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REFORMA DA PREVIDÊNCIA: UMA QUESTÃO DE RESPONSABILIDADE PARA COM AS PRÓXIMAS GERAÇÕES

Paulo Guedes, nosso ministro da economia, tem sido bem enfático quando diz que a Reforma da Previdência é mais do que uma questão de equilíbrio fiscal e redução de privilégios, mas uma questão de responsabilidade para com as próximas gerações. Acho que o comentário não tem argumento em contrário. Precisamos de fato criar um sistema de “seguridade social” que se adeque à nossa escolha de comportamento demográfico que prioriza a longevidade simultaneamente à desaceleração da taxa de natalidade.

Esse sistema tem de ser dinâmico, isto é, permitir o ajuste periódico da relação entre inatividade e atividade econômica. O sistema contributivo deve ser equilibrado, levando em consideração também as responsabilidades contributivas para com o setor saúde. Os planos privados de saúde têm tido dificuldade de se adequar às exigências de um “mundo humano” longevo, devido aos custos reais crescentes, isto é, sistematicamente maiores do que a taxa da inflação. O resultado tem sido uma maior pressão sobre Sistema Único de Saúde, que não tem recebido investimentos adequados para atender a esse aumento de demanda. E não há investimentos por causa do aumento contínuo das despesas com previdência. É o cachorro correndo atrás do próprio rabo, em um país que vem perdendo capacidade de poupar quando o futuro exige o contrário. Mas outras questões exigem reflexão. Vamos discuti-las mais adiante.

A Previdência Social surgiu no mundo não por preocupações com a renda no período de inatividade, mas devido às preocupações com a assistência social aos pobres e com o crescimento dos acidentes de trabalho, em consequência da revolução industrial, que intensificou as atividades econômicas de extração do carvão e ouro e da industrialização do minério de ferro. Assim Previdência, Saúde e Assistência Social caminham juntas por muito tempo, dificultando a compreensão do equilíbrio atuarial necessário no que se refere aos compromissos crescentes de prestação continuada da Previdência.

O Brasil, tomando como base a Lei Eloi Chaves de 1923, constituiu o seu sistema de aposentadoria a partir de contribuições de empregados e empregadores de empresas, parecido com um Fundo de Pensão - “Art. 1º Fica “creada” em cada uma das “emprezas” de estradas de ferro existentes no “paiz” uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados”, com benefícios bastante flexíveis e regras rígidas de capitalização atreladas à aquisição de títulos públicos federais e estaduais (de Estados não devedores).

Esta lei ainda estabelecia a possibilidade de aposentadoria integral para servidores com mais de 50 anos de idade, proporcionalidade para aposentadorias com idade inferior a 50 anos, dependentes outros que não filhos menores e viúvas, regra que permaneceu vigente até o início do século XXI para os militares. A aposentadoria integral ainda faz parte de nossa legislação, 96 anos após a instituição dessa regra ter sido implementada, mostrando a expressiva resistência à mudança.

A obrigatoriedade de aquisição de títulos públicos federais e estaduais não impediu os exageros na aplicação dos recursos (desconsiderando-se princípios básicos de avaliação de risco financeiro) em várias iniciativas públicas, em especial nos Governos Vargas e Juscelino (construção de Brasília), além dos financiamentos habitacionais (a juros fixos), que juntos representaram a tempestade perfeita para geração do desequilíbrio atuarial da maioria dos Institutos de Aposentadoria e Pensões.

Com a inflação acelerada dos anos 50 e 60, o valor das prestações habitacionais derreteu. A descapitalização do sistema previdenciário e a necessidade de recuperar a confiança no papel do setor público foram fatores importantes para o estabelecimento da correção monetária em 1964.

O sistema previdenciário foi muito importante na viabilização do Sistema Financeiro da Habitação e do BNH devido à alta quantidade de terrenos de propriedade dos Institutos de Aposentadoria e depois do INPS, criado, em 1966, para administrar o sistema de previdência, assistência médica e social, no regime de repartição simples.

Enfim, a Previdência Social no Brasil foi importante formador de poupança e alocador de recursos para a formação de capital no Brasil até a década dos 70, com planos de investimento ineficazes e orientados para interesses públicos nem sempre comprometidos com padrões de retornos compatíveis com seus compromissos, mas apesar disso as premissas paternalistas continuaram na formulação das legislações subsequentes.

A Constituição de 1988 separou previdência e saúde. Seu texto permitiu a continuação de certos exageros como a aposentadoria da mulher com 25 anos de trabalho e a formação de uma legião de aposentados na faixa dos 45 anos de idade. 

Apesar da continuidade do welfare state, com alguns retrocessos paternalistas, a constituição de 1988 marcou o fim do uso dos recursos da previdência para outros fins não compatíveis com o modelo custeio pelo regime de repartição simples. Isso foi um importante avanço, que talvez tenha ligado o alerta de que a Previdência Social não tinha uma base infinita de recursos e que algum dia iria se tornar insustentável.

Esta história bem curta poderia ser contada dentro da história dos Fundos de Previdência Complementar Fechada. A Lei nº 6435/77 foi a primeira iniciativa relevante no sentido de regular o setor. As regras de aposentadoria eram bastante flexíveis e praticamente todos os Fundos tinham taxa atuariais de 6% mais correção monetária que “permitiam” aposentadoria com 30 anos de serviço, em regime de prestação continuada.

Na realidade, desmandos conhecidos à parte, só agora estamos percebendo que já começaram. Estamos saindo de um mundo confortável onde o déficit atuarial era coberto pelas empresas patrocinadoras para um mundo de paridade contributiva, o que, aliás, não era obrigação. Tudo isso começou a mudar a partir das Leis complementares 108/01 e 109/01, na esteira da reforma da previdência que começou de fato com a emenda constitucional 20/98, curiosamente com Michel Temer como Presidente da Câmara dos Deputados.

O mundo das aposentadorias integrais com apenas 5 anos de contribuição e 60 anos de idade e pela média das 36 últimas contribuições acabou.

Na realidade a reforma da previdência deveria ter caráter permanente o que diluiria os ajustes ao longo do tempo. Historicamente, houve desmandos, mas o grande desafio está nos padrões demográficos de maior longevidade e menor nível de natalidade. Além do mais, a previdência está convivendo com um momento inédito desde a instituição da correção monetária, taxas de juros se sustentando em padrões inferiores a 6% podendo caminhar para 3%. A resultante, como diz Fábio Giambiagi, será um maior esforço de poupança por parte das futuras gerações.

Não podemos ser simplistas e achar que o problema fiscal termina com a reforma e libera o Estado para investimentos via parcerias público-privados. De imediato, que garantia teremos de que o ajuste previdenciário seja efetivo considerando-se o comportamento demográfico brasileiro. Nossa expectativa de vida ao nascer é de 75 anos e com 65 anos supera os 84 anos, de acordo com o IBGE. Em 1940 a projeção de sobrevida aos 65 anos era de 75 anos. No final do século, será normal ultrapassar os 100 anos.

O modelo de capitalização ainda é uma incógnita e talvez seja mais prudente reformar o sistema tributário e o modelo de gestão dos serviços públicos atrelados à seguridade social, pois previdência, saúde a assistência social caminham juntas.

 Mas a grande mudança está em compreender as necessidades geracionais e estes vão muito além da reforma da previdência.

Devemos enquanto reformamos a previdência no Brasil, conversarmos com Greta Thunberg - sueca, 16 anos, com síndrome de Asperger, uma forma de autismo, que mobilizou jovens estudantes em vários países do mundo em favor da redução das emissões de CO2, e está sendo indicada para o Nobel da Paz - e perguntarmos a ela o que ela entende por “compromisso com as gerações futuras”? O que os jovens estudantes mundialmente mobilizados por ela entendem por “compromissos com gerações futuras”?

Nesse sentido, existem outras demandas com certeza. Em termos de Brasil, Greta diria que educação, saúde e saneamento são fundamentais, urgentes. No caso do saneamento, estamos em franco retrocesso. Crescimento econômico teria de ser inclusivo, acelerando os caminhos para o fim da fome e da pobreza absoluta. Investimentos em infraestrutura limpa são importantíssimos.

Mas com certeza, ela se preocuparia muito com a responsabilidade atual com o Meio Ambiente e perguntaria: que reformas econômicas estão sendo feitas nesse sentido? Quais as ações que estamos tomando para a redução das emissões de CO2 e o uso sustentável dos recursos naturais e marinhos?

O que Greta quer questionar, de fato, é porque não agimos de na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que tem como base o conceito de “responsabilidade em atender as necessidades das gerações futuras”.

E como atender a essas necessidades, sem priorizar os investimentos de longo prazo para o cumprimento dessas ODS? Nesse sentido, o Meio Ambiente não pode estar desconexo.


Eduardo Werneck
é vice presidente da Apimec Nacional.
eduardo.werneck@apimec.com.br


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