Sustentabilidade

CAPITALISMO VERDE NA BALANÇA: TRANSFORMANDO A DUALIDADE EM CAMINHOS SUSTENTÁVEIS

“O planeta está passando por dias mais quentes com recordes quebrados sucessivamente”; “Enquanto não houver descarbonização, a temperatura global seguirá batendo recordes”; “O oceano está ficando verde. Sim, é a mudança climática”. Essas são manchetes recentes na mídia, das quais não podemos nos orgulhar. Recordes de calor são quebrados repetidamente no mundo com consequências gravíssimas.

Nos últimos 20 anos, os oceanos apresentam mudança na sua coloração e variedade de populações de fitoplanctons, principalmente nas regiões oceânicas tropicais. O aumento de absorção de dióxido de carbono pelos plânctons e algas pode representar um problema ainda mais sério: os oceanos absorvem quase 25% das emissões de carbono do mundo e podem não ser capazes de absorver mais no futuro.

Recentemente, em vôo para o Collision Conference Toronto, assisti o documentário “A verdade inconveniente” um alerta onde Al Gore, desde 1989, mostra a evolução e os efeitos do aquecimento global e desabafa: “É mais uma questão moral que propriamente política”. Com certeza, existe a nossa responsabilidade individual e somos convidados a fazer melhores escolhas sobre nosso consumo. Naturalmente, nos cabe tomar melhores decisões com determinação para compensar ou até zerar nossas emissões individuais de carbono. A Revista RI na edição de Nov./2007, trouxe Al Gore destacando essa pauta.

Apesar dos esforços governamentais, as últimas décadas de mitigação das mudanças climáticas são consideradas fracassos resolutos, intensificando a capitalização dos ecossistemas enquanto se promove o mito do "crescimento verde". Cenários desoladores, desmatamento em alta, incêndios florestais, ondas de calor recordes, clima errático e inundações ocorrem mundialmente com o aumento do nível do mar. Enquanto isso, o ‘business as usual’ se intensifica.

A despeito do maior interesse em relação aos efeitos socioambientais (pelo Google Trends), o consumo indiscriminado sem precedentes produz efeitos nocivos. O fato é que produzimos e consumimos além da capacidade de regeneração do ambiente em que vivemos, os ecossistemas e a biodiversidade sofrem e existe elevado risco à sustentabilidade ambiental para as futuras gerações. Preservar os recursos naturais e o meio ambiente impõe muitas vezes um contraponto aos lucros de curto prazo sendo esse o principal empecilho da sustentabilidade no sistema econômico em curso. Por isso, nos deparamos com pontos importantes a endereçar que surgem constantemente nas pautas decisórias das organizações e chegam nas agendas de conselho: a exigência na mudança de paradigma da relação desequilibrada entre a sustentabilidade e o crescimento nas empresas somente para a lucratividade nos resultados. Por ora, a pauta é mostrada como um insustentável fardo, que exige ética, transparência e destreza para enfrentarmos conscientemente tal dilema.

O capitalismo verde tem se colocado como uma solução dos negócios contumazes para problemas ambientais no mundo. Entretanto, alguns defendem ser uma falácia. A lógica de crescimento e acumulação desvirtuada de riquezas, a geração indiscriminada de lucros para empresas através de elementos escassos acarretam a ruptura nos ecossistemas que as sustentam e, portanto, torna-se uma alternativa insustentável no enfrentamento da atual crise ecológica global. Estamos diante do dilema apresentado pelo dito capitalismo verde - eco capitalismo ou economia verde como queiram chamar.

Apesar dos esforços para minimizar os dilemas ambientais, a catástrofe ecológica se intensificou. A crise ambiental possui sua parcela de contribuição no debate em torno do conceito de capitalismo e de sua relação com o meio ambiente. A constante associação do capitalismo como forma de geração de riquezas indiscriminada baseada no capitalismo de shareholders, em confronto com impactos ecológicos que não respeitam fronteiras no ecossistema do planeta demonstra o completo desalinhamento entre a estratégia econômica que tornaria possível o crescimento econômico de negócios agregando os benefícios gerados em prol da preservação do meio ambiente. A economia verde aparece então, como um placebo que mantém o ‘status quo’ causando mais destruição que construção de valor, ou seja, além de não reabilitar adequadamente os ecossistemas, também não apoia o enfrentamento de problemas socioecológicos estruturais que ameaçam o planeta.


Fonte: @MuellerTadzio, @wiebkemarie, @MariusHasenheit, @sustentioEU [PG] (on Twitter)

Desde o Acordo de Paris em 2015, existe continuidade de incentivo em financiamento a empresas de combustíveis fósseis por bancos globais. O relatório ‘Cinco anos perdidos Como as finanças explodem o orçamento de carbono de Paris’ do reclaimfinance.org, aponta as Agências de Crédito à Exportação como as maiores fonte de financiamento público para projetos de combustíveis fósseis no exterior. Entre 2016 e 2018, o financiamento do G20 para tais projetos foi de 52% , uma discrepância se considerado os 3,8% destinados a energia limpa. Com esse acordo, o sistema financeiro do carbono aflorou considerando as metas instituídas por cada país. Existe a constatação que a economia verde está servindo como um multiplicador de forças para a expansão do mercado com desenvolvimento capitalista irrestrito, em detrimento do trabalho para a mitigação e remediação dos impactos reais no meio ambiente.

Diante de tal situação, devemos empreender novos métodos para identificar as barreiras fundamentais que impedem as instituições e a sociedade civil de iniciarem a transformação necessária. A organização da produção, as melhores alternativas de consumo, as boas práticas de governança são ações para a urgente mobilização das instituições mudando o paradigma que confronta o capitalismo com as perspectivas práticas que beneficiam o meio ambiente e a sociedade. É possível buscar o equilíbrio restaurando o melhor dos dois mundos através de intervenções ao modelo atual de capitalismo verde, auferir lucro na preservação e sustentabilidade do meio ambiente é uma possibilidade concreta desde que haja propósito alinhado e ética.

A relevância do capitalismo verde acontece quando acoplamos a governança em todos os seus aspectos dissecando o modelo, suas origens e fundamentos, os padrões aceitos e mecanismos de mensuração e acompanhamento dos projetos de energia limpa, incentivo a melhoria da biodiversidade e compensação de carbono. Um exemplo interessante está no McKinsey ESG Report 2022, com mais de 1600 iniciativas de clientes engajados em sustentabilidade alavancadas em (i) aceleração da sustentabilidade e crescimento onde empresas assumiram compromissos net-zero e enfrentaram ambos os desafios, avanço nas soluções climáticas e no crescimento; (ii) parcerias para descarbonização e oportunidades na transição energética e (iii) incentivos a criação de um futuro de energia limpa, segura e acessível. Esse exemplo demonstra que o capitalismo verde precisa ser disruptivo a ponto de se transformar em todas as suas bases, deixando de ser uma estratégia projetada para apoiar indústrias destrutivas, mas gerar impactos positivos no meio ambiente e na sociedade. Esse é um dos pontos relevantes na 6ª edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa pelo IBGC, com ênfase a governança de stakeholders e integração dos temas sociais e ambientais na agenda de governança.

É premente que haja mudança de paradigma no capitalismo verde evitando o conflito de interesses e exigindo uma nova postura, mais consciente, das empresas. A prática do capitalismo de stakeholders é condição ‘sine qua non’, o que dará sentido viabilizando o duplo imperativo dos resultados lucrativo e socioambiental sustentáveis. A base da mudança do capitalismo verde está no capitalismo de stakeholders, na governança corporativa, e nos verdadeiros princípios incentivados pelo capitalismo consciente. Somente assim, será possível afirmar que o planeta prosperará através de iniciativas que transformem profundamente as nuances do eco capitalismo para um modelo sustentável em prol das futuras gerações.

Luciana Tannure 
é engenheira formada pela PUC-RJ com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e pós-graduação em Finanças Corporativas e Sistemas de TI, com mais de 28 anos de experiência em empresas nacionais e multinacionais. Conselheira Consultiva certificada, Vice coordenadora da Comissão de Governança e Estratégia Empresarial pela Board Academy BR. Palestrante e empreendedora, atua com mentoria empresarial e governança corporativa. 
luciana.tannure@gmail.com


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