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Enfoque

REPUTAÇÃO: VALORIZAÇÃO DE ATIVOS E CONQUISTA DE CONFIANÇA

Tenho me debruçado sob um tema recorrente como fator de valorização de ativos intangíveis e de capital, que é reputação. Mas o tema é tão complexo que desejo, nesse artigo, ampliar a temática para o campo da ética e de sua relação com a moral.

A questão moral está se tornando uma das principais prerrogativas e objeto de estudos, principalmente no campo da neurociência e da cognição. Vivemos em um mundo contemporâneo no qual, como exponho em meu livro editado recentemente (ver box), o entendimento dos processos cognitivos, principalmente do lado emocional do cérebro tem sido fator determinante para se obter 'àquela' tão almejada sintonia interpretativa para a conquista de confiança, entendimento dos significados, das regras e normas passionais que perpassam os diversos universos coletivos.

Em meus artigos tenho explorado as perspectivas de um modelo de "gestão" virtuosa da reputação (muito embora, mesmo com tantas pesquisas e certezas, ainda me questiono se reputação pode ser mesmo algo administrável), cujas dimensões foram estruturadas a partir das análises e interpretações de gestores, - denominados de "sujeitos coletivos", do capital e da comunicação. O primeiro, representando pelos gestores dos ativos e das relações com o mercado (do produto e do capital) e o segundo, representando não apenas os gestores dos processos nas empresas como também das agências – além das instituições que representam as suas classes.

Foi muito interessante perceber que diante de percepções e interpretações tão diversas tornou-se possível chegar a um modelo que, comparado com as interpretações do coletivo em relacionamento de uma rede virtual, que fornece uma perspectiva mais humana, aberta, preservando a necessária racionalização exigida pela gestão do negócio – onde se acrescentam dimensões de transparência, legalidade, desempenho e qualidade da gestão do negócio.

O foco permeando essas dimensões passa a ser o dialogo efetivo, por meio de uma nova technological communication (o instrumento efetivo de legitimação, manutenção do poder na contemporaneidade (vide Castells em seu Poder e Comunicação) – menos estruturada, controladora, egocêntrica e presunçosa e que se torna apenas um dos atores da verdade (aquela da organização).

Ela não é mais a única detentora do processo de ida e vinda da informação e da atual corrente significada da "geração" dos content marketing e content branding. Nos dias atuais, variadas verdades circulam no universo interno e externo da organização. Tornamo-nos, individual e mais complicado ainda como sujeitos coletivos, detentores e agentes de milhares de verdades. Ela será legitimada ou não, se tivermos (todos nós envolvidos com o entendimento e as relações organizacionais que geram valor) a capacidade de aglutinar, por meio dela, os sentimentos, os ideais e as paixões – sustentadas, naquele (s) sujeito(s) e seus discursos nos quais acreditamos, vivenciamos e percebemos como "coerentes". Coerência, a variável mais apontada, pelos sujeitos do coletivo virtual - da pesquisa citada anteriormente -, como a mais escassa pelas instituições e negócios nos dias atuais.

A comunicação multidimensional considera e respeita os demais processos, pelo esforço do entendimento das variadas normas valoradas pelos 'sujeitos coletivos' das relações organizacionais – dentro de sua ambiência e fora dela, do contexto social e de mercado – este sim aquele que, pelo modelo anterior da gestão, analógico e racional ao extremo, dos tempos do século 20, não tem mais condições de permitir e gerar parceria, compartilhamento e, espantem-se: compaixão, bondade, verdade, honestidade, equidade e justiça.

Sim, meus caros leitores, estes são os novos indicadores que deverão demandar mensuração no sentido de obter e manter confiança, legitimação, aglutinação de parcerias e "amizades" e garantir o valor do ativo reputação nas próximas décadas.

Recente fato que deixou o mundo estupefato por alguns dias foi a eleição do presidente dos Estados Unidos. Um cargo que, efetivamente, detém o poder de redimensionar a perspectiva futura de como todos os seres do planeta terra posicionará o significado de moral, ética e principalmente, reputação.

No livro de.Sam Harris, "A paisagem Moral", um jovem filosofo norte-americano, articulista de jornais como o NY Times, Economist e Newsweek, fundador da fundação Project Reason, entidade que buscar inserir e divulgar a tese de que o conhecimento científico pode ser o instrumento de disseminação dos valores seculares na sociedade, integrando a perspectiva religiosa (que ele critica e eu não!!) e os estudos da neurociência, com foco no sonho de sanar os problemas seculares da humanidade.

Harris sustenta a tese de que, pela ampliação das pesquisas acerca dos valores morais, das manifestações da fé, da verdade, poderemos, com maior clareza, entender as diferentes maneiras que nos possibilitem conviver uns com os outros e a julgarmos algumas formas (melhores e/ou piores, mais fiéis aos fatos ou menos, mais éticas ou menos) que nos ajudem a melhorar as escolhas que afetam a vida de milhares de seres humanos. E o foco delas seria o bem-estar de todos. É um caminho e um esforço que deve ser valorado!

Recentemente, em um artigo publicado no The Guardian, foi apresentado alguns dados, divulgados pelo US Department of Labor's que demonstram que uma em cada cinco crianças na África é empregada por grandes companhias globais, em regime semi-escravo, em minas, na plantação de cacau – matérias-primas utilizadas em produtos de marcas líderes e sustentáveis do mercado global. São 59 milhões de crianças entre cinco e 17 anos trabalhando sob as piores condições de trabalho, extremamente perigoso, conforme divulgado pela OIT- Organização Internacional do Trabalho, que estima que na África e acredito que aqui em nossas terras do lado sul do Atlântico – muitas delas são empregadas contra sua vontade em pedreiras, fazendas e minas.

"As empresas de commodities, bens e serviços da região têm que aceitar que este não é um problema que possam evitar", diz Mark Dummett, pesquisador de negócios e direitos humanos da Amnesty International e ele reforça: "o trabalho infantil é uma realidade das principais indústrias; está presente em muitos dos bens e mercadorias que compramos e consumimos hoje" e complementa: "a imagem de uma criança em uma mina ou em uma fábrica, em um campo de guerra, não é algo com o qual as marcas querem se associar, mas em uma era de maior transparência – "accontability" responsabilidade e rastreabilidade, esconder-se dela não está apenas prejudicando a si mesmas, mas as crianças envolvidas, tornando-se um grande risco para a sobrevivência e/ou a perenidade do negócio". Difícil tocar nessas feridas, mas elas precisam, urgentemente, serem curadas!

Aidan McQuade, diretor da Anti-Slavery International, aponta, no artigo, para a aprovação de recentes leis no Reino Unido e nos EUA como um sinal claro de que o pêndulo está balançando contra as empresas que não agem rapidamente no sentido de elaborar normas que definam maneiras corretas de se envolver com a perspectiva de trabalho infantil e de outras práticas "não virtuosas" e direta ou indiretamente associados à sua marca.

Surgiram, nos últimos anos, algumas denominações metodológicas, focando esforços nesse sentido e que definem novos posicionamentos, como "governança", "compliance" etc. Mas, todos eles, ainda se baseiam estritamente na perspectiva racional, do controle, do domínio sobre fatos e lógicas que possam mensurar e demonstrar resultados por meio de premiações e de indicadores advindos, apenas, das ciências racionais. Esqueceram-se, ao longo do tempo e do desenvolvimento das ciências, como fim, daqueles valores milenares e que nos diferenciam como seres humanos, em relação aos seres irracionais.

Hoje as organizações encontram-se diante no dilema: entendimento versus competitividade e manutenção de valor. É ilógico e irracional o conflito entre ambos. Porem em um contexto de capital desmaterializado e intangível não resta mais outra possibilidade do que adotarmos, como gestores, uma perspectiva mais humilde, honesta e justa.

Voltemos, no entanto à especificidade do conceito de reputação como norma que se manifesta nos lugares, espaços nos quais a significância, a união de interesses, paixões, ideais e/ou causas encontram sintonia. E diante dessa perspectiva, cada lugar onde a variedade de normas valoradas se manifesta, detêm a sua própria verdade. No modelo que apresento em meu livro isso fica bem claro – a partir do dialogo, da troca, da negociação onde o que permeará o circuito evolutivo e virtuoso, é o respeito de cada universo normativo de valor e ao menos na relação entre justiça e respeito poderemos construir uma potencial relação de confiança que permitirá a geração de valor e evolução.

Tentemos exemplificar, no entanto, adotando o caso do sucesso de Donald Trump. Muitos não entenderam, inclusive seus conterrâneos, as razões que o levaram ao poder. Um candidato sem credito, avaliado pela imprensa, unissonamente, como o lado 'dark' do processo eleitoral e ele deu "um baile" no universo de influenciadores, analistas e no status quo chegando ao poder como o presidente mais improvável da historia norte-americana.

Em recente artigo, Aaron M. Renn doCity Journal, uma revista online do Manhattan Institute, de Nova Iorque, questionou: como isso pode ter acontecido? "Mas muitos que levantaram essa questão", afirma ele, "não conseguiram admitir a verdade intrinseca à mesma: muitos não deram credito à habilidade de Trump em obter sucesso". Ele, por si só, em toda sua trajetoria rumo ao pódio, por meio da sua crença, foi conquistando adeptos ao longo do tempo, paulatinamente.

Estes correlegionarios (tal qual na eleição de Obama) sentiram-se em sintonia e, por isso mesmo, coadunaram-se com o sentimento de Trump, graças à realidade de seus cotidianos, e integraram-se à sua norma reputacional. E cada um daqueles sujeitos que o elegeram compartilharam, por meio de suas paixões e dos problemas vivenciados em seu cotidiano de vida, com essa norma.

Será que podemos afirmar que ele não tenha sido coerente com sua propria trajetoria e valores? Na realidade ele foi muito esperto em apontar as incoerências de seus adversarios – falando para aqueles que confiavam nele; que perceberam que, na norma preconizada pelo seu discurso, estavam presentes os mesmos significados de suas normas de vida cotidiana – moral, imoral? O futuro dirá.

Eles não se importaram com as interpretações de contestação dos influenciadores tradicionais. Pareciam irracionais, fora do contexto? Mas essa "minoria" falava algo que nas "coxias" de seus cotidianos esperava apenas uma oportunidade para ser escutada, mas que os ouvidos de muitos gestores e lideres ignoraram graças à cegueira gerada pela insensibilidade e distanciamento do mesmo.

Na realidade, Trump foi devagar, ao longo do tempo, plantando, como aponta Aaron: "ele vinha prometendo, desde 1988, mas nunca puxou o gatilho.Desta vez, ele viu a oportunidade e percebeu que um vasto mar de eleitores infelizes, desencantados, queria mudança fundamental, mas não era percebida pelo status quo. Este ainda tem como base àquele modelo comunicacional analogico, que se utiliza sim da interatividade tecnológica, mas cujos processos continuam sustentados no controle, no distanciamento do cotidiano, das expectativas de cada agrupamento e individuo – aquele onde circula a moral, a verdade, a noção de justo, injusto, verdadeiro, bondoso, compassivoe equitativo.

Este é, talvez, o melhor caso/exemplo que ilustra o que teremos que enfrentar nos proximos anos. A logica mudou, apenas esquecemos como ela esteve, sempre tão presente em nosso dia a dia, seja em nosso cotidiano privado, organizacional ou público.

LIVRO: Reputação, Norma, Ativo, Confiança e a Gestão Virtuosa
O livro "Reputação, Norma, Ativo, Confiança e a Gestão Virtuosa e as interpretações dos sujeitos: capital, comunicação e virtual coletivo" da jornalista e pesquisadora Ana Lucia De Alcântara Oshiro (Editora Buqui) oferece ampla discussão teórica sobre as variáveis que circundam a interpretação do termo reputação nos dias atuais. A publicação oferece ainda uma metodologia de estudo para interpretação de discursos coletivos de reputação, sugerindo modelo de gestão reputacional virtuosa a partir dos indicadores obtidos na pesquisa empírica dos estudos realizados na ECA/USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), com gestores de instituições como IBRI, Itaú Unibanco, Conrerp (Conselho Regional de Profissionais de Relações Públicas) e Abracom (Associação Brasileira das Agências de Comunicação). A obra conta com prefácio de Geraldo Soares, membro do Comitê Superior de Orientação, Nomeação e Ética do IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores) e superintendente de Relações com Investidores do Itaú Unibanco. De acordo com a autora, o norte da confiança que se adquire nas interações mantidas com o ambiente externo sustenta-se, a cada dia, na capacidade de diálogo sincero e no grau de respeito mantido e a justiça praticada, transformando-se em importantes indicadores de valorização de ativos por acionistas e investidores no século 21. 

Ana Lucia De Alcântara Oshiro
é Doutora em Ciências da Comunicação, Mestre em Comunicação, Tecnologia e Mercado e Especialista em Marketing e Jornalista especialista em economia e tecnologia da informação. Pesquisadora independente. 35 anos de atuação em comunicação e atualmente diretora da Tatica Consultoria e da T.Academia e coordenadora da rede de pesquisa colaborativa, virtual sobre moral, valores, reputação nomuselocus.
analucia@taticacom.com.br


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