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Entrevista

HENRIQUE LUZ, PRESIDENTE DO CONSELHO, IBGC

Governança e Gestão de Riscos: a saída para uma sociedade melhor
“Diversidade nos Conselhos de Administração, Governança na era inovação, aprimoramento do Pratique ou Explique e transcender as boas práticas para além da gestão de sociedades de economia mista.”

Estes são alguns dos objetivos do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) que agora tem à frente de seu Conselho de Administração, Henrique Luz, que assume esse desafio, depois de 43 anos na PwC, uma das maiores empresas internacionais de auditoria, onde atuou como auditor, consultor e chegou à vice-presidência.

Com exclusividade à Revista RI, Henrique Luz, presidente do Conselho do IBGC,  fala sobre os novos projetos da instituição, o futuro da Governança no Brasil e quais serão os focos de atuação do IBGC. Acompanhe a entrevista.

RI: Qual o momento atual do IBGC ?

Henrique Luz: Temos, atualmente, cerca de 2 mil associados entre pessoas físicas e jurídicas. Em 2018, o crescimento da base de associados foi de cerca de 20%. Sobre o perfil dos associados, 42% são executivos; 29% conselheiros; 16% são sócios e herdeiros e 13% são especialistas (como consultores e advogados). Hoje o instituto é a referência em Governança na América Latina e tem como objetivo disseminar as boas práticas. Dos assentos nos bancos de Conselhos de Administração, o número de pessoas formadas pelo IBGC também vem crescendo na casa de dois dígitos em termos de pontos percentuais. Também aumentou a nossa influência em termos de governança corporativa. A própria sociedade tem clamado mais por melhores práticas após a Lava Jato. Queremos continuar crescendo por meio de ações integradas ao nosso propósito.

RI: Qual o propósito do IBGC?

Henrique Luz: Nosso propósito é chegar a uma sociedade melhor através de uma governança corporativa melhor. Para se chegar a isso é preciso disseminar as ideias e melhores práticas de governança na sociedade como um todo. Temos três grandes focos: as companhias abertas; as empresas familiares e as de capital misto. Por que isso? Porque se nós queremos tornar a sociedade melhor, a capacidade de conseguir isso somente por meio das companhias abertas se esgota em determinado momento, pois o mercado de capitais no Brasil é pequeno. Se eu falo que o Brasil tem de 3 a 4 milhões de empresas familiares, posso garantir que umas 100 mil destas empresas vão se beneficiar enormemente de ter uma governança corporativa. Então, você imagina o caráter multiplicador que tem o segundo item da nossa escala de interesse. O terceiro foco envolve a governança pública como um todo, transcendendo apenas a gestão de sociedades de economia mista e indo para agências reguladoras, entidades e governo, o que envolve a poupança popular. Estamos sempre revisitando nosso propósito de tornar a sociedade melhor e nos perguntamos: o que precisamos para isso?

RI: Com relação ao terceiro foco, pode dar um exemplo de atuação do IBGC?

Henrique Luz: Nós buscamos estar próximos dos reguladores para nos assegurarmos que o arcabouço de leis aborde e acalente as boas práticas de governança. Por exemplo, houve a lei 13.303 de 2016, que proibiu o uso político de cargos de diretoria em empresas de sociedade de economia mista, que é parte do sistema conhecido como ‘toma lá, dá cá’. No ano passado, discutindo o novo marco da lei das agências regulatórias no Congresso na calada da noite, os deputados ofereceram uma mudança de aditivo, o tal “jabuti”, que anularia os efeitos da 13.303. O IBGC tomou um posicionamento fortíssimo junto com outras entidades e conseguimos retirar o “jabuti”. Tivemos outro caso claro de posicionamento do IBGC recentemente que envolveu a nomeação de presidentes de sociedades de economia mista.

RI: Com relação ao caso da ingerência do governo na Petrobras. Qual o posicionamento do IBGC?

Henrique Luz: O IBGC já se manifestou ao tema sobre a ingerência do governo nas sociedades de economia mista. O governo pode ser o maior acionista, mas existem os outros investidores. O governo brasileiro precisa ter adesão às boas normas de governança. Certamente, um presidente da república ou um governador de estado não pode tomar decisões passando por cima do Conselho de Administração da empresa. Qualquer tipo de ingerência naquilo que é patrimônio de milhares de pessoas que nada tem a ver com o governo é um absurdo. As melhores práticas têm que ser inicialmente aderidas pelo próprio governo. São companhias que têm sócio. Consideramos absurdo este tipo de ingerência. Ou se privatiza ou se dá garantias de que o governo vai cumprir com as regras de governança e respeitar os minoritários.

RI: Também vimos o problema de gestão de risco como o da Vale em Mariana e Brumadinho. Como isso afeta a imagem da governança para o mercado brasileiro como um todo?

Henrique Luz: Em primeiro lugar, a Vale não é uma empresa associada ao IBGC. Mesmo não sendo associada ao instituto, nós também não comentamos casos específicos. Não temos evidências ainda construídas por meio de estudos minuciosos sobre o que realmente aconteceu. A gente teve o caso da Arthur Andersen em que sua extinção foi decretada por conta de um escândalo, mas, anos depois, a justiça americana absolveu por falta de evidências. A empresa foi liquidada com base nos “achismos”. No caso da Vale, não sabemos o que aconteceu. É ilação falar que foi falha de governança superior. Todavia, precisamos chamar a atenção sobre o mapeamento de riscos. Tradicionalmente, não se dava tanta atenção aos riscos com probabilidade remota, mesmo com consequências catastróficas. Só que fenômenos como este chamam a atenção de que é preciso estudar os fatores que vão mitigar os riscos. Isso também está sendo trabalhado pelo IBGC. De qualquer forma, não podemos fazer pré-julgamentos.

RI: Quais as perspectivas para 2019 e os temas prioritários para este ano?

Henrique Luz: No ano de 2019, queremos vocalizar as nossas metas prioritárias. Um dos temas é a questão da diversidade nos Conselhos de Administração. Outro foco é a inovação, que tem crescido nos últimos dois anos. Neste segmento temos duas comissões: a de startups e a de inovação. Outra é a Instrução 586 da CVM que mudou a anterior 480 e instituiu a prática do Pratique ou Explique com 54 quesitos de governança corporativa. Neste sentido, as companhias abertas devem demonstrar quais princípios aplicam e explicarem o motivo de não aplicarem outros. Esta é uma tendência mundial de governança. Está na nossa agenda o aprimoramento da aplicação do Pratique ou Explique.

RI: Quais foram as primeiras impressões sobre o Pratique ou Explique e o que deve ser aprimorado?

Henrique Luz: Na primeira aplicação do método fizemos uma pesquisa quantitativa sobre as primeiras respostas e agora vamos lançar uma qualitativa. Vimos que a taxa média de aderência das companhias abertas às práticas recomendadas pelo código brasileiro ficava em torno de 65%. Esta é uma amostra restrita às empresas com ações mais líquidas da bolsa. Algumas tiveram 20% de aderência e outras 90%. Eu diria que o percentual de 65% não é ruim para a primeira vez que se faz isso. Porém, quando olhamos o qualitativo, há controvérsias. O nível das explicações dadas para dizer o porquê de não fazer é muito simplificado. Isso significa que há uma grande oportunidade para as empresas melhorarem seus informes. É normal que as primeiras explicações sejam mais fracas. É uma curva de conhecimento, mas temos que estar muito junto das empresas num processo educativo para que este movimento venha a crescer. A partir da pesquisa qualitativa, teremos ações neste sentido.

RI: Outro ponto importante a se discutir é o peso responsabilidade dos administradores e conselheiros...

Henrique Luz: A responsabilidade dos administradores é outro ponto muito importante. O advogado vai dizer: olha, de acordo com a Lei das Sociedades Anônimas, quando ela cita o substantivo administradores, abrange os executivos e os conselheiros. A lei iguala a responsabilidade pela administração daquela empresa. Só que o diretor executivo passa dez horas por dia trabalhando naquela empresa e um conselheiro, talvez, dez horas por mês. Então, é óbvio que os dois não têm o mesmo nível de qualidade de informação. Assim, por que os dois têm o mesmo nível de responsabilidade? Os advogados qualificam isso dizendo que há uma tendência de os reguladores separem perfeitamente as responsabilidades. Mas não é isso que está na lei. Por esse motivo, vamos criar um grupo de trabalho para debater o tema. É preciso chegarmos a um consenso, evolvendo especialistas em governança, reguladores, advogados e a sociedade em geral. Todos os grandes stakeholders devem debater se é razoável o que diz a lei. Fora do Brasil não é assim.

RI: Muito se fala da participação das mulheres nos Conselhos de Administração. O IBGC defende as cotas para mulheres?

Henrique Luz: A questão da diversidade para o IBGC transcende a conversa sobre gênero para fins de governança corporativa porque a diversidade deve ser vista como algo que produz um colegiado com ideias e experiências distintas. Deve-se navegar por canais diferentes de gênero, crédulo, etnia, orientação sexual, entre outros. O nosso entendimento de diversidade é amplo, mas apoiamos e temos apoiado movimentos que sustentem a diversidade de gênero porque ela pode produzir, de forma pragmática, efeitos mais a curto prazo. O IBGC vem registrando crescimento do número de mulheres certificadas. Nos últimos três anos, o aumento da presença feminina foi de 90% entre os conselheiros de administração certificados. No encerramento de 2018 (dados mais recentes), as mulheres representavam 17,23% do quadro total de conselheiros de administração certificados. Do total de conselheiros certificados pelo IBGC, 18,1% são mulheres, atualmente (dado do encerramento de 2018). É importante observar que este dado contempla tanto profissionais certificados como conselheiro de administração quanto conselheiro fiscal. Nós temos um programa em conjunto com o WCD - Women Corporate Directors - este é um apoio forte em relação à diversidade. Temos uma posição de gostar da diversidade por essência, mas quando chega a questão da cota não é algo que a gente professe.

RI: Por que não apoiar as cotas?

Henrique Luz: Não se deve confundir o apoio à diversidade com a questão de cotas. Porque nós achamos que pressionar por cotas significa abrir mão do próprio efeito da diversidade que é trazer inteligência diversa, ideias diferentes. Quando há a obrigatoriedade da cota, a empresa acaba preenchendo as vagas em detrimento da diversidade maior. É preciso estimular que as empresas tragam canais de diversidade, mas porque é bom e não porque elas são obrigadas a fazer isso. A apreciação sobre a estatística mostra que, de fato, já deveríamos ter no Brasil um número de mulheres no conselho muito maior do que o atual. Porém, dizer que ele não está crescendo é outra conversa. Apesar de o percentual estar aumentando, ainda estamos bem aquém de outros países mais desenvolvidos. Hoje no Brasil, senão me engano, a presença das mulheres no conselho de administração está abaixo de 10% e muitas das mulheres que fazem parte desta estatística são membros do conselho porque são da família controladora, ou seja, porque são acionistas. O ideal é que a mulher participe do conselho porque agrega valor.

RI: Diante desta onda de inovação, qual é o posicionamento do IBGC, como levar governança à inovação?

Henrique Luz: Nós não só queremos disseminar as melhores práticas de governança, mas também integrar os nossos associados a temas que devem fazer parte da agenda de um conselho. É fundamental discutir a questão da inovação. Nós entendemos que, em um mundo de transformações e de disrupções tecnológicas, quem não tiver um mindset de ser inovador e transformador, morre na praia. Toda vez que o mundo tem movimentos de transformação mais radicais como a gente está tendo agora, quem não se insere naquilo, morre. Se a empresa nega o fato de que há a transformação, está negando a sua perenidade. Um dos objetivos maiores da governança é garantir a perenidade e sustentabilidade da organização.

RI: Se fala muito da questão de que a empresa precisar de inovação, mas inovar, muitas vezes, significa errar. Como o Conselho deve agir diante do paradoxo: se não inovar morre, porém, a inovação aumenta o risco do erro e leva à piora dos resultados?

Henrique Luz: Existem estudos acadêmicos que mostram que, quando a tentativa é coibida, a inovação é vetada. Não existe inovação sem erro. Por detrás de qualquer transformação empresarial ou inovação de sucesso, existe uma série de tentativas. O que define isso é o apetite a risco. O Conselho define o espaço para erros que se pode cometer. O veto ao erro e a cultura do não-erro ainda está presente em grande parte das empresas, mas está havendo uma grande mudança na área da gestão empresarial. Para permitir o erro, é preciso ter uma definição exata de quanto está se permitindo de erro. Não adianta errar a vida inteira usando como justificativa a inovação. É preciso ter um peso e um contrapeso. Uma dose razoável de erros faz parte do processo de inovação em que a empresa vai, inclusive, lucrar no êxito. Como se faz isso? Não há uma fórmula fechada. Ninguém aqui acha que é preciso ter um tecnólogo no Conselho. Não é isso. A transformação digital não tem a ver necessariamente com tecnologia. Ela somente é parte do processo. O que é preciso ter é o comprometimento de cada um dos conselheiros de que inovação e transformação são temas prioritários. Quando a empresa dá uma boa experiência ao consumidor, ela acaba atendendo a todos os stakeholders, pois todos são consumidores.

RI: Vimos, nos últimos anos, um grande crescimento das startups. Como o IBGC se posiciona frente a este movimento?

Henrique Luz: O Código de Governança Corporativa não é aplicável a todos os tipos de companhia. Dizer que ter uma boa administração de startups é aplicar todos os princípios do código não é verdade. Para a gente entender um mundo que teve um crescimento tão grande, criamos uma comissão formada somente por gestores de startups. Esta já é uma resposta do IBGC. Sabe-se que uma startup não vai ter, logo de início, um Conselho de Administração, mas que, a partir de determinado ponto, quando entram os investidores, é preciso dar um salto. É aí que a gente entra: criando esta visão de governança.


Continua...