De manejo de resíduos sólidos urbanos.

IV.
Os projetos realizados em aglomerados subnormais ou áreas urbanas isoladas relacionados aos setores de logística e transporte, mobilidade urbana, energia, telecomunicações, radiodifusão, saneamento básico, e/ou irrigação.

O projeto deve ser gerido por concessionária, permissionária, autorizatária, arrendatária ou sociedade de propósito específico (SPE), constituída sob a forma de sociedade anônima, para o único e específico objetivo de desenvolvimento do projeto.

Cabe ao emissor desses títulos garantir que a alocação dos recursos obtidos e o monitoramento do desempenho ambiental dos projetos alcancem os fins almejados.

Além do que foi exposto acima, tem sido adotada, como boa prática, pelo mercado, a assessoria de uma avaliação externa de consultoria para oferecer uma opinião independente (secondary party opinion – SPO), antes e após a colocação dos títulos no mercado, contendo relatório de alocação dos valores capitados e de impacto do projeto, o que garante maior transparência ao processo e também confirma as credenciais ambientais do projeto e da companhia emissora. Tal prática, que tem sido observada por grande parte de emissores no mercado internacional, valida a emissão de Títulos Verdes.

Importante salientar que os benefícios atinentes aos Títulos Verdes não se resumem somente ao incentivo fiscal concedido.

É possível arguir, entre outros, os benefícios intangíveis advindos dos Títulos Verdes, como ganhos reputacionais – promovendo maior visibilidade – através do reconhecimento do comprometimento do emissor com a causa social, a conservação do meio ambiente e a mitigação/prevenção dos riscos originados por fatores climáticos/sociais. Esses fatores são tidos como relevantes na mudança dos hábitos dos investidores, principalmente com a mudança de uma nova cultura de sustentabilidade.

Os investimentos em Green Bonds convergem para o cumprimento das normas que congregam os chamados “Princípios de Investimentos Responsáveis”, pelos Gestores de Recursos signatários destes princípios e dos integrantes The Institutional Investors Group on Climate Change – IIGCC de modo a implementar compromissos assumidos por mais de 3.000 organizações do mercado nacional e internacional, resultando daí o benefício da diversificação dos investidores da companhia.

Cabe, ainda, mencionar o Projeto de Lei nº 2.646 de 2020, em trâmite na Câmara dos Deputados, que tem obtido sinalizações favoráveis à sua aprovação, pelo próprio Ministro da Infraestrutura - Tarcísio Gomes.

O referido Projeto de Lei (i) amplia o rol de projetos relacionados ao desenvolvimento sustentável, (para fins de sua configuração como um Título Verde); (ii) aumenta os prazos para comprovação do uso dos recursos; e (iii) prevê a possibilidade de adoção de cláusula de variação cambial nas respectivas emissões.

O Projeto também contempla regras sobre: (i) aproveitamento dos benefícios fiscais, independente de ato ministerial para avaliação dos projetos, bastando sua realização no setor aplicável; e (ii) ampliação dos benefícios fiscais aos quais o emissor e os investidores fariam jus.

Ademais, na forma do disposto no Projeto, o emissor de títulos verdes poderá: (a) deduzir, para efeito de apuração do lucro líquido, o valor correspondente aos juros pagos ou incorridos, e, ainda (b) excluir do cálculo de lucro, na determinação do lucro real e base de cálculo da CSLL, valor equivalente a 30% da soma dos juros pagos no mesmo exercício social, podendo chegar a 50%, se os valores captados forem utilizados em projetos de investimento “Verdes”, certificados por entidade nacional ou internacional. O Projeto ainda está em discussão para definição dos termos finais e pode sofrer alterações.

Abstraindo do incentivo fiscal antes indicado e com foco apenas no benefício socioambiental desejado, existem, atualmente, cerca de 60 Títulos que respeitam os critérios ESG emitidos por empresas brasileiras no mercado nacional e internacional, conforme informado por SITAWI (www.sitawi.net).

Cumpre concluir, em síntese, que os Títulos Verdes ostentam enorme potencial de crescimento no Brasil, especialmente em razão das recentes mudanças legislativas e diante da atual carência de infraestrutura no país. E tudo isto no ambiente de Finanças Verdes, no qual um novo tipo de investidor demanda por projetos sustentáveis.


João Laudo de Camargo
é sócio de Bocater Advogados
jcamargo@bocater.com.br

Luiza Rangel de Moraes
é sócia de Bocater Advogados
lrangel@bocater.com.br

Daniel Chedier Barreira Maurell
é trainee em Bocater Advogados
dmaurell@bocater.com.br


Continua...